Ana Gomes acusou este domingo o Banco de Portugal, a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) e a Procuradoria-Geral da República de serem “coniventes” com os esquemas alegadamente fraudulentos da empresária angolana Isabel dos Santos.
Em declarações à SIC Notícias, este domingo, a ex-eurodeputada foi mais longe: apontou o dedo também ao poder político e a escritórios de advogados ligados aos negócios da filha do ex-presidente angolano, José Eduardo dos Santos — que descreve como sendo uma mulher “bonita, esperta e educada”, mas também “uma tremenda ladra do seu próprio povo”.
“Os mesmos que tentavam intimidar-me e dizer que eu era anti-patriótica, a nível político e nos governos, hoje estão muito aflitos e têm boa razão para estar aflitos. E eu tudo farei para que ainda estejam mais aflitos.”
Reagindo à informação divulgada por um consórcio internacional de jornalismo de investigação — que integra o Expresso e a SIC — sobre várias transações suspeitas da empresária, em particular um esquema de ocultação para desviar cerca de 104 milhões de euros da petrolífera estatal Sonangol, a ex-eurodeputada revelou a “cumplicidade” das autoridades portuguesas com esta “roubalheira organizada da cleptocracia que espolia o povo angolano”, refere a Lusa.
Obviamente que as autoridades [portuguesas] não podem continuar não só cegas, mas coniventes, porque é isso que tem acontecido. Sucessivos governos e governantes, alguns, em particular o Banco de Portugal e a CMVM, autoridades políticas e judiciais deveriam ter atuado”, disse Ana Gomes, estendendo as críticas à PGR portuguesa: “Muita desta informação já se sabia, além das minhas denúncias concretas”. As “autoridades portuguesas não podem continuar a ser vistas como cúmplices por omissão”, afirmou Ana Gomes.
Para a ex-eurodeputada, as autoridades portuguesas “decidiram não agir porque isto era sancionado pelo Estado e pelos governos portugueses”, permitindo a entrada em Portugal de “tanto dinheiro desviado do desenvolvimento que merece e tanto precisa o povo angolano”.
“É completamente imoral, a título pessoal ou no quadro de empresas, que portugueses colaborem” na transformação de Portugal numa “lavandaria da criminalidade que rouba Angola”, acrescentou.
Nos “cúmplices ativos” que funcionam como “testas de ferro da senhora Isabel dos Santos”, Ana Gomes destaca o advogado Mário Leite Silva e Jorge Brito Pereira, este último do “escritório de Proença de Carvalho”.
Isabel dos Santos é “bonita, esperta e educada”. “O problema é que é também uma tremenda ladra do seu próprio povo”
No seu comentário semanal na SIC Notícias, a ex-eurodeputada começou por comentar um tweet de Isabel dos Santos, onde refere que “George Soros é acionista da Unitel via PTV, e deu dinheiro a Rafael Marques , que “partilhou” o gozo do dinheiro com Ana Gomes”. A ex-eurodeputada garantiu que a afirmação é “falsa” e desprovida de “fundamento”. “Se a senhora Isabel dos Santos não estiver presa entretanto, eu terei muito gosto em acionar um processo contra ela pelo que ali diz.”
George Soros é acionista da Unitel via PTV, e deu dinheiro a Rafael Márques , que “partilhou” o gozo do dinheiro com Ana Gomes .
— Isabel Dos Santos (@isabelaangola) January 19, 2020
Ainda assim, Ana Gomes disse não estar espantada com as afirmações da empresária angolana e que isto só mostra o “nível rasteiro a que esta gente chega”. Acrescentou que chegou a conhecer a empresária quando era “miúda” e descreveu-a como sendo uma mulher “bonita, esperta e educada”. “O problema é que é também uma tremenda ladra do seu próprio povo.”
De acordo com a socialista, “o que está em causa são muito mais do que os 115 milhões” de dólares de que Isabel dos Santos está acusada de desviar da Sonangol. “São os cerca de dois mil milhões de dólares, em que está avaliada a sua fortuna“, afirmou Ana Gomes, acrescentando que “não é só ela, é uma empresa familiar” em que estão envolvidos o seu marido, Sindika Dokolo, e o seu pai, o ex-Chefe de Estado angolano, José Eduardo dos Santos.
Ela teve todo o respaldo do pai, porque, no fundo, estava a trabalhar para o próprio pai.”
A ex-eurodeputada falou ainda dos mais de 700 mil documentos que estão na base da investigação do Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação, revelando que há mais casos ligados a Isabel dos Santos.
Ana Gomes disse ainda estar “preocupada e triste” por ver Portugal e o nome de “tantos portugueses”, desde advogados, a contabilistas e políticos, envolvidos neste escândalo.
Vemos o nome de Portugal por todo o mundo e [o nome de] muitos portugueses a serem apresentados como cúmplices por ação e omissão da cleptocracia angolana“, afirmou a socialista, acrescentando que o Banco de Portugal tem uma “particular responsabilidade” e que o seu presidente, Carlos Costa, “já se devia ter demitido”.
Para a ex-eurodeputada, o Governo angolano devia assumir “a titularidade” das participações da filha de José Eduardo dos Santos em empresas portugueses, uma vez que resultam do “desvio do erário público angolano”. E considera que há muitos portugueses “que não podem alegar que não sabiam” do que se passava e que “devem estar muito aflitos”.
“Ajudarei no que puder todos aqueles que queiram recuperar ativos e punir aqueles que são responsáveis“, disse Ana Gomes. “Isto também é corrupção aqui. (…) Os mesmos que tentavam intimidar-me e dizer que eu era anti-patriótica, hoje suponho que estão muito aflitos e têm boa razão para estar aflitos. E eu tudo farei para que ainda estejam mais aflitos.”
Durante a investigação divulgada foram identificadas mais de 400 empresas (e respetivas subsidiárias) a que Isabel dos Santos esteve ligada nas últimas três décadas, incluindo 155 sociedades portuguesas e 99 angolanas. As informações recolhidas detalham, por exemplo, um esquema de ocultação montado por Isabel dos Santos na petrolífera estatal angolana Sonangol, que lhe terá permitido desviar 115 milhões de dólares (cerca de 104 milhões de euros) para o Dubai.
Os dados divulgados indicam quatro portugueses alegadamente envolvidos diretamente nos esquemas financeiros: Paula Oliveira (administradora não-executiva da Nos e diretora de uma empresa offshore no Dubai), Mário Leite da Silva (CEO da Fidequity, empresa com sede em Lisboa detida por Isabel dos Santos e o seu marido), o advogado Jorge Brito Pereira e Sarju Raikundalia (administrador financeiro da Sonangol).
A antiga eurodeputada tem feito queixas à justiça portuguesa visando operações financeiras de Isabel dos Santos, estando a mais recente a ser investigada pelo Departamento Central de Investigação e Ação Penal, confirmou à Lusa fonte da Procuradoria portuguesa.
Em causa estão os processos sobre a compra da empresa portuguesa Efacec, transferências feitas para o Dubai por parte da Sonangol, e a origem dos fundos para pagar a bancos de direito português relacionados com a joalharia suíça De Grisogno, adquirida com o marido, Sindika Dokolo.
No caso da empresa portuguesa, em causa está a origem dos fundos utilizados na aquisição, com fundos de Malta, com ligações à Empresa Nacional de Distribuição de Eletricidade (ENDE) de Angola. As transferências da Sonangol, que foi administrada pela empresária, são também objeto de investigações em Angola.