A Segurança Social fez um acordo em 2018 com a Câmara de Lisboa que prevê a opção de venda de imóveis por um preço inferior ao valor de mercado identificado nas avaliações pedidas pela vendedora, diz uma auditoria do Tribunal de Contas. O memorando de entendimento que prevê a cedência de 11 imóveis estabelece ainda a carência do pagamento de rendas à Segurança Social durante dois anos, indica a auditoria à gestão do património imobiliário da Segurança Social. É uma receita que não entra e que os juízes comparam a um “subsídio” ao programa de arrendamento acessível promovido pela autarquia.
Esta transação, realizada em junho de 2018, é um dos temas que o Tribunal de Contas destaca na auditoria divulgada esta noite. Em causa está um acordo assinado entre a autarquia liderada por Fernando Medina e pelo Ministério da Segurança Social, quando este era tutelado por Vieira da Silva. Este memorando de entendimento, considera o Tribunal, privilegiou o objetivo de promover uma política de arrendamento acessível na capital, “em detrimento da receita e consequente sustentabilidade da Segurança Social”.
Ao abrigo deste acordo, foram realizados contratos de arrendamento pelo prazo de dez anos, renováveis de forma automática por iguais períodos, com um período de carência de 24 meses. O município ficou com a possibilidade de exercer a opção de compra por cinco anos, mas não foi quantificado o prémio que essa opção deveria representar para a Segurança Social.
E o valor que foi fixado para efeitos de venda à autarquia, de 57,2 milhões de euros, é inferior em cerca de 3,5 milhões de euros ao valor de mercado encontrado nas avaliações realizadas pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social e que apontavam para 60,7 milhões de euros (valor médio). Já as avaliações pedidas pela autarquia indicavam valores mais baixos, da ordem dos 53,8 milhões de euros. Os imóveis em causa estão situados em zonas valorizadas de Lisboa: Alameda Afonso Henriques, Av. Estados Unidos da América, Av. da República, Campo Grande, Rua Rosa Araújo , Av. Manuel da Maia, Av. Visconde de Valmor e Rua de Entrecampos.
Entretanto, e já depois de divulgadas estas conclusões, a Câmara de Lisboa confirmou ao Observador que a opção de compra já tinha sido exercida no ano passado, aos valores previstos, pelo que o benefício pela isenção de pagamento de rendas foi reduzido.
Câmara recusa “especulação imobiliária” com casas para rendas acessíveis
Em contraditório, a Câmara adianta que o critério usado quando existem mais de três avaliações é o da maior diferença relativa para a média aritmética, argumento que não convenceu os juízes. Realça ainda que o intervalo de preço foi definido em função do valor médio das quatro avaliações e considera que não é do interesse público “estar a alimentar a especulação imobiliária num período particularmente crítico quanto aos preços praticados”, quando o objetivo é promover casas de arrendamento acessível
Já o ministro da Segurança Social refere que foram seguidos os normativos da Comissão de Valores de Mercados Imobiliários (CMVM) que passam por adotar o valor médio das quatro avaliações pedidas.
Entretanto, e dada a liquidez obtida com hasta pública de venda dos terrenos da antiga Feira Popular, a assembleia municipal de Lisboa aprovou já a compra destes imóveis em julho deste ano. Quanto mais cedo for exercida a opção, mais vantajosa a operação será para a autarquia que evita o pagamento de rendas quando terminar o período de carência.
A carência no pagamento de rendas que pode durar até dois anos corresponderá a receitas por cobrar de 6,6 milhões de euros até se efetuar a opção de compra, o que para o Tribunal constitui “algo assimilável a um subsídio ao programa de arrendamento acessível do município”. Sobre esta conclusão, o ministério sublinha que o prazo dos 24 meses foi fixado a partir da estimativa do tempo necessário para a realização de obras e salienta que os custos destas são assumidos pela câmara, não sendo dedutíveis nas rendas a cobrar.
É ainda sinalizada a inexistência de estudos prévios, nem análise de custo-benefício mesmo na ótica social, para este acordo.
De acordo com as conclusões da auditoria, a atividade de gestão de património da Segurança Social deu um resultado negativo de meio milhão de euros em 2018 e nos três anos anteriores os custos foram sempre superiores aos proveitos, o que leva o Tribunal a apontar para a “ineficiência desta área de negócio”.
Entre 2016 e 2018, foram vendidos 147 imóveis — 71 no concelho de Lisboa — por 40,8 milhões de euros. Mais de 40% foram alienados por ajuste direto em operações que representaram 28,3% da receita total. Por concurso foram vendidos 50 imóveis, com as receitas obtidas a ascenderem 53% do total. 28 foram alienados por via eletrónica e oito foram alienados ao arrendatário.
A margem das vendas realizadas por ajuste direto foi de apenas 1,7%, muito inferior à obtida nas transações por concurso público que foi de 12% ou por venda eletrónica, 21,6%. A margem é calculada a partir do desvio face ao valor base do procedimento e o valor final da venda.
A auditoria do Tribunal de Contas detetou ainda que em 15 imóveis, alienados através de seis procedimentos de ajuste direto, o valor de venda imediata estaria cerca de 30% abaixo do valor de mercado. Este resultado significou uma perda de receita potencial de 1,1 milhões de euros, o que “apenas se justificaria em situação de necessidade, o que não foi demonstrado”. Em contraditório, o Instituto de Gestão Financeira e da Segurança Social explica que esta opção foi tomada em casos em que tentativas anteriores de venda ficaram desertas, pelo que contraria a tese da existência de perdas potenciais.
Outra das falhas apontadas é a insuficiente divulgação e publicidade dos processos de venda, o que não terá permitido chegar a novos mercados e a mais potenciais interessados. Dos 147 imóveis vendidos no triénio 2016/18, 65, o que corresponde a 44%, foram comprados por 14 entidades e 94% destes procedimentos foi feito por ajuste direto.
O Tribunal alerta ainda que Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social não tem informação sistematizada sobre o valor dos seus imóveis (são mais de 2.500) — um problema aliás transversal ao património público — e só faz avaliações quando quer vender. Outro problema sinalizado é o valor das rendas em dívida de 3,5 milhões de euros, dos quais 3,3 milhões são considerados de cobrança duvidosa.
Atualizado às 16h00 com indicação de que autarquia já exerceu a opção de compra dos 11 imóveis da Segurança Social.