Donald Trump terá dito ao seu conselheiro de segurança nacional que iria manter o bloqueio à ajuda militar atribuída pelos norte-americanos à Ucrânia (no valor de 391 milhões de dólares) enquanto as autoridades ucranianas não anunciassem publicamente investigações ao ex-vice-presidente Joe Biden e ao seu filho, Hunter Biden.

A revelação — surgida esta segunda-feira no manuscrito de um livro que o ex-conselheiro de segurança nacional dos EUA, John Bolton, pretende publicar em breve e que foi obtido pelo jornal norte-americano The New York Timespode representar um ponto de viragem no julgamento de impeachment que visa o Presidente dos Estados Unidos, precisamente por causa dos contactos entre os EUA e a Ucrânia no âmbito das investigações aos Bidens.

Em dezembro, Trump foi formalmente acusado pela Câmara dos Representantes (onde os democratas têm a maioria) de abuso de poder e de obstrução do Congresso. O julgamento decorre agora no Senado, câmara alta do Parlamento norte-americano. Nesta câmara, são os republicanos que têm a maioria, o que deixa antever que Donald Trump acabará absolvido.

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Em causa está a alegada insistência de Donald Trump junto do Presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelenski, para que anunciasse publicamente uma investigação aos negócios de Hunter Biden (filho de Joe Biden, um dos principais candidatos democratas à Presidência dos EUA este ano) naquele país — designadamente à empresa energética Burisma, de cujo conselho de administração Biden fazia parte.

Donald Trump terá usado, de acordo com os democratas, duas vantagens para fazer pressão sobre a Ucrânia: em primeiro lugar, bloqueando o apoio militar fornecido pelos EUA aos ucranianos para o desbloquear apenas quando Zelenski anunciasse as investigações; em segundo lugar, condicionando a realização de uma reunião entre os dois presidentes na Casa Branca (que seria útil para consolidar a legitimidade interna do recém-eleito Zelenski) ao anúncio das investigações.

Os democratas têm insistido na intimação do ex-conselheiro de segurança nacional de Trump, John Bolton, para que seja ouvido como testemunha e possa revelar os factos de que tem conhecimento direto perante os senadores — mas os republicanos bloquearam todas as tentativas por parte da bancada democrata de convocar novas testemunhas durante a primeira fase do julgamento. John Bolton já se mostrou disponível para testemunhar caso seja intimado pelo Senado, mas até agora os republicanos têm resistido aos vários apelos vindos do lado democrata para que Bolton seja chamado.

O manuscrito agora revelado indica parte daquilo que seria expectável ouvir da boca de John Bolton no julgamento — e que contradiz uma parte significativa dos argumentos da defesa de Donald Trump. Os advogados do Presidente dos EUA têm argumentado que não existiu nenhum quid pro quo (troca por troca) nos contactos entre os dois presidentes. Ou seja, o agendamento de uma reunião e o desbloqueio do financiamento ao apoio militar nunca estiveram dependentes da investigação aos Bidens.

John Bolton enviou uma versão do manuscrito à Casa Branca, como é habitual entre os funcionários de topo da administração norte-americana que escrevem livros, uma vez que é necessário confirmar que o manuscrito não contém nenhuma informação confidencial que possa comprometer a segurança nacional.

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De acordo com o The New York Times, que cita o conteúdo do manuscrito de John Bolton, o Presidente Donald Trump terá dito especificamente ao conselheiro de segurança nacional que continuaria a manter a ajuda militar à Ucrânia bloqueada enquanto o Presidente Zelenski não anunciasse as investigações. No livro, Bolton conta como o caso da Ucrânia se desenrolou ao longo de vários meses e como nele estiveram envolvidas várias figuras do estado norte-americano que publicamente têm negado qualquer pressão sobre a Ucrânia — incluindo o secretário de Estado Mike Pompeo e o chefe de gabinete de Trump, Mick Mulvaney.

O Presidente dos EUA já reagiu a esta revelação através do Twitter, negando a informação. “Eu NUNCA disse ao John Bolton que a ajuda à Ucrânia estava ligada a investigações aos democratas, incluindo aos Bidens. De facto, ele nunca se queixou disto na altura da sua muito pública saída. Se John Bolton disse isto, foi apenas para vender um livro. Dito isto, as transcrições das minhas chamadas com o Presidente Zelenski são todas as provas necessárias, além do facto de o Presidente Zelenski e o ministro dos Negócios Estrangeiros da Ucrânia já terem dito que não houve pressão nem problemas.”

A revelação já levou muitos democratas a insistir na ideia de chamar John Bolton a testemunhar no Senado. Adam Schiff, o congressista democrata que lidera a equipa de acusação no julgamento, afirmou à CNN que as notas tomadas por Bolton na altura dos factos são ainda mais importantes do que o próprio rascunho do livro. “Por isso, devemos não só ter John Bolton a testemunhar, mas também ver o que ele escreveu nas suas notas nessa altura“, afirmou Schiff.

Do lado republicano, começa a abrir-se a possibilidade de Bolton ser chamado ao Senado. O senador Mitt Romney, que tem sido o único republicano a defender abertamente uma audição de Bolton, afirmou esta segunda-feira à imprensa norte-americana que a probabilidade de mais republicanos se juntarem ao grupo que pretende ouvir Bolton aumentou com a publicação da notícia. “Penso que é cada vez mais provável que outros republicanos se juntem ao grupo dos que pensamos que é necessário ouvir John Bolton“, disse Romney.