“Eu era o melhor tenista do mundo e não conseguia andar”. É com esta frase, que resume anos de dores crónicas, problemas físicos e uma luta incessante contra lesões, que Andy Murray abre aquele que é o primeiro excerto do documentário que vai detalhar a fase mais recente — e mais dolorosa — da carreira do tenista escocês. No trailer de “Andy Murray: Resurfacing”, o atleta mostra as dificuldades no pré e pós-cirurgia à anca, explica de que forma se rodeou das pessoas certas e o quão perto esteve, várias vezes, de desistir.
Em janeiro deste ano, Andy Murray, em lágrimas, anunciou que iria terminar a carreira no final desta temporada — e até colocou a hipótese de o fazer logo depois do Open da Austrália que estava prestes a começar. “Eu vou jogar [na Austrália]. Ainda posso jogar, mas não ao nível em que estou satisfeito. (…) A dor é demasiada”, explicou o escocês na conferência de imprensa que, na altura, parecia ser o epílogo de um percurso que conta com três Grand Slams conquistados, duas medalhas de ouro olímpicas e mais de 40 semanas consecutivas no primeiro lugar do ranking ATP. Murray jogou na Austrália, foi eliminado à primeira partida por Roberto Bautista-Agut e pensou-se que o tenista escocês tinha acabado de perder aquele que era o último jogo da carreira.
Mas Murray ainda tinha trunfos na manga. Voltou a ser operado à anca, garantiu que estava a fazer de tudo para voltar e no passado mês de outubro, para surpresa de todos e dele próprio, venceu o Open de Antuérpia ao bater Stan Wawrinka na final, conquistando o primeiro troféu desde fevereiro de 2017. O documentário, realizado pela namorada do cunhado de Murray, pormenoriza os últimos dois anos da carreira do escocês — divididos entre a vontade de continuar a lutar contra as dores e a necessidade de abrandar para conseguir suportá-las. Apenas dois meses antes da vitória em Antuérpia, durante o Citi Open do qual acabou por desistir por estar “exausto”, gravou um vídeo debaixo dos lençóis, sozinho, onde confessa que percebeu que estava “a chegar ao fim”. O vídeo, na sua versão original e inédita, aparece no documentário: “Sinto que isto é o fim para mim. O meu corpo já não quer fazer nada disto e a minha mente já não quer forçar a barreira da dor. Estava à espera de me sentir melhor do que isto depois de 16, 17 meses [depois da primeira operação à anca]. É só uma noite emotiva porque estou a chegar ao fim”, diz o tenista, sem conseguir evitar as lágrimas.
O documentário, que chega ao serviço da Amazon Prime a 29 de novembro, revela ainda o que significa o ténis para Andy Murray, já que o escocês se refere sempre à modalidade como “muito mais do que um desporto”. A realizadora insistiu nessa mesma pergunta e só conseguiu obter uma resposta concreta através de uma mensagem de áudio enviada pelo atleta, segundo o The Guardian.
“Dunblane aconteceu quando eu tinha nove anos. Nós conhecíamos o tipo, ele tinha estado no nosso carro, já lhe tínhamos dado boleia até à estação de comboios e coisas assim. 12 meses depois, os nossos pais divorciaram-se. Foi um período difícil. E depois o meu irmão mudou-se para longe de casa pouco depois. Fazíamos tudo juntos, por isso foi difícil para mim. Durante um ano tinha muita ansiedade mas tudo isso passava quando jogava ténis. O ténis é um escape para mim, de muitas formas. Todas estas coisas estão enterradas. Não falamos sobre estas coisas. Mostro a minha personalidade no court. O ténis permite-me ser essa criança. É por isso que é importante para mim”, disse o escocês de 32 anos na mensagem enviada à realizadora. Pela primeira, Andy Murray revelou que conviveu com Thomas Hamilton, o homem que em 1996 abriu fogo numa escola primária de Dunblane, na Escócia, e matou 16 crianças e um professor, naquele que é ainda o tiroteio em massa mais mortífero da história do Reino Unido.
Mais de dez meses depois de ter dito que teria de terminar a carreira por não aguentar as dores, Andy Murray vai lançar um documentário onde revela todos os capítulos dos últimos dois anos, venceu um torneio pela primeira vez em dois anos e meio e, mais do que isso, vai estar no Open da Austrália onde em janeiro se pensou que tinha feito o último jogo de sempre.