O Estado pagou mais de 60 milhões de euros no ano passado por encargos relacionados com o Banco Português de Negócios (BPN) que foi vendido em 2012 ao EuroBic, onde Isabel dos Santos ainda é a maior acionista. O Ministério das Finanças esclareceu ao Observador que este valor vem de dois processos e resulta “das obrigações assumidas no acordo quadro de compra e venda do BPN”. E para 2020, a proposta orçamental conta com uma almofada de mais de 50 milhões de euros para regularizar outras contas pendentes com EuroBic.
A maior parte do valor que foi pago no ano passado ficará no próprio Estado, já que o reconhecimento de 40,3 milhões de euros resulta de um processo de execução fiscal instaurado pela Autoridade Tributária relativo à liquidação do imposto sobre os lucros dos anos de 2008 a 2010. Mas na fatura do Estado pesaram também decisões desfavoráveis de tribunais arbitrais que foram nomeados para gerir os conflitos gerados entre o comprador, o EuroBic, e o vendedor, o Estado. Estas decisões custaram no ano passado cerca de 19,6 milhões de euros, adianta o Ministério das Finanças, sem no entanto esclarecer que questões concretas foram avaliadas nestas decisões.
Para 2020, a proposta de Orçamento do Estado tem inscritos mais 55 milhões de euros de despesa relacionada com encargos decorrentes da execução do contrato de compra e venda do banco, adianta fonte oficial das Finanças ao Observador.
Quais? Não diz, refere apenas que se trata de o “valor máximo estimado para cumprir decisões arbitrais em análise, bem como outras sentenças de execução do contrato”. O valor corresponde ao montante de papel comercial emitido pela Sociedade Lusa de Negócios (SLN), a antiga dona do BPN, que foi vendido aos balcões do banco a centenas de clientes e que terá vencido. O Observador sabe que o EuroBic recusa a responsabilidade por esses reembolsos, tendo aconselhando os clientes a apresentaram ações contra o Estado. O Observador enviou várias perguntas ao banco liderado por Teixeira dos Santos, mas não obteve esclarecimentos.
Na resposta enviada ao Observaor, as Finanças afastam o conceito de “comissões” devidas pela reprivatização do BPN, expressão usada no parecer da Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) para sinalizar estas verbas que os técnicos do Parlamento não conseguiram perceber se deviam tratar como despesa recorrente ou temporária.
Para além do reconhecimento destes encargos, o EuroBic também devolveu créditos de alto risco e há mais processos a correr em tribunal arbitral e na justiça que podem engrossar ainda mais conta.
O BPN foi nacionalizado em outubro de 2008, era ministro das Finanças Teixeira dos Santos que hoje é presidente do EuroBic, e esteve sob a gestão da Caixa Geral de Depósitos até ser vendido em 2012, em contra-relógio por imposição da troika. O comprador foi o BIC, um banco onde Américo Amorim e Isabel dos Santos eram os dois principais acionistas. O empresário português entretanto vendeu e a empresária angolana e o luso-angolano Fernando Teles reforçaram na instituição que está envolvida em operações suspeitas reveladas no quadro do Luanda Leaks.
Mas afinal que contenciosos estão em causa? Em 2014, o então presidente Fernando Teles dava conta da decisão de comprador e do vendedor de avançarem para uma comissão arbitral para resolver assuntos pendentes, em relação aos quais ainda não tinham chegado a acordo. Entre os diferendos, o gestor (que é também um dos maiores acionistas com 37,5%) destacava eventuais créditos de partes relacionadas, os antigos acionistas do Banco Português de Negócios, que estavam em incumprimento, bem como responsabilidades por cobrir no fundo de pensões. Inicialmente, estava previsto que o BIC ficasse com 750 colaboradores e acabou por ficar com mais de 1000.
Tribunal de Contas considerou acordo desequilibrado em desfavor do Estado
Não há informação pública disponível sobre este tribunal arbitral, nem sobre as suas decisões. Tanto quanto o Observador conseguiu saber já terá havido pelo menos duas decisões, e numa delas – que foi desfavorável – o Estado recorreu, mas há situações que já reconheceu a obrigação de pagar. E estes não são os únicos números que podem desequilibrar ainda mais a conta a assumir pelo Estado, apenas no quadro da venda do antigo BPN.
O acordo quadro assinado no Governo de Passos Coelho previa a possibilidade de o comprador devolver créditos ou outras operações que estivessem associadas aos antigos acionistas e que fossem geradoras de perdas. Decisões desfavoráveis em processos judiciais com encargos para o banco também seriam devolvidos ao Estado, bem como outros custos. O prazo para o EuroBic reivindicar algumas dessas faturas terminou em 2017.
O parecer da conta geral do Estado de 2018, divulgado no final do ano passado, revela um aumento substancial do número — de 250 para 335 — e do montante — de 51,8 milhões de euros para 71,2 milhões de euros — dos créditos associados ao acordo quadro assinado com o BIC. São quase mais 20 milhões de euros de empréstimos ou exposições de risco elevado que passaram para a esfera pública, podendo vir a representar perdas futuras.
É difícil encontrar uma conta atualizada de quanto o Estado já pagou ao EuroBic desde a alienação do BPN e de quanto poder ainda vir a pagar. O Tribunal de Contas tem estado particularmente atento às implicações financeiras para o Estado não só da nacionalização do BPN, mas também da venda.
No parecer à conta geral do Estado de 2016, o Tribunal apontava para despesas de 27,5 milhões de euros para o Estado que resultaram “quase totalmente (…) do reembolso ao Banco BIC de despesas em que o banco incorreu resultante de litígios contra o BPN”. Além de 600 mil euros de honorários de advogados, esse valor resultava de rescisões de trabalhadores, do encerramento da agências, de depósitos não competitivos, de garantias do BPN a terceiros e ainda de outras responsabilidades, tudo definido no acordo de venda.
Um dos temas era o reembolso de 700 mil euros de obrigações perpétuas do BPN emitidas em 2008 e que o EuroBic foi condenado em ações judiciais a reembolsar, mas que por força do acordo quadro assinado com o Estado este teve de compensar ao comprador, o que conduziu à seguinte conclusão:
“O Tribunal não pode deixar de constatar que, mesmo numa situação em que o BIC não sofre qualquer dano patrimonial (porque é o emitente destas obrigações), o acordo quadro impõe ao Estado a obrigação de o reembolsar, pelo neste ponto o referido acordo é bastante desequilibrado, em desfavor do erário público”.
A conta entre o deve e haver pode não ser num só sentido, isto porque a Parvalorem, empresa pública que ficou com a herança dos ativos do ex-BPN, avançou com uma ação judicial em 2016 contra o EuroBic em que reclama atrasos por parte do banco na transferência de créditos e de montantes devidos à sociedade. Segundo a descrição feita no relatório e contas de 2018, estes atrasos “tiveram por objetivo pressionar a Parvalorem a pagar quantias não previstas nos contratos, nomeadamente uma comissão de gestão de 1% ao ano sobre o capital em dívida”.
De acordo com o Tribunal de Contas, as ajudas públicas concedidas no quadro da nacionalização e venda do BPN atingiu no final de 2018 4.924 milhões de euros.
Ajudas do Estado à banca custaram mais de 18 mil milhões na última década