Se as últimas três semanas têm sido marcadas por Jorge Jesus no Brasil, a manhã do nono dia (e terceira semana) do julgamento do caso de Alcochete foi marcada no Tribunal de Monsanto pela presença de antigos adjuntos de Jorge Jesus. Dois, por sinal os únicos que não acompanharam o treinador no projeto do Flamengo depois de terem estado juntos ainda na Arábia Saudita, pelo Al-Hilal. Raúl José e Miguel Quaresma, que entretanto voltaram ao Sporting mas para outras áreas entre scouting e formação, foram as testemunhas chamadas pelo Ministério Público. E, com uma linguagem mais fácil e com “futebolês” à mistura, prestaram os seus depoimentos. À tarde, falou Nelson Pereira, também ele antigo adjunto e que trabalha na Academia desde que foi fundada, em 2002.
Por se encontrarem em zonas distintas da ala profissional quando ocorreu a invasão, cada um viu melhor ou pior o que se passou naqueles “quatro ou cinco minutos” descritos como “de pânico e terror”. Mas, além desses pormenores do dia 15 de maio, houve mais dois temas que foram marcando as inquirições: o jogo na Madeira frente ao Marítimo e seguinte chegada ao aeroporto da equipa do Sporting, no dia 13, e as reuniões da equipa técnica e do restante staff em Alvalade com Bruno de Carvalho e outros elementos da SAD, no dia 14. E foi aqui que acabou por entroncar o “ponto quente” do dia: de acordo com Raúl José e Miguel Quaresma, com o intuito de proceder às questões legais para dispensar a equipa técnica, o antigo presidente do Sporting sugeriu a passagem do treino de manhã para a tarde e foi Jorge Jesus que definiu a hora a que o mesmo deveria ter início no dia 15 de maio de 2018; já Nelson Pereira, que esteve na última reunião, referiu que o ex-líder quando perguntou quem estava ou não com ele tinha a ver com o iminente despedimento do treinador principal.
[O resumo do dia 8 do julgamento do caso de Alcochete]
Aliás, dessa reunião (que foi abordada pela primeira vez em Tribunal, porque nesse dia houve três em Alvalade e Ricardo Gonçalves e Manuel Fernandes falaram da terceira e não da primeira com a equipa técnica) aquilo que ressaltou das declarações dos três ex-adjuntos é que Bruno de Carvalho tinha a intenção, mesmo que de forma informal, de despedir Jorge Jesus antes da final da Taça de Portugal – algo que o ex-presidente leonino desmentiu quando saiu do Estádio após um dia marcado por reuniões pós-derrota na Madeira, dizendo no interior da sua viatura a frase “Se o Bruno suspendeu o Jesus, esperem pelo Bruno, que o presidente não suspendeu ninguém” quando instado pelos jornalistas presentes a comentar a crise desportiva do Sporting.
Bruno de Carvalho nega suspensão de Jorge Jesus mas treinador está de saída do Sporting
“Se algum deles tentou apaziguar? Não, não, nada, vinham todos para bater”
“Eu estava no corredor de acesso ao balneário, em frente à porta que dá acesso ao vestiário. Vi a chegada dos indivíduos. Os primeiros, eram uns dez ou 15, lançaram umas tochas, agrediram três ou quatro jogadores. Foi um clima de pânico e de terror que temos dificuldade de perceber, naqueles quatro ou cinco minutos. Na altura estava cerca de 90% do plantel no balneário. Uns ficavam, outros entravam, outros tinham alvos definidos. O primeiro grupo vinha todo junto, empurraram o Ricardo [Gonçalves] e começaram a distribuir fruta por uns quantos. Depois foram entrando mais, eram uns 20 ou 30”, começou por descrever.
“Achei que não íamos sobreviver”, desabafou a certa altura.
“A porta estava aberta, o Ricardo [Gonçalves] tentou fechar mas eram muitos. Entraram, empurraram, foram por ali adentro. O Jorge [Jesus] estava fora, no relvado. Passada a primeira sensação, disse para não fecharem as portas porque o Jorge estava no relvado e disse para irem buscá-lo. Fui empurrado, foram vários empurrões porque quem entrava empurrava toda a gente. Vi que bateram no Batta [Battaglia], no Acuña, no William. Aquilo primeiro mandaram as tochas, começaram com os baldes, depois outro com o cinto à vergastada que magoou o Bas [Dost]. O Acuña retaliou um bocadinho mas quando vejo o Bas [Dost] no corredor deitado com sangue o que fiz foi tentar ajudar. Na altura já lá estava alguém do departamento médico. Só víamos vultos, não víamos pessoas. Não vi ninguém, ainda por cima com o rosto descoberto. Foi o pânico total. Se algum deles tentou apaziguar? Não, não, nada, vinham todos para bater. Não sei se aquilo no início era só para meter medo mas o primeiro bateu e depois começou tudo naquilo”, prosseguiu na descrição do que se passara no interior do edifício.
“Até o Montero, coitadito, também foi amochado”: o relato das agressões
“Ameaças? Eles não ameaçaram, eles bateram logo. Frases nem sei… ‘Dá neste, dá naquele’… Olhe, nem quero recordar muito, já vivi isso… O único jogador que tentou ir atrás de um desses elementos foi o William, foi atrás dele e até penso que o conhecia pela maneira como estava a falar com ele. O Jorge entrou depois pela outra porta e tinha levado umas bordoadas. O Acuña tentou ripostar, meteu-se de pé e levou mais”, contou, acrescentando mais tarde em pergunta de Tiago Melo Alves que o argentino “apenas se tentou defendeu porque se estava a equipar no balneário e apareceram uns três de volta dele a bater”.
[O resumo do dia 7 do julgamento do caso de Alcochete]
“O William levou uma estalada, o Rui Patrício também estava a ser empurrado, até o Montero, coitadito, também foi amochado (sendo que mais tarde explicou que lhe agarraram pelos colarinhos e levou duas estaladas), depois estava o Bas [Dost] no chão, ainda levei uma cinturada… Não vi a agressão ao Bas Dost, com o cinto a mim foi no ombro. Uns tinham cintos, outros paus (que podiam ser matracas, admitiu mais à frente)… Seis ou sete tinham cintos e paus, com cintos acho que eram dois. Entravam, saíam, um dos que tinha o cinto estava no corredor”, prosseguiu numa descrição com algumas interrupções “pela confusão que havia naquela zona”.
“Acho que vinham só para o susto, depois aquilo descontrolou-se e foi o pânico total. Uma pessoa nem sabe o que fazer porque não sabe se têm pistolas ou navalhas, ainda por cima estavam de cara tapada. Alarme de incêndio? Sinceramente não me lembro, da fumarada e das tochas isso sim. Pedi para verem o que se passava com o Jorge, porque estava sozinho lá fora. O meu medo era esse, que fechassem a porta com o Jorge Jesus lá fora. Depois foram saindo da ala profissional, fui para a zona do hall, fiquei depois no balneário à espera do resto da equipa técnica, foram-se juntando vários grupos. Falei depois com o Jorge, sei que vieram mais uns de cara destapada mas não vi essa parte”, explicou o antigo adjunto leonino, número 2 do atual técnico do Flamengo.
“O Jorge [Jesus] também foi agredido. Vi as marcas, também levou uns murros, vi que estava ensanguentado mas não vi a agressão. A mim ficou só uma marca no ombro, com um vergãozito, fui ao posto médico, buscar um bocado de gelo e não precisei de mais assistência. Se já lá tinham ido antes? Que me recorde, não. Houve umas contestações no estacionamento em Alvalade mas entrarem assim na Academia nunca. Contestação acontece em todos os clubes, quando há maus resultados”, finalizou na parte da invasão.
[O resumo do dia 6 do julgamento do caso de Alcochete]
Em relação ao que se tinha passado antes na Madeira, Raúl José confirmou de forma genérica tudo o que já tinha sido dito pelas testemunhas anteriores e que são facilmente percetíveis pelas imagens televisivas, acrescentando também que são situações habituais no futebol. “Primeiro houve a confusão entre o Acuña e elementos da claque no relvado, depois no aeroporto foi com o Acuña, o Battaglia, o Fernando Mendes e mais uns… O Jorge Jesus foi tentar acalmar, o Nelson e o William também. Estes sururus são normais com Sporting e Benfica quando não se ganha, a invasão depois é que não”, soltou, dando de novo mais “ambiente de futebol nacional”.
Foi uma coisa que me marcou para a vida e espero nunca mais me lembrar depois de sair daqui.”
O treino de dia 15: Bruno sugeriu mudar, Jesus marcou a hora (e por uma razão)
“Tivemos uma reunião e fomos despedidos. Foi a equipa técnica com o doutor Bruno de Carvalho. Acho que a nossa reunião foi a primeira. Estava eu, Jorge Jesus, Miguel Quaresma, Mário Monteiro e Márcio Sampaio. Fomos despedidos informalmente. Quando ia para lá uma reunião com equipa técnica e administração, já pensava que ia ser para nos despedir porque não tínhamos conseguido o apuramento para a Champions. Disse que era o fim de linha, que não contava connosco mas foi uma situação informal, com um bocado de conversa porque achava que o Jorge não devia continuar. Toda a equipa técnica estava conformada que no dia seguinte não ia dar aquele treino. Estava marcado para de manhã mas Bruno de Carvalho sugeriu que alterássemos para o treino para a tarde para termos tempo de receber a nota de culpa”, começou por referir.
[O resumo do dia 5 do julgamento do caso de Alcochete]
Alcochete. Arguido levado para a esquadra teve “comportamentos impróprios” com os polícias
“Fui o primeiro a chegar à Academia, por volta do meio dia e meio, e não estava lá nada de nota de culpa. Liguei ao Jorge a dizer que íamos dar o treino. Como tínhamos mais um ano de contrato, essa sugestão foi para que fosse formalizado pelo departamento jurídico o despedimento, por rescisão com justa causa ou acordo, porque havia mais um ano de contrato. Por isso comparecemos para dar o treino. Se disse que ia lá no dia seguinte à Academia? Não porque não éramos mais treinadores do Sporting, saímos com noção disso”, completou, antes de começar a responder às perguntas do advogado do Sporting, Miguel Coutinho, e dos arguidos.
“Sei o que é um clube grande, as claques e os adeptos… Há situações em que às vezes tentam apertar e libertar um pouco as frustrações nos jogadores mas nunca vi passar para este campo. Agora que penso, levavam cintos, paus, tochas, outras porcarias…”, reforçou antes de voltar à reunião da véspera da invasão à Academia: “Estava também da SAD Carlos Vieira e Rui Caeiro, pelo menos esses dois. Foi uma coisa informal. Enquanto não se recebe o documento uma pessoa tem de apresentar-se ao trabalho ou pode ser despedido por justa causa. Foi por isso que Bruno de Carvalho sugeriu passar o treino para a tarde, para os jurídicos terem tempo para fazer isso. Agora, se arranjava umas tretas para nos despedir ou se havia indemnização, isso não sabíamos. Quem mudou a hora do treino? Bruno de Carvalho sugeriu, a hora do treino foi o Jorge Jesus”.
– Nos planteis há sempre aqueles que os adeptos gostam mais, outros que são patinhas feios, uns que correm pouco, ou não jogam nada… Sabe o porquê de terem sido o Acuña e o Battaglia?
– Por correrem pouco não foi porque se há quem corre são eles…
– Sim mas o que senhor advogado está a perguntar era se tinha sido pelo que se passou na Madeira.
– Talvez, não sei…
A terminar, Raúl José recordou ainda que Jorge Jesus “levou um abrunho, foi atrás do indivíduo e depois ainda levou mais dois”, garantiu que “se fosse chefe de equipa nunca tinha saído daquela reunião sem ter chamado logo ali os advogados”, explicou que viu apenas Frederico Varandas “depois da confusão, porque antes não tinha visto” e recordou até uma expressão sobre aquilo que Bruno de Carvalho disse sobre a possibilidade de ganhar a Taça de Portugal no fim de semana, uns dias depois de falhar a Champions: “Para ele, depois daquilo [derrota na Madeira e não ida à próxima edição da Liga dos Campeões] era um furúnculo no rabo”.
Dos “dois ou três que voltaram para trás” ao corredor penoso para Jesus
Seguiu-se ainda na parte de manhã Miguel Quaresma, também ele adjunto de Jorge Jesus à data dos acontecimentos, e que estava numa outra zona da ala profissional quando tudo se passou apesar de ter visto por exemplo a agressão ao treinador leonino da altura. “Estava na minha zona de trabalho, uma sala onde se faz a análise da equipa e dos adversários. É um corredor que tem várias salas, estava numa delas. Ouvi o barulho e essa porcaria toda e saí. Era um ambiente assustador. Vi-me envolvido no corredor, quando nem se percebia quem saía e quem entrava. Cheguei a ser empurrado, afastado. Não sei quantos eram, 20, 30 ou 40. Foi aí que vi o Jesus a chegar e é aí que assisto à agressão do Jesus”, referiu no início do testemunho.
[O resumo do dia 4 do julgamento do caso de Alcochete]
“Fiquei ali numa espécie de espaço neutro, que tem também a rouparia. Quando fiquei ali, porque na cabine não cheguei a entrar, ainda houve mais uns quantos que entraram. Foi tudo muito rápido. Houve uns quantos que nem chegaram a entrar porque já estavam a sair. Houve dois ou três, que pela conversa até me pareceram ser miúdos mais jovens, que voltaram para trás. Viram o ambiente de tal forma agressivo que voltaram. O Jesus atrasou-se e quando chega ao corredor ainda foi agredido. Estava no campo, aparece a correr, já se depara com aquele movimento todo e é agredido”, prosseguiu antes de pormenorizar o que se passou.
“Quando cheguei ao balneário, o ato já tinha sido consumado. O Jesus foi agredido por gente que já tinha agredido no balneário e estava a sair. Deram-lhe com um objeto, com um pau ou com um ferro, na zona do peito, nas costas. Ele caiu, escorregou, tentou levantar-se e ir atrás deles e continuou a ser agredido no trajeto, pelas costas”, contou, na parte final da descrição de tudo o que tinha visto no interior da ala profissional e antes de entrar nos outros dois temas das questões do Ministério Público: o jogo na Madeira e a reunião em Alvalade.
“Se me senti ameaçado no ataque? Sim, houve um que me disse que me conhecia, que sabia quem eu era, que vinha atrás de mim na altura em que tinha saído. Ainda por cima de cara destapada, não era uma ameaça?”
“Houve uma manifestação de desagrado dos adeptos contra a equipa depois do jogo, os jogadores também mostraram o seu desagrado por aquilo que estava a acontecer. Tentaram dirigir-se aos adeptos mas foram agredidos verbalmente e houve um ou outro que se manifestaram, o Acuña, até pela personalidade que tem… No aeroporto foi desagradável, só não houve tentativa de agressões porque se conseguiu acalmar a coisa. Estavam a tentar agredir o Acuña mas foram afastados. Toda a gente tentou acalmar… Conversa entre Jorge Jesus e Fernando Mendes? Não sei, não ouvi nada”, frisou Miguel Quaresma.
[O resumo do dia 3 do julgamento do caso de Alcochete]
“Na segunda-feira à tarde, chamaram a equipa técnica e disseram que era o fim de linha. Ficámos a entender que tinha acabado ali o nosso percurso. A ideia com que fiquei foi que estávamos a ser despedidos. Fiquei com essa convicção na hora. Bruno de Carvalho manifestou o seu desagrado pela época, pelos acontecimentos, pela forma como conduzimos o processo… As relações já não eram muito amigáveis, o ambiente já não era o melhor depois daquele jogo em Madrid e sentimos que as condições não eram as melhores”, começou por dizer. “Pela hora a que acabou a reunião, que era tarde, ele sugeriu que a hora do treino fosse alterada para terem tempo para o documento ser redigido. Aliás, Bruno de Carvalho até disse que estava a ser nosso amigo porque a nossa ausência até podia motivar justa causa, disse que o melhor era irmos porque podia não haver tempo. Era de manhã, passou para a tarde. A hora do treino foi alterada pelo Jesus e comunicada em termos internos. Acho que na reunião já tinha ficado definida a hora”, prosseguiu, na diferença entre o relatado por Raúl José.
“Fomos chegando de forma separada porque não sabíamos se estava lá a carta ou não para nós. Como não havia nada, equipámo-nos e íamos dar o treino, claro. A nossa dúvida era se estava lá a carta. Depois o único treino foi de karaté, sei lá… Não demos treino nenhum”, rematou antes da pausa para almoço.
– Desculpe senhor Miguel mas tem de ser assim, atirou a juíza.
– Eu nem quero recordar-me disto…
– Percebo isso mas só estamos aqui a tentar perceber o que se passou, sem testemunhas era mais difícil…
“Isto correu mal, vamos embora daqui”: a frase que se ouviu no balneário
Nelson Pereira, antigo guarda-redes do Sporting que na altura da invasão era o treinador de guarda-redes da equipa principal e é hoje “coordenador técnico” na Academia, foi a única testemunha ouvida na sessão vespertina do nono dia do julgamento. Ele que, como explicou no início, faz quase parte da mobília da casa verde e branca. “Estou no clube desde 1997, na Academia estou desde que abriu, em 2002”. Mais do que isso, mostrou como sente o clube quando se chegou a emocionar ao recordar o que acontecera, o que levou mesmo a juíza a intervir para dizer que não tinha de pedir desculpa por isso. “Somos todos humanos”, disse.
“Estava no ginásio quando vejo um grupo de pessoas a correr pelas instalações da Academia. Vi pela janela, que dá para a zona dos campos de treino. Estranhei o facto de virem com a cara coberta e de se dirigirem ao campo onde habitualmente treinamos e onde não estava quase ninguém. Voltaram e foram para a zona dos balneários. Estavam ainda alguns jogadores a fazerem os trabalhos normais, no ginásio. Naquela altura por norma estariam no balneário a maioria dos jogadores”, começou por situar. “Achei uma situação anormal. Corri para a zona dos balneários, achei que podia fechar a porta mas não tinha chave, entrou logo gente”.
A imagem mais forte e desagradável é essa, a da entrada. Sentimo-nos impotentes porque era uma espécie de bloco, depois com tochas e fumo… Dá a sensação de algum medo, é uma imagem pesada. Há uma porta antes em alumínio que ficou danificada, foi forçada. Era o último obstáculo antes de chegar ao balneário.”
“Tentei impedir um deles que me disse ’Nelson, não é nada contigo, sai daqui. É com o Acuña e com o Battaglia’. E eu disse ‘Eh pá, não brinquem com isto!’. Vi o Misic ser agredido com um cinto na zona do tronco, depois vi o Rui Patrício e o William a serem empurrados… Estava muita confusão, fumo. Há uma frase que ouvi, porque foi gritada, que me recordo: ‘Isto correu mal, vamos embora daqui’. Depois saíram e fiquei a dar assistência aos jogadores porque uns choravam e outros diziam que queriam ir embora”, destacou.
“Eles estavam juntos e saíram juntos. Dirigiram-se muito aos jogadores em frente à porta, Acuña, Battaglia, Rui Patrício, William. O Rui e o William eram os capitães de equipa e queriam confrontar porque tudo isto resulta de um mau resultado da equipa. Havia muito fumo, quando lançaram as tochas tocou o alarme e saiu espuma. Uma das tochas fui eu que apaguei, outra foi atirada no final e acertou no Mário Monteiro. Tirando a do corredor, que foi acesa quando estavam a sair no corredor, foram todas no início, à chegada. Havia alguma confusão, as conversas não eram percetíveis. A tocha que acertou no Mário Monteiro foi de forma casual”, prosseguiu, antes de falar também de Bas Dost e dos danos que a sua viatura sofreu também no exterior.
“Só mais tarde é que percebi que o Bas Dost estava ferido, reparei que o mister Jesus tinha uma marcazinha, o Ludovico também tinha sido atingido mas só vi tudo depois, já o Dost tinha os pensos. Saí dessa zona mais tarde porque me comunicaram que o meu carro tinha sido atingido. Já não havia indivíduos, não encontrei ninguém. O meu carro era o primeiro da fila dos treinadores adjuntos por antiguidade, o mais perto de acesso da rouparia. É um Porsche, foi atingido por um cinto e por uma tocha. Vi as marcas e depois as imagens”, disse.
– De certeza que não tinha danos antes?
– Não era praticamente novo, não tinha riscos nem nada…
– E como ficou?
– Tinha uma amolgadela no capot, ficou vincado, tinha também a marca da tocha… Paguei 3.000 euros de arranjo…
Nelson Pereira abordou ainda os encontros entre jogadores e claques, que teve como atleta e como treinador. “Os adeptos irem à Academia não é novo. Nos últimos cinco anos em que joguei era um dos capitães e tivemos algumas reuniões com os líderes das claques. Eram solicitadas sempre que os resultados não eram tão bons. Uma foi à porta da Academia. Outra, já como treinador adjunto, e com Jesus, onde estiveram connosco. Foram recebidos no relvado, ficaram a ver o treino. Eram mais do que os líderes. O teor dessas conversas passavam sempre pelo facto de não estarem satisfeitos, de chamarem a atenção para que tinham de dar mais, que eles também faziam sacrifícios com as viagens… Mas eram coisas programadas”, explicou.
[O resumo do dia 2 do julgamento do caso de Alcochete]
O agora coordenador técnico deu também a sua versão presencial do que se passou na Madeira, depois do jogo com o Marítimo e no aeroporto. “Houve uma manifestação de desagrado dos adeptos com a equipa porque não vencemos o jogo e não conseguimos a qualificação para a Liga dos Campeões, os jogadores estavam de rastos. O Acuña era um dos mais frustrados, esbracejou e houve aí um mal entendido porque em momento algum me parece que queria ofender. Quando chegámos ao aeroporto, o Fernando Mendes estava mais exaltado, pelo facto de não conhecer como é o Acuña e por se sentir ofendido com os gestos dele. Acho que ninguém se estava a perceber ali. Pelo respeito que tem por mim e eu tenho por ele, fui na sua direção, abracei-o e tudo acalmou. Ouve depois um desabafo do Battaglia, que é normal nos sul-americanos porque dizem sempre o mesmo, acendeu de novo mas passou. E disse ao Battaglia que naquele contexto o melhor era não ter dito”, recordou.
A reunião em Alvalade, a festa da Juve e o vídeo no balneário (e Varandas)
“Estive na última reunião em Alvalade, com o staff. Houve uma com a equipa técnica, outra com os jogadores e outra com o staff. Era considerado o treinador residente, que ia acompanhando vários técnicos. O foco da reunião? Estávamos a atravessar um mau momento, comunicou que teria de tomar medidas porque tínhamos perdido mais um objetivo da época, neste caso a Liga dos Campeões, porque o primeiro era ser campeão, e queria saber quem estava com ele porque quem não estivesse podia sair porque iria tomar medidas. Pelo que conversámos antes e pelas notícias que circulavam, era que o treinador tinha sido despedido. Foi a dedução que fiz. Informação do treino? Vínhamos de folga, ainda não tínhamos recebido” especificou.
[O resumo do dia 1 do julgamento do caso de Alcochete]
Em resposta às questões do advogado do Sporting e dos arguidos, Nelson Pereira referiu que o indivíduo com o cinto deveria ter 1,80m, admitiu que foi bom nenhum jogador ter reagido “porque podia ter sido mais grave”. “Não consigo dizer que vinham para uma conversa mas também não consigo dizer que vinham para agredir… Das outras vezes as coisas estavam marcadas… Acho que vinham marcar uma posição. O maior património além dos adeptos são os jogadores, por isso é que tudo me chocou um bocadinho. Dar com um cinto a um jogador para mim é inconcebível, deixa-me triste. Alguém ali perdeu um bocado o discernimento das coisas. Da minha parte, em 23 anos que lido com estas pessoas, sempre fui bem tratado. A importância dos adeptos é muito grande, o jogo de futebol tem emoções e em alguns momentos precisamos dos adeptos porque a equipa também vai abaixo e conseguem apoiar muito”, contou numa altura onde se chegou mesmo a emocionar.
Nelson, que no final chegou a ter um dos arguidos a fazer o gesto como se fosse bater palmas (além de ter sido também cumprimentado de forma particular por alguns advogados) contou ainda que, já depois da invasão, esteve numa festa de aniversário da Juventude Leonina em representação do Sporting com Renan, tendo mesmo levado uma camisola da equipa assinada por todo o plantel. “Fui recebido com o meu cântico que eles tinham quando jogava, discursei e correu tudo dentro da normalidade”, esclareceu antes de responder às perguntas do advogado de Bruno de Carvalho, Miguel A. Fonseca, que começou a interpelação dizendo que era “uma honra estar à frente de um campeão duas vezes pelo Sporting”. E foi aí que voltou o vídeo do interior do balneário.
– Sabe quem é o Gonçalo Álvaro [n.d.r. fisioterapeuta do Sporting]?
– Sim, sei.
– Sabe quem fez aquela filmagem dentro do balneário, onde aparece um médico a rir?
– Quem fez não sei porque apareço de costas mas não gostei.
– Lembra-se da frase ‘Filma a fivela, filma a fivela’?
– Já ouvi isso.
– E sabe quem é que disse na altura essa frase?
– Não.
Cerca de duas horas depois, Nelson Pereira, a terceira e última testemunha do dia, terminou a inquirição. Agora, o julgamento do caso de Alcochete entrará numa fase de audição dos jogadores do Sporting, todos testemunhas do Ministério Público. Esta segunda-feira, dia do décimo dia, serão ouvidos a partir das 9h30 Luís Maximiano, Wendel e Mathieu. A juíza Sílvia Rosa Pires irá anunciar apenas na sexta-feira como será feita a sessão, depois do requerimento apresentado pelo advogado do Sporting, Miguel Coutinho, havendo três alternativas: à semelhança dos restantes elementos do plantel que entretanto saíram, o grupo de oito jogadores ainda hoje no clube vai ser ouvido por videoconferência; são ouvidos no Tribunal mas sem a presença dos arguidos; ou, caso nenhum dos pedidos seja aceite, ouvidos no Tribunal e com os arguidos, como todas as testemunhas até agora.