A 400 milhões de anos-luz da Terra, nas profundezas da constelação de Serpentário, uma luta de titãs aproxima-se de um fim épico. Duas galáxias estão em rota de colisão e, daqui a entre 10 e 20 milhões de anos, vão fundir-se numa única. NGC 6240, assim se chamará a nova galáxia, transformar-se-á num fértil berço de estrelas. Mas no coração dela, dois buracos negros com a massa de centenas de milhões de sóis vão unir-se e originar um único, gigantesco e supermassivo buraco negro, espalhando ondas gravitacionais pelo universo fora.
Foi neste mundo atribulado que os cientistas do ALMA, um rádio-observatório com 66 antenas no meio do deserto chileno de Atacama, obtiveram a imagem mais detalhada de sempre do gás que está a ser engolido pelos dois buracos negros prestes a fundirem-se. É mais uma página num capítulo que se começou a redigir em abril do ano passado e que revolucionou os campos da astrofísica e da física teórica — a obtenção da primeira imagem da luz a ser engolida por um buraco negro no centro da galáxia M87, a 55 milhões de anos-luz da Terra.
Os buracos negros são corpos celestes infinitamente densos e com uma força gravitacional tão intensa que nada, nem mesmo as partículas de luz, lhe podem escapar. São aquilo a que os físicos chamam singularidades, ou seja, pontos do espaço-tempo — que é como um tecido com quatro dimensões, três espaciais e outra que é o tempo, que compõe o espaço — onde as regras da física que conhecemos se quebram e deixam de funcionar. O Big Bang, o momento em que o universo começou, é uma singularidade. Os buracos negros também.
Esta é a primeira fotografia de sempre de um buraco negro. Einstein estava correto, outra vez
Ora, à volta dessas singularidades há uma fronteira, uma superfície que separa o interior do exterior do buraco negro. Chama-se horizonte dos acontecimentos. Nada que ultrapassar essa fronteira conseguirá escapar à força gravítica do buraco negro. Significa isto que, na fotografia captada em abril do ano passado, o que realmente se vê não é o buraco negro em si — esse é invísivel, já que engole a luz e não a reflete —, mas sim as partículas de luz a cederem à força gravítica da singularidade quando se encontram com o horizonte de acontecimentos.
O que acontece na fotografia que os cientistas divulgaram pela primeira vez esta semana no encontro anual da Sociedade Astronómica Americana é semelhante. Os buracos negros não são visíveis na imagem, mas é possível ver o gás azul e brilhante que os rodeia. É precisamente esse o gás que alimenta os buracos negros, que crescem à medida que engolem a matéria. Nada que não se soubesse antes, é certo, mas esta imagem permitiu descobrir um detalhe que os cientistas desconheciam: em vez de formar uma nuvem rotativa à volta dos buracos negros, este gás vagueia no espaço entre eles. Está “coagulado”.
É isso que explica ao Observador Hugo Messias, membro do ALMA, colaborador do Instituto de Astrofísica e um dos envolvidos no projeto do Event Horizon Telescope que resultou na primeira imagem de um buraco negro. Questionado sobre o que veio esta nova fotografia acrescentar ao que sabemos sobre o que se passa na galáxia NGC 6240, Hugo Messias conta que esta fotografia “permitiu perceber que o gás tem uma distribuição bem mais coagulada do que se pensava antes”. E que “afinal não estamos a ver uma nuvem de gás a rodar de uma forma organizada”.
Antes, julgava-se que “a distribuição era suave e contínua”. Mas, em vez disso, é “clumpy”, decreve Hugo Messias servindo-se de uma palavra em inglês que significa “aos grumos”, “grudado” ou “desajeitado”. Isto é, o gás está contido “em nuvens moleculares” como se fossem “coágulos”. É assim possivelmente porque “a zona central entre os dois buracos negros é resultado da colisão de dois discos, cada um em torno de um dos buracos negros”: “O facto do gás ser mais coagularidade que anteriormente também poderá potencializar a formação estelar”, avança o astrofísico.
Tudo isso precisa de ser confirmado com mais observações. Num comunicado de imprensa sobre o assunto, a investigadora Loreto Barcos-Muñoz comentou que “esta galáxia é tão complexa que nunca poderíamos saber o que está a acontecer dentro dela sem essas imagens de rádio detalhadas”: “Agora temos uma ideia melhor da estrutura tridimensional da galáxia, o que nos dá a oportunidade de entender como as galáxias evoluem durante os últimos estágios de uma fusão em andamento”, acrescentou.
E há mais do que a simples curiosidade a fundamentar este tipo de estudos. É que a Via Láctea também está em rota de colisão com a Andrómeda e, um dia, vão fundir-se numa só galáxia. As duas estão a aproximar-se a um ritmo de 110 quilómetros por segundo ou 396 mil quilómetros por hora — o suficiente para dar a volta à Terra pelo Equador em seis minutos.
Quando isso acontecer, é altamente improvável que as estrelas das duas galáxias colidam, por causa da distância entre os astros. Mas Sagittarus A*, o buraco negro da Via Láctea, e o da Andrómeda também vai colidir, libertando uma energia equivalente à explisão de 100 milhões de supernovas e emitindo por todo o universo as ondas gravitacionais, perturbações que esticam e encolhem o tempo e o espaço tal como Albert Einstein previu com a Relatividade Geral.