Ainda a proposta de revisão do sistema de reformas do governo de Emmanuel Macron não foi apresentada, e já as principais cidades do país se enchem de trabalhadores em greve, naquele que é mais um exemplo na já longa lista de desafios que as ruas trazem à atual presidência francesa.

A greve foi convocada por algumas das maiores centrais sindicais em França, como a CGT e a FO. Entre os setores profissionais que aderiram à greve estão os trabalhadores dos transportes públicos, professores, advogados oficiosos, bombeiros ou trabalhadores do setor agroalimentar, entre outros. A greve foi convocada para esta quinta-feira e não tem fim à vista — fazendo adivinhar um Natal difícil para Emmanuel Macron.

Esta greve, por abranger vários setores profissionais e não ter data para terminar, pode ganhar em intensidade e também em violência tendo em conta que o movimento dos coletes amarelos demonstrou a sua solidariedade com os protestos iniciados esta quinta-feira. Numa reunião, numa chamada “assembleia das assembleias”, cerca de 600 representantes dos coletes amarelos apelaram aos seus apoiantes que estivessem “no centro” dos protestos e “com os seus coletes bem visíveis”.

Ecos da greve de 1995?

Sem fim à vista, os mais pessimistas olham para a greve convocada para esta quinta-feira e identificam semelhanças com a de 1995, a maior interrupção laboral em França depois do Maio de 68. Em 1995, a greve da função pública e do setor privado prolongou-se entre 24 de novembro e 15 de dezembro, visando também uma reforma (que acabou por ficar na gaveta) do sistema de reformas.

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Em 1995, uma greve contra uma proposta de reforma sobre as pensões levou a uma greve de 21 dias, a maior desde o Maio de 68

Desta vez, porém, é pouco provável que o setor privado se junte a estas greves, pelo simples facto de a intenção do governo ser a de equiparar o sistema de reformas do público (que contém 42 sistemas e prevê vários regimes de benefícios e exceções) com o sistema de reformas do privado, que funciona de igual forma para todos.

Ainda assim, com a inclusão dos coletes amarelos nestas manifestações e também rumores de infiltrações por parte de manifestantes violentos de grupos como os black-bloc, restam dúvidas sobre até quando e onde podem ir estas paralisações.

“Parece que estamos na véspera de um tufão, não me recordo de alguma vez ter vivido algo assim”, disse ao Le Monde Danielle Tartakowsky, historiadora que estuda os movimentos sociais em França.

A mesma investigadora demonstrou também dificuldades em “compreender” a atuação do governo, referindo que este está a perder tempo — e que, por isso, pode contribuir para o crescimento deste movimento de protesto. Para já, esta sexta-feira a adesão à greve foi de 32,5% de acordo com o governo — mas esta é uma percentagem que pode subir nos próximo dias.

“O movimento ativa-se e o governo diz que só apresenta as conclusões [sobre a revisão do sistema de reformas] no final do mês? E criam três semanas de perturbações?”, questiona. “Para Macron, é difícil recuar. Mas recuar a frio sempre é mais fácil do que recuar no meio das chamas”, refere. E acrescenta:

O que vimos com os coletes amarelos foi que a ausência de uma resposta rápida a uma reivindicação muito limitada e fácil de satisfazer [baixar os impostos sobre os combustíveis] levou a que a reivindicações tomassem uma proporção inesperada.”

O que está por trás desta greve?

Desta vez, está em causa um sistema que pretende simplificar o sistema de reformas em França. Embora os detalhes do Alto Comissário para as Reformas, Jean-Paul Delevoye, ainda não sejam conhecidas (o próprio deverá apresentá-los entre 9 e 10 de dezembro e o primeiro-ministro, Édouard Phillippe, só deverá anunciar as conclusões do governo poucos dias antes do Natal), as linhas gerais da proposta serão a de criar um sistema universal de reforma em França, em substituição dos 42 que estão por agora em vigor. A ideia defendida por Emmanuel Macron é que, com o novo sistema, seja estabelecido “um princípio de igualdade: por cada euro descontado, o mesmo direito à pensão para toda a gente”.

A proposta está a ser mal recebida por sindicatos do função pública, que beneficiam de regimes especiais de reforma, onde a idade de reforma é mais baixa e onde os descontos feitos ao longo da carreira contam mais na altura de abandoná-la — o que, na prática, levaria alguns setores da função pública a ter reformas mais baixas do que aquilo que é agora previsto.

Prevê-se também que o sistema proposto pelo governo francês na próxima semana penalize no valor da reforma todos os trabalhadores que se reformarem antes da idade estabelecida para o seu setor — sendo que estas penalizações já são aplicadas no setor privado, onde a idade da reforma está fixada nos 62 anos.