Macau tem muito potencial cinematográfico, mas ao contrário do que se passa com a literatura, não é um polo atraente para o cinema português. E será cada vez menos, com o afastamento dos portugueses e os baixos orçamentos cinematográficos.

A solução no futuro poderá passar por coproduções entre Portugal e Macau, onde há “toda uma nova geração de macaenses que estão a fazer filmes em Macau”, disse à Lusa o realizador João Rui Guerra da Mata, que viveu naquele território até à revolução de Abril, e que, juntamente com João Pedro Rodrigues, é autor de alguns dos poucos filmes portugueses centrados naquela região.

“Depois do 25 de Abril fizeram-se alguns filmes, alguns documentários, de cinema também, embora a maior parte fosse de componente televisiva, houve algumas ficções, mas Macau sempre foi, na minha opinião, um território um pouco esquecido pela cinematografia portuguesa. Ao contrario da literatura, em que tivemos alguns escritores brilhantes, uns que viveram lá e outros que visitaram”, afirmou.

A razão por que isso se passa é uma questão que o próprio afirma colocar-se a si mesmo várias vezes, porque considera que “Macau é um espaço cinematográfico por excelência”.

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“Eu encontro narrativas em cada esquina e mesmo tentando evitar o exótico, que é uma coisa que não me interessa muito, é sempre exótico”, acrescentou.

Opinião semelhante tem o realizador Luís Filipe Rocha, autor de “Amor e dedinhos de pé”, filme ambientado na Macau do início do século XX, que viveu seis anos naquela região e sempre sentiu a presença portuguesa como “distante e alheada da realidade”, com um relacionamento “muito de entreposto comercial”.

Para o cineasta, a história do colonialismo português sempre foi de “distância e trânsito mercantil”, sem haver uma “relação ativa importante cultural”, mas antes “uma forma [de relação] superficial e utilitária ligada ao comércio e ao trânsito marítimo” e também ao facto de “a própria China nunca ter sido um país propício a inter-relações”.

“Não creio que tenha havido algum imaginário cinematográfico ligado a Macau, para além de se tomar Macau como uma espécie de ‘décor’, mais com ingredientes de jogo, de mistério, de noite, de marginalismo, de prostituição, do que de questionamento da História”, considerou.

Por isso, classifica o cinema sobre Macau como “bastante utilitário e cruel”.

“Tudo o que significa olhar sobre 400 anos de história portuguesa, sobre o que significa o encontro entre europeus e chineses, a revolução cultural… isto para falar só nos últimos tempos, já para não referir a fundação de Hong Kong, a guerra do ópio, nem nada do que envolva a presença europeia na China, ou qualquer história, não creio que tenha interesse para o cinema”, lamenta Luís Filipe Rocha.

A dupla João Pedro Rodrigues e João Rui Guerra da Mata está atualmente a trabalhar em dois projetos cinematográficos de base histórica: um tem a ver com os acontecimentos mais recentes em Hong Kong e as suas repercussões em Macau, o outro prende-se com a história de Macau durante a II Guerra Mundial.

De qualquer modo os realizadores apontam aquela que é a razão mais válida para o desinteresse geral dos portugueses pelo cinema em Macau, que é a falta de dinheiro.

Os filmes não têm que ser necessariamente documentários de base histórica ou ficções exóticas, tudo “depende das histórias que os realizadores portugueses querem contar”, e Macau tem muitas “histórias extraordinárias para contar, umas reais outras ficcionadas, não só do passado como coisas que se passam hoje em dia”, afirma João Guerra da Mata.

“Há livros de escritores portugueses de histórias passadas em Macau que dariam filmes extraordinários, mas quase sempre são filmes que precisariam de um ‘budget’ muito elevado e, infelizmente, os filmes portugueses, mesmo os feitos em Portugal que serão filmes mais ‘mainstream’, com orçamentos mais altos, quando comparados com orçamentos dos filmes europeus, são orçamentos muito baixos. A questão do dinheiro é mesmo fulcral”, considera.

O realizador assinala a diferença fundamental que justifica a abundância de literatura sobre Macau e a quase ausência de filmografia: “um escritor vai para Macau, aluga um quarto, ou uma casa ou instala-se num hotel e fica ali a escrever, é um ato solitário em que basicamente estamos a falar de estadia, alimentação e transporte” para uma pessoa.

“Uma equipa de filmagens, mesmo uma equipa reduzida, são muitas pessoas, técnicos, atores, material, por isso é que é tão caro. E para um realizador português, o apoio ao cinema português e às artes em geral é muito insuficiente”, disse, acrescentando que “o cinema é possivelmente das artes mais caras e é mais fácil filmar em Lisboa e Portugal, do que atravessar o oceano pra ir filmar a Macau”.

A falta de orçamento é também a justificação apontada por Luís Filipe Rocha, que realizou em Macau “Amor e dedinhos de pé”, baseado no romance homónimo do escritor macaense Henrique de Senna Fernandes, mas em coprodução com Espanha e França.

“Não é simples, implica deslocações longas, estadias, viagens, obtenção de licenças, é complicado montar um produção cinematográfica em Macau”, afirmou, mostrando-se convicto de que aquela região nunca vai ser um polo atraente para o cinema português, ainda para mais com o previsível gradual afastamento dos portugueses, decorrente da transmissão da administração do território de Portugal para a China, que assinala 20 anos na próxima sexta-feira.

João Guerra da Mata tem a mesma convicção, mas acredita que há um futuro de cinema em Macau, porque neste momento há toda uma nova geração de macaenses que estão a fazer filmes em Macau.

“Agora, realizadores portugueses irem filmar para Macau, neste momento, não sei se há grande interesse” e sobretudo para “pessoas que não tenham ligação direta com Macau, este sempre foi um sítio longínquo e que agora pertence à China, pelo que já nem há essa ligação emocional”.

No entanto, o realizador deixa uma nota de otimismo: “eu quero acreditar que o cinema de Macau tem potencial para se desenvolver, se calhar o mais interessante era que fossem coproduções Portugal-Macau, que ambas as comunidades percebessem que têm uma historia comum e pontos de vista diferentes sobre essa historia comum e que essas coproduções iriam dar uma vida e um olhar até mais saudável sobre o território”.