Calebe Motta, Rúben Pereira, Carlos Pinto e Aquiles Dias criaram um videojogo no qual o jogador não tem super-poderes, não pode roubar carros ou anda a saltar em cima de tartarugas para salvar uma princesa. Em “Back Then”, assumimos o papel de um idoso com Azheilmer, que mora num lar. Em vez de se matar um vilão, tem de se descobrir a si próprio. Esta ideia fez com que os quatro portugueses da Outriders & RP Studios fossem os vencedores do prémio “Melhor Jogo” do PlayStation Talents de 2019. Com isso, levaram para casa 10 mil euros e vão ter o apoio, e escritórios, da PlayStation para lançar o jogo nas consolas PS4.

Foi com lágrimas nos olhos que Rúben Pereira, o game designer (quem está encarregue pela conceção do jogo) recebeu o prémio juntamente com os três amigos. Minutos depois de receber a o galardão azul, o jovem de 22 anos disse ao Observador: “Os jogos não são só tiros, os jogos também podem ter essência”, relembrando o impacto que a sua “bisavó Laurinda” e os familiares com Alzheimer de todos os membros da equipa tiveram para a criação deste videojogo vencedor.

“Back Then”, o jogo que pode agora chegar à PlayStation com 10 mil euros

Como explica Rúben, o jogo divide-se em duas partes. “Uma é a parte do presente, em que se está numa cadeira de rodas, tem-se Alzheimer, e está-se num lar. E outra, no passado, em que vemos o deterioramento da personagem em si, como a família lida com ele, várias interações, vários caso de como tudo se vai sucedendo”. No fim, segundo diz o game designer, o que procuram não é dinheiro, “é que o jogador acabe o jogo e fique a pensar no assunto”.

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Com os 10 mil euros que receberam dos PlayStation Talents 2019 vêm também mais regalias. “Agora que ganhámos os prémios já temos um sítio para trabalhar todos juntos, o que é incrivelmente importante. Até agora estava a minha equipa toda em Lisboa e eu no Entrocamento”, afirma Rúben comovidamente. Além disso, o apoio de marketing “vai ser incrível”, assume o game designer. Este foi o primeiro investimento que a Outriders & RP Studios recebeu.

[Um trailer inicial do jogo vencedor]

A edição de Playstation Talents  2019 decorreu esta quarta-feira em Lisboa, no espaço Suspenso. O vencedor da categoria “Melhor Jogo” deste concurso, além de ter o videojogo que quer desenvolver publicado e disponível para “106 milhões de consolas em todo o mundo”, recebe 10 mil de euros em dinheiro para o desenvolvimento. Com isto, vem também um espaço físico em Lisboa para trabalharem no projeto durante 10 meses. A PlayStation promete ainda ajudar também na promoção e marketing do videojogo “nos canais PlayStation”.

“A parte mais estranha [do Alzheimer] é que as pessoas, antes de as perdermos, elas perdem-se a elas próprias”

Rúben Pereira, além de game designer, é o relações públicas de uma equipa em que “todos são CEO’s [presidentes executivos]”, conta Aquiles Dias, responsável também pela parte do videojogo da Outriders & RP Studios e que também trabalha no estúdio português Marmalade Game Studios.

Sobre o papel de cada um na equipa, Aquiles explica que “apesar de todos fazerem game design, ele [o Rúben] é o principal nisso”. Depois, “o Calebe faz a maior parte da história e faz a música”, já o Carlos “faz 3D”. O que é o 3D? “Texturas e isso”, explica Aquiles trocando o termo por miúdos. No final, apesar de serem “um pequeno grupo”, têm todos “um clima de igualdade”.

Por ser o relações públicas e o principal game designer, é a história de Rúben que mais sobressai para contar como surgiu a ideia para fazer o videojogo vencedor. O jovem de 22 anos começou a programar com apenas 13 anos. “Foi uma pergunta muito aleatória que fiz ao meu pai”, diz. “Olha, pai, como é que se fazem jogos?”. O pai encolheu o ombros e deu uma resposta curta, mas prática: “Vai ao Google”. Agora, Rúben diz: “Foi a melhor decisão da minha vida”.

Sempre joguei jogos a vida toda e o meu pai foi-me acompanhando basicamente o tempo todo e foi-me dando exemplos. Os jogos não são só tiros, os jogos também podem ter essência”, conta Rúben Pereira.

Rúben é do Entrocamento — “2330 a representar”, diz orgulhosamente após dizer de onde é — e foi na escola secundária da cidade que acabou o primeiro de videojogo completo. “Acabei o meu primeiro projeto com 19 anos, foi o meu projeto de aptidão profissional no curso de técnico, gestão e programação de sistemas informáticos”, conta. Em 2017, chegou a publicar esse jogo no Steam, a maior plataforma digital de venda de videojogos. Contudo, percebeu que sozinho não ia mais longe.

Só mais tarde, na escola ETIC, é que conheceu Calebe, Aquiles e Carlos. Foi aí que tiraram o curso de animação em videojogos e “tudo começou”, como refere Aquiles. O “Back Then” começou por surgir numa gamejam [é como uma jam session, mas em vez de se criar músicas no momento, cria-se videojogos], mas na altura não era sobre Alzheimer.

Todos os vencedores da quinta edição dos PlayStation Talents

“O projeto começou por ser sobre o abandono de idosos” e, inicialmente, era para ser “sobre paralisia do sono”. Depois, viram que tinham todos uma coisa em comum, como explica Rúben: “Percebemos que todos tínhamos família com Alzheimer. Achámos peculiar e pensámos porque não fazer um jogo sobre isso?”

Com casos próximos na família desta doença, todos sentem que o projeto lhes é próximo. “A parte mais estranha é que as pessoas, antes de as perdermos, elas perdem-se a elas próprias. É uma doença como mais nenhuma”, desabafa Aquiles. O sentimento estava lá nessa gamejam, mas havia uma pergunta mais difícil, conta Rúben: “Ok, como é que vamos fazer um jogo sobre Alzheimer?”. Começaram a programar, desenhar e criar o jogo. O resto levou-os a esta vitória.

O que trará a PlayStation 5 para os prémios PlayStation Talents? Primeiro, ainda é preciso confirmação de próxima edição do evento

Os prémios PlayStation Talents começaram em Portugal em 2015. Desde então, já se candidataram mais de 200 projetos portugueses. O jogo vencedor da primeira edição, Strikers Edge, foi lançado em janeiro de 2018 para PS4 e PC.

“Fazemos o melhor que podemos para melhorar o estúdios em Portugal”, afirma sobre o evento ao Observador Liliana Laporte, a portuguesa que está aos comandos da PlayStation na Península Ibérica, no Mediterrâneo, no Adriático e nos Balcãs (16 países ao todo). Segundo Laporte, o objetivo é que os SIE Worldwide Studios, um grupo de reconhecidas produtoras de videojogos detidas pela Sony — como a Naughty Dog ou a Insomniac Games — um dia passem a ter também um estúdio português.

Para a responsável da empresa de videojogos detida pela Sony, “o menos importante disto tudo é o prémio monetário. Os kits Playstation é o grande prémio”, diz. Estes kits, que têm custos avultados, são cedidos pela empresa a estas produtoras vencedoras para desenvolverem os jogos.

Com a PlayStation 5 no horizonte, a consola que vai substituir a PlayStation 4 mas que ainda não tem data oficial de lançamento (espera-se que seja este ano), o futuro dos prémios PlayStation Talents está envolto em segredo. “Estamos focados nesta edição”, diz Liliana Laporte. Sobre o que poderá reservar uma futura edição, ou sequer se vai haver uma, a responsável da empresa de videojogos não avança comentários e não adianta mais informações.

Agora que já foi anunciada, tudo o que se sabe sobre a PlayStation 5

Além do prémio de melhor jogo, houve outras categorias premiadas, como “Jogo mais Inovador”, “Melhor Jogo Infantil” e “Melhor Jogo de Competição Online”. Este ano juntaram-se “categorias especiais”, como o “Games for Good”, também ganho pela Outriders & RP Studios, que foi atribuído em parceria com o evento criado e organizado pelo IADE que pretende distinguir a responsabilidade social nos videojogos. Além disso, houve ainda outra novidade a categoria “Melhor Narrativa”.

Todos os nomeados e os vencendores da quinta edição dos PlayStation Talets por categoria:

Prémio Imprensa
Outriders & RP Studios com Back Then
Protolith com Blattaria
Team Chronos com Chronos
Biga Forti com Prism Seekers (vencedor)

Melhor Jogo Infantil
Not a Game Studio com Controller King (vencedor)
AstralShift com Little Goody Two Shoes
ImaginationOverflow com Oirbo
Biga Forti com Prism Seekers

Melhor Arte
Protolith com Blattaria (vencedor)
Team Chronos com Chronos
AstralShift com Little Goody Two Shoes
Biga Forti com Prism Seekers

Jogo Mais Inovador
Outriders & RP Studios com Back Then
Team Chronos com Chronos (vencedor)
Not a Game Studio com Controller King
Massive Galaxy Studios com FTW: For the Warp

Nomeados para Melhor Utilização das Plataformas PlayStation
Lewk Inc. com Closer to Me;
Not a Game Studio com Controller King;
Otter Space Studio com Lost Transmission;
Biga Forti com Prism Seekers (vencedor);

Melhor Narrativa
Outriders & RP Studios com Back Then;
Team Chronos com Chronos;
Lewk Inc. com Closer to Me;
AstralShift com Little Goody Two Shoes (vencedor);

Prémio Especial Games for Good
Outriders & RP Studios com Back Then (vencedor);

Melhor Jogo de 2019
Outriders & RP Studios com Back Then (vencedor);
Team Chronos com Chronos;
Massive Galaxy Studios com FTW: For the Warp;
Biga Forti com Prism Seekers;