É uma promessa de paz, mas com um “mas” na manga. E um “mas” sob a forma de números: 47% (ou 46,98% para ser mais exato), que é o equivalente a 14.547 votos de militantes do PSD, que são menos 1.873 votos do que os que Rui Rio conquistou. A noite ainda era uma criança e, na sala do hotel Myriad em Lisboa, já se cheirava a derrota. A dúvida que reinava na sala minutos antes de Luís Montenegro discursar, contudo, era a de qual seria o poder dos números: 14.432 votos, menos 1.873 votos do que Rui Rio, seriam o suficiente para Luís Montenegro arrumar as botas? A resposta chegou ao fim de 20 minutos de intervenção: “Não vale a pena anunciarem a minha morte política, creio que essa notícia é manifestamente exagerada“.
Na plateia, aos microfones da TVI, a ex-ministra Teresa Morais já dizia, antes de Montenegro desvendar a sua posição, que não valia a pena pedirem unidade porque o partido continuava dividido ao meio: “Não sou hipócrita”, atirava. Era a primeira pista para o que aí vinha. Luís Montenegro entrou na sala acompanhado da mulher, da ex-ministra das Finanças Maria Luís Albuquerque, de Pedro Alves, diretor de candidatura, e de Margarida Balseiro Lopes, líder da JSD e mandatária nacional da candidatura, e demorou-se no preâmbulo. Entre agradecimentos a todos os que estiveram com ele, a alguns em particular e a todos os militantes no geral, o candidato demorou nada menos do que seis minutos e meio para ir ao ponto: “Aqui não há equívocos ou dúvidas, ele [o “companheiro” Rui Rio] foi o vencedor destas eleições”, disse.
Esse foi o primeiro ponto que Montenegro quis reforçar e sublinhar: “Não ponho em causa de maneira nenhuma os resultados de hoje”. Mas — aí vem o “mas” — “com a legitimidade de representar cerca de 47% dos militantes que se expressaram nestas eleições, devo pedir ao dr. Rui Rio e à nova direção política que sair do congresso que saiba interpretar os resultados eleitorais que o PSD teve no último ano, e que saiba interpretar aquilo que resulta dos que os militantes disseram hoje nas urnas”. O poder dos 47, a conta da sobrevivência.
Luís Montenegro vai baixar as armas, sim, ‘mas’ vai fazer Rui Rio não se esquecer que praticamente metade dos militantes (47%) votaram em si. Por isso pediu a Rio que “interprete” os números e que aja em conformidade. “Paz” e “unidade”, sim, mas cabe ao “líder” dar o primeiro passo nesse sentido. “Todos temos de colaborar para atingir o desiderato de unir o PSD. Mas essa unidade começa na liderança e no líder, por isso desejo que Rui Rio tenha a capacidade de devolver a unidade ao nosso PSD”, afirmou numa intervenção inicial de apenas 12 minutos, a que se seguiu um período de perguntas e respostas aos jornalistas.
A 11 de outubro, no rescaldo das legislativas e do anúncio da sua candidatura contra Rui Rio, Luís Montenegro chegou a sugerir, num grande comício em Espinho, que não voltaria a ser candidato caso perdesse estas eleições: “Este é o meu tempo. O tempo em que me preparei para liderar o meu partido e lhe dar condições de recuperar a sua força, a sua ligação aos portugueses”, disse na altura. Já esta semana, na reta final da campanha, dramatizou o apelo ao voto, num evento em Oeiras, dizendo que esta era a “última oportunidade” para a mudança. A verdade, contudo, é que Luís Montenegro não parece estar pronto para morrer (politicamente).
Volta à condição de “militante de base”, com a “consciência tranquila”, mas Luís Montenegro deixa várias pistas no sentido de que vai andar por aí. “Não tenciono, nos próximos tempos, desempenhar nenhuma função ou cargo mas estarei disponível para os combates que o partido vai travar”, disse, traçando aqui uma linha temporal entre o médio e o longo prazo. Não irá, para já, desempenhar nenhuma função no partido, mas não rejeita que isso não venha a acontecer um dia mais tarde. As legislativas, disse, serão “em princípio” em 2023, sendo que podem ser antes. E a partir daí, a conversa poderá ser outra.
Para já, Montenegro não vai abdicar da sua condição de delegado ao congresso e vai mesmo marcar presença na reunião magna do partido — onde vai falar aos militantes. Depois disso, silêncio. Até quando? Não se sabe. Os 47% ficarão guardados como trunfo na manga.