Uma rapariga de 12 anos morreu no fim de semana anterior ao Natal no Hospital Garcia de Orta depois de ter tido alta da urgência da Clínica CUF Almada, onde já tinha sido socorrida por ter desenvolvido dores fortes e febre após ter dado “um jeito nas costas”. O hospital abriu um inquérito interno ao caso, afirmou a CUF ao Público. E retirou a médica das escalas de serviços clínicos.

Segundo os relatos de Alexandra Martinho, a mãe da vítima, a última pediatra que atendeu Leonor terá dito que a criança “não podia estar com tantas dores porque o que tinha tomado era muito forte”, que as queixas não eram mais do que “uma chamada de atenção” e que a menina devia ser consultada por um pedopsiquiatra.

A primeira vez que Leonor foi atendida no hospital foi a 17 de dezembro, conta a mãe no Facebook. No dia anterior, a menina tinha-se queixado de ter dado “um jeito às costas” ao colocar a mochila ao ombro, mas “desdramatizou” porque “tinha sentido apenas uma pontada”: “Ainda foi à aula de dança e ao almoço queixou-se que lhe estava a doer mais. Não tendo aulas à tarde, ficou a descansar”, relata a mãe.

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Nessa quarta-feira, no entanto, “continuava com dores e estava com febre”. Alexandra Martinha levou-a às urgências da CUF do Monte da Caparica, onde a menina foi acudida pela pediatra que a costuma acompanhar: “Observou-a, pediu análises à urina para despiste de infeção urinária e, como estavam com valores normais, medicou-a para um problema muscular que deveria à partida desaparecer em três, no máximo cinco dias”.

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Leonor mostrou melhorias ao longo dos dois dias seguintes — “apesar de passar grande parte do dia deitada, já se levantava e já se conseguia sentar melhor”, conta a mãe —, mas voltou a piorar na noite de sexta-feira, 20 de dezembro, para sábado. “Não dormiu nada porque não arranjava uma posição para se deitar que não lhe doesse. A medicação já não lhe atenuava sequer as dores”, recorda Alexandra.

Por isso, no sábado, 21 de dezembro, Leonor voltou ao hospital, onde lhe foi dada a pulseira laranja — a segunda mais grave. Segundo a mãe da menina, a família foi atendida “por uma pediatra que nem a camisola lhe mandou tirar” e que lhe terá administrado por via intravenosa a medicação que Leonor tinha estado a tomar em casa.

Leonor acabou por adormecer enquanto recebia o tratamento porque “estava exausta”, mas acordou pouco depois “a gritar com dores”. Alexandra relata que um enfermeiro se terá dirigido à menina dizendo-lhe que não podia gritar “porque havia outras pessoas doentes”. Depois, a pediatria chamou à parte a mãe de Leonor, afirma Alexandra: “Disse que a Leonor não podia estar com tantas dores porque o que tinha tomado era muito forte. Suspeitava que a situação fosse uma chamada de atenção porque ela tinha ido a caminhar normalmente para a enfermaria e só quando me viu atrás dela é que tinha começado a gritar”.

A pediatra terá ainda sugerido à mãe que marcasse uma consulta de pedopsiquiatria para a filha: “Mandou-me marcar uma consulta com um pedopsiquiatra porque ela estava na adolescência; e que só nos conhecia há poucas horas, não sabia os problemas que nós tínhamos”. A médica terá sugerido ainda que Alexandra marcasse uma consulta com um ortopedista ou um pediatria. E receitou um emplastro para Leonor colocar nas costas.

Na noite de sábado para domingo, 22 de dezembro, “Leonor não parava com dores, nem sequer com medicação, nem no sofá, nem na cama”: “Tinha 34,7ºC, estava a entrar em hipotermia, quando a fui vestir tinha o corpo com manchas roxas“, descreve a mãe. O INEM levou-a até ao Hospital Garcia de Orta, que descobriu que Leonor “ia hipotensa e com taquicardia”: “O sangue estava normal, não tinha pneumonia, mas a TAC ao tórax acusava o músculo cheio de sangue“, recorda Alexandra. Quando os médicos lhe iam fazer uma TAC ao cérebro, Leonor entrou em paragem cardíaca. Foi reanimada uma vez, mas não resistiu à segunda.

A família aguarda agora o resultado da autópsia, embora os médicos tenham indicado à mãe que “suspeitavam de uma infeção ou de a Leonor estar a perder sangue”. Ao Público, o Hospital Garcia de Orta — que a mãe elogia na mensagem que deixou no Facebook — confirma que “foi admitida uma criança de 12 anos na urgência pediátrica e posteriormente transferida para a Unidade de Cuidados Intensivos Pediátricos e que viria a falecer, poucas horas após admissão”.

Contactada pelo mesmo jornal, a CUF diz lamentar “profundamente” a morte da criança: “Por forma a concluir o inquérito entretanto iniciado, foi ainda decidido não incluir, temporariamente, a médica em questão na escala de serviços clínicos da Clínica CUF Almada, salvaguardando a competência e a experiência de mais de 27 anos que lhe é reconhecida”, responde o grupo José de Mello Saúde, que acrescenta que “deposita nos seus profissionais e nos seus processos a maior confiança”.