George Steiner, pensador, crítico, ensaísta e escritor, morreu esta segunda-feira, na sua casa em Cambridge (Reino Unido), aos 90 anos. Foi crítico literário em publicações como a New Yorker e o Times Literary Supplement, deu aulas na Universidade de Genebra e em Harvard, fez investigação em Oxford, mas George Steiner foi muito mais do que um académico especialista em literatura comparada — foi um dos maiores pensadores contemporâneos, cujas obras abordaram o papel da linguagem, o poder moral da cultura e a História moderna, com particular relevo sobre o Holocausto e a Europa no pós-II Guerra Mundial.

Do ensaio à poesia, passando pela ficção, a produção literária de Steiner foi sempre marcada por aquilo que o próprio definiu como “uma paixão profunda pelas Escrituras, pelos Clássicos, pela poesia e pela metafísica”.

George Steiner nasceu em Paris em 1929, criado numa família de judeus com origens na Áustria, como recorda o New York Times. Em 1940, em plena II Guerra Mundial, a família fugiu para os Estados Unidos e George ingressou no Liceu Francês de Nova Iorque. Em 1944, naturalizou-se cidadão norte-americano.

Licenciou-se na Universidade de Chicago, apenas um ano depois de ter entrado. Dois anos depois, concluiria o seu mestrado em Harvard e daí seguiria para a conceituada Balliol College, da Universidade de Oxford. A primeira versão da sua tese de doutoramento em Literatura Inglesa, contudo, seria rejeitada, segundo conta o New York Times. A tese final, intitulada A Morte da Tragédia, acabaria por ser concluída em 1955.

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Profissionalmente, Steiner entrou no The Economist em 1952, onde escreveu durante quatro anos. Concluído o seu doutoramento em Oxford, tornou-se investigador em Princeton e depois em Cambridge. Pelo meio, deu aulas em Genebra, Nova Iorque e na Universidade de Harvard e tornou-se investigador emérito em Cambridge.

Ao mesmo tempo, produziu centenas de obras literárias, passando pelo ensaio, pela poesia e pela crítica, mas também pela ficção. Foi o caso da sua novela O Transporte para San Cristobal de A.H. (ed. Gradiva) que provocou polémica pelo tema: um futuro ficcionado em que Adolf Hitler não teria morrido e que aproveita a oportunidade para justificar o genocídio dos judeus.

A relação de George Steiner com as suas origens foi um dos tópicos de tensão ao longo da sua vida, que fez com que fosse criticado por muitos — que não abafaram os outros tantos que muito o admiravam, como António Lobo Antunes. Steiner nunca foi crente e, como relembra a Associated Press, sempre definiu o facto de a sua família ter escapado ao nazismo como obra da “sorte”. Admirador das várias figuras de relevo do cânone judaico, Steiner sempre defendeu, no entanto, que a pátria comum dos judeus é, como resumiu o Haaretz, “o livro e não o solo”, levando-o por isso a criticar o sionismo.

[Um encontro em 2014 com o amigo e escritor português António Lobo Antunes]

As obras A Linguagem e o Silêncio, Tolstoi ou Dostoievski, Depois de Babel ou A Ideia de Europa (todas publicadas em Portugal pela Gradiva) ilustram bem os temas que sempre interessaram a Steiner e sobre os quais refletiu e escreveu de tal forma que viria a ser homenageado com a Legião de Honra em França, a entrada na Academia Americana de Artes e Letras e o prémio de carreira Truman Capote. “Podemos dizer qualquer coisa, nada nos amordaça, nada nos choca quando alguém diz as coisas mais monstruosas”, sentenciou o próprio numa entrevista sobre o tema que o apaixonou toda a vida. “A linguagem é infinitamente servil e a linguagem — e este é que é o mistério — não tem limites éticos.”