O governo brasileiro quer atrasar a idade média com que os jovens brasileiros iniciam a atividade sexual e vai lançar uma campanha em fevereiro para promover a abstinência e diminuir a gravidez precoce.
Os meninos começam a ter relações sexuais no Brasil, em média, com 12 anos, e as meninas com 13. O código penal brasileiro diz que é considerada violação a relação sexual com menores de 14. Como eles têm sexo com 12 e 13 anos, alguém vai ter de alterar o código penal para ajustar as idades, o que, de certa forma, levaria a uma alteração na legislação criminal, praticamente autorizando a pedofilia”, disse, em entrevista à Lusa, a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos (MMFDH) do Brasil, Damares Alves.
“Precisam mesmo de ter sexo com 12 anos? Uma menina de 12 anos está com o corpo pronto para ser possuída duas ou três vezes por semana?” – questionou a ministra, acrescentando que pretende também levar a cabo uma conversa sobre “biologia e anatomia”.
Damares Alves falou com a Lusa em Brasília, capital do país, onde defendeu que, apesar do seu ministério ser umas das pastas com menor orçamento, irá lutar para atrasar a iniciação sexual dos adolescentes e, consequentemente, diminuir o índice de gravidez precoce no país, que, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), encontra-se acima da média latino-americana.
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“Queremos conversar sobre retardar o início da prática sexual. Atualmente, temos uma campanha que é ‘faça sexo, mas previna-se. Mas, queremos dizer agora aos jovens que podem também optar por não fazer sexo. Existe uma pressão social para as meninas iniciarem as práticas sexuais muito cedo, existe até ‘bulling’ contra as virgens. Então, vamos conversar que não ‘ficar’ [ter relações sexuais] é fixe, que não é ‘careta’, é só isso que queremos”, frisou Damares.
Além da questão da gravidez na adolescência — que tem no Brasil uma taxa de 62 jovens gestantes a cada mil, segundo dados das Nações Unidas —, a governante mostra-se preocupada com outros fatores, como doenças sexualmente transmissíveis, enfermidades biológicas, depressão, e a toma “excessiva” de pílulas do dia seguinte.
Preocupa-me o facto de os jovens terem relações sexuais numa noite e, na manhã seguinte, bem cedinho, a menina ir tomar, sem controlo e em excesso no Brasil, a pílula do dia seguinte, que devia ser usada uma vez na vida, em casos extremos”, indicou Damares, que é também pastora evangélica.
Nos números difundidos por Damares não constam, porém, as gravidezes na adolescência fruto de violações sexuais, abusos que a própria ministra já admitiu ter sofrido em criança por parte de dois pastores religiosos. De acordo com dados do Ministério da Saúde, entre 2011 e 2016, o Brasil registou 4.262 casos de violações a crianças e adolescentes que resultaram em gestações e nascimentos naquele período. A campanha que Damares e a sua equipa estão a desenvolver, e que será integrada no “Plano Nacional de Prevenção ao Risco Sexual Precoce”, a ser lançado este mês de fevereiro, com a parceria da pasta da Saúde, tem causado bastante polémica no país, especialmente por especialistas, que veem riscos na sua proposta.
Entre as organizações que opuseram à campanha do MMFDH está a Rede Feminista de Ginecologistas e Obstetras, que emitiu um comunicado frisando que “pregar a abstinência, e deixar de fornecer informação adequada sobre saúde reprodutiva e sexual, não fará com que os adolescentes deixem de fazer sexo”.
Evidências científicas e não estratégias, dizem os opositores da medida
“Políticas públicas de Estado devem-se basear em evidências científicas e não em estratégias que já se demonstrou serem inefetivas e que estão a ser propostas com nítidos valores morais e religiosos, não representando as melhores práticas em saúde sexual reprodutiva. As consequências podem ser nefastas para toda uma geração de adolescentes”, indicou a organização em comunicado.
Damares Alves revelou que, desde que assumiu a pasta, em janeiro de 2019, tem sofrido ataques constantes, quer dos opositores do Governo, quer da imprensa. Contudo, o último motivo que a levou a ser manchete de jornais foi mesmo a campanha a favor da abstinência sexual juvenil.
“Todos os dias recebo inúmeros ataques. Hoje, se você abrir o jornal, eu sou a pessoas mais atacada. Tudo o que eu faço é questionado, vira polémica, e é atacado de todos os lados. (…) Quando eu propus essa conversa, fui atacada de que quero impor no Brasil uma conduta moral religiosa. Não é. Estou a falar de saúde pública”, defendeu a governante.
Damares não nega que o atual Governo, liderado pelo Presidente Jair Bolsonaro, seja um executivo cristão e conservador. Porém, sublinha que quem elegeu a atual gestão sabia das propostas que seriam avançadas. “Somos contra o aborto, somos contra a ideologia de género, contra sexo precoce, somos mais conservadores e, estamos aqui, para atender a população que nos conduziu a este momento, para governar o Brasil”, indicou a pastora evangélica.
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Apesar de este ser um Governo assumidamente cristão, e da bancada evangélica ser um dos grandes suportes de Jair Bolsonaro, a ministra garante que a liberdade religiosa está garantida no Brasil, como em nenhum outro momento na história do país. Nos últimos meses têm sido notícia no Brasil os vários ataques perpetrados contra templos de religiões afro-brasileiras, associados a gangues evangélicos.
Confrontada pela Lusa com essa possibilidade, Damares diz que se trata de “mentiras”, e que os ataques contra templos de religiões como umbanda e candomblé são efetuados pelo “crime organizado”, garantindo que ela própria é vítima de preconceito religioso.
“A maioria dos ataques acontece no Rio de Janeiro, e pelo crime organizado, e nós estamos a enfrentar esse problema. Ainda existe preconceito em relação à expressão da fé, sim, e eu sou o maior exemplo disso. Muito dos ataques que sofro é por não admitirem que uma pastora seja ministra dos Direitos Humanos. (…) Temos um departamento neste Ministério responsável só pela garantia da liberdade religiosa”, disse.
Na entrevista à agência Lusa, Damares Alves abordou ainda a relação que pretende desenvolver com os países lusófonos, afirmando que está em conversa constante os Ministérios responsáveis por questões femininas e de Direitos Humanos. “O Brasil sempre teve um papel muito ativo na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). Tenho-me encontrado com essas ministras de Mulheres da CPLP, e a nossa pasta está em inteiro processo de cooperação técnica. A CPLP está no coração deste Ministério, e vamos continuar essa relação que tem sido boa para todos, para Portugal, para os países africanos e para o Brasil. Nós acreditamos muito nesse agrupamento porque, afinal de contas, o mundo também fala português”, concluiu a ministra.