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"Pipa de massa" procura-se. A nova proposta para o orçamento da União Europeia em cinco pontos

Este artigo tem mais de 4 anos

Presidente do Conselho Europeu fez uma proposta quase tão má como a finlandesa, à qual somou um pequeno "bombom" de 7,5 mil milhões. Michel ignorou amigos de Beja e Costa arrasou proposta do belga.

António Costa considera a proposta de Charles Michel injusta e desadequada para Portugal
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António Costa considera a proposta de Charles Michel injusta e desadequada para Portugal

ARIS OIKONOMOU/EPA

António Costa considera a proposta de Charles Michel injusta e desadequada para Portugal

ARIS OIKONOMOU/EPA

Charles Michel divulgou os pontos principais da sua proposta para o orçamento da União Europeia no dia 14 de fevereiro, mas como dizia um diplomata citado pelo jornal Politico, foi um “dia dos namorados sem direito a prendas“. Na verdade houve um pequeno “bombom”, no valor de 7,5 mil milhões de euros, que significa um ligeiro aumento relativamente à proposta finlandesa, mas só para o Fundo de Transição Energética. Se a proposta de Michel era até aqui como uma caixa de chocolates (que ninguém sabia o que lá encontrar) tornou-se claro que a posição do presidente do Conselho vai implicar cortes. E que a coesão não vai escapar. Baixam assim as expectativas para um acordo no dia 20 de fevereiro, dia em que os chefes de Governo se reúnem para debater o assunto. António Costa já criticou a proposta que mostra que Michel deu pouca importância ao que foi decidido em Beja, no encontro promovido pelo primeiro-ministro português.

Portugal, como muitos outros países que beneficiam mais de fundos comunitários, corre o risco de ver os seus fundos cortados. Aquilo que Durão Barroso classificou em 2014 como “uma pipa de massa” pode perder tamanho nos próximos sete anos. O Portugal 2030 corre o risco de ter menos dinheiro que o Portugal 2020.

Percebendo a crispação, a presidência da União Europeia e a Comissão apelaram esta segunda-feira para cedências dos Estados-membros. O comissário europeu com a pasta do Orçamento, Johannes Hahn, alertou que este “é tempo de convergência em vez de divergência, por isso espero que os Estados-membros […] atuem na defesa dos cidadãos e das empresas europeias, o que significa terem um papel construtivo e de cedência”. Já a presidência da UE, representada pela secretária de Estado dos Assuntos Europeus da Croácia, Andreja Metelko-Zgombic, tentou apaziguar os ânimos ao considerar que “todos os Estados-membros estão interessados em chegar a um compromisso de grande qualidade, que tenha em conta o espaço temporal.”

Uma proposta (quase) tão má como a finlandesa

As negociações para o próximo orçamento da União Europeia (no jargão comunitário, Quadro Financeiro Plurianual 2021-2027) não estavam fáceis e o novo presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, decidiu chamar a si o processo. A presidência finlandesa (rotativa) da UE tinha recebido críticas da maioria dos Estados-membros e, por isso, Michel começou a desenhar uma proposta e convocou um Conselho Europeu extraordinário para 20 de fevereiro (já na próxima quinta-feira).

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No final de janeiro, fontes da comissão tinham expectativa de que Michel teria algo de novo (e melhor) para apresentar e que era por isso que tinha convocado o Conselho Europeu para 20 de fevereiro. O diretor-geral do Orçamento, Gert Jan Koopman, dramatizava e, num encontro com jornalistas portugueses, onde também esteve o Observador, alertava para o risco de se começar 2021 sem orçamento: “Nunca estivemos tão atrasados“.

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Do lado do Parlamento, havia a perspetiva de uma melhoria face à proposta finlandesa que tinha sido alvo de críticas generalizadas, desde os Estados-membros ao Parlamento, tendo também pouco apoio junto da Comissão. Mas não foi isso que aconteceu. À exceção de um “bombom” (mais 7,5 mil milhões de euros para o Fundo de Transição Justa) a proposta tem o mesmo valor global da presidência finlandesa: sobe ligeiramente de 1,07 para 1,074.

A proposta da Comissão (acima da proposta de Michel) previa cortes de 10% na política de coesão e 15% na agricultura face ao anterior quadro (2014-2020). Agora, tendo em conta simulações feitas pelos serviços do Parlamento Europeu, a proposta do presidente do Conselho ainda agrava mais os cortes na coesão: diminui em mais dois pontos percentuais, para cerca de 12% de cortes na coesão face ao quadro anterior. Na agricultura melhora ligeiramente face à proposta da comissão (o corte é de apenas 14%), mas é muito inferior à posição do Parlamento Europeu.

O envelope global (“bolo” total do orçamento) proposto por Charles Michel equivale a 1094 mil milhões de euros a preços correntes, o que é ligeiramente superior aos 1087 mil milhões da proposta finlandesa. O aumento registado é apenas resultado do dinheiro para o Fundo de Transição Justa.

O que pensa e o que pode fazer Costa?

A força de Beja não chegou a Bruxelas. António Costa — que se assumiu como uma espécie de líder informal dos países da coesão — já tinha sido muito crítico da presidência finlandesa e agora volta a criticar a proposta de Charles Michel. O primeiro-ministro português diz que a proposta “não é boa, não corresponde às necessidades da Europa” nem “aquilo que é a necessidade de preservar a política de coesão”.

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António Costa já antevê que o envelope para Portugal (aquilo que será aplicado no Portugal 2030) será inferior ao anterior quadro e, por isso, diz que esta proposta significa um financiamento que não é “adequado e justo” para o país. Depois dos esforços de Lisboa, Costa espera que seja possível “prosseguir uma trajetória de recuperação” e aí “os fundos comunitários têm um papel absolutamente essencial”.

O próprio António Costa propõe que os países contribuam com 1,16% do Rendimento Nacional Bruto, uma proposta que fica a meio caminhos entre os 1,3% da posição do Parlamento Europeu e os 1,1 propostos pela comissão. Porquê 1,16%? Porque é o valor de quanto os países têm de dar para suprir a saída do Reino Unido. Para se ter uma ideia, na primeira proposta da Comissão Europeia — apresentada em maio de 2018 — Portugal perdia 7% nos fundos de coesão. Ora, se os cortes ainda forem maiores na coesão, a probabilidade de Portugal perder ainda mais é superior.

António Costa pode sempre votar contra o Orçamento da União Europeia. O mesmo só pode ser aprovado por unanimidade no Conselho Europeu. Ou seja: basta um Estado-membro votar contra para o orçamento não passar no órgão que reúne os chefes de governo dos países que fazem parte da UE. Embora aqui a lógica seja diferente e aos 28 interesse, desde logo, garantir um ponto: o melhor envelope nacional possível.

A eurodeputada socialista Margarida Marques afirmou ao Observador que acredita que o primeiro-ministro se vai empenhar no Conselho Europeu em “conseguir bom orçamento para a União Europeia”, já que isso significa um “bom envelope financeiro para Portugal”. António Costa está plenamente alinhado com o Parlamento Europeu e, após um encontro que teve a 5 de fevereiro como presidente David Sassoli, ambos disseram estar “em sintonia” relativamente ao orçamento comunitário.

António Costa com o presidente do Parlamento Europeu, o socialista David Sassoli, a 5 de fevereiro

STEPHANIE LECOCQ/EPA

Costa irá também já esta terça-feira, após o debate quinzenal, ouvir novamente os partidos sobre a posição a tomar no próximo Conselho Europeu. Na última vez, Costa conseguiu uma quase unanimidade, com todos os deputados (exceto o deputado da Iniciativa Liberal) a secundarem o primeiro-ministro na exigência de mais fundos.

Parlamento Europeu unido ameaça chumbar proposta

O Parlamento Europeu está unido contra a proposta de Charles Michel e logo no dia 13 de fevereiro, os líderes da quatro maiores bancadas do Parlamento Europeu enviaram uma carta ao presidente do Conselho Europeu a dizer que “o Parlamento está unido e firme na sua posição”.  Numa carta assinada por Manfred Weber (presidente do grupo do PPE), Iratxe García Pérez (S&D), Dacian Cioloș, (ReNew Europe) e Ska Keller e Philippe Lamberts (co-presidentes dos Verdes), os eurodeputados deixam claro que não vão aceitar “um mau acordo devido à pressão do tempo“. O Parlamento exigia ainda “a intensificação imediata das negociações interinstitucionais sobre o Quadro Financeiro Plurianual e os recursos próprios“.

O Parlamento Europeu tem seis negociadores para o orçamento da União Europeia e dois deles são portugueses: José Manuel Fernandes (do PSD e do Partido Popular Europeu) e Margarida Marques (do PS e dos Socialistas e Democratas). José Manuel Fernandes afirmou ao Observador que “quem disse que a proposta finlandesa era má, não pode dizer que esta proposta é boa“. O eurodeputado admite que, mesmo que o Conselho Europeu chegue a acordo, o Parlamento pode chumbar o orçamento (que tem de ser aprovado por unanimidade no Conselho Europeu e maioria no Parlamento Europeu). Objetivo: conseguir valores mais próximos da posição do Parlamento Europeu (que propõe que cada país contribua com 1,3% do Rendimento Nacional Bruto). Quanto a Portugal, José Manuel Fernandes considera que António Costa não se pode escudar no Parlamento e tem a obrigação de votar contra a proposta de Michel se considerar que esta é má para o país.

A eurodeputada Margarida Marques também admite a possibilidade do Parlamento Europeu chumbar a proposta, mas diz que se irá “procurar a todo o custo evitar isso”. Além de criticar a proposta pouco ambiciosa do presidente do Conselho, Margarida Marques destaca pontos positivos da proposta como o facto de “dar passos a nível da flexibilidade que é dada aos países”, como por exemplo na “transferência de uma linha orçamental para outras”. Tal como José Manuel Fernandes, Margarida Marques elogia o facto de existirem avanços nos chamados “recursos próprios” — receita do orçamento que não vem diretamente dos Estados-membros, mas de taxas diretas. A eurodeputada socialista diz que a proposta de Michel já começou a “listar as fontes de financiamento complementares”, como a chamada “taxa dos plásticos”.

Cortes gerais. Michel pouco amigo da coesão (e não só)

Os amigos da Coesão, que Costa liderou num encontro em Beja, fizeram uma série de exigências que, para já, Charles Michel parece ter fingido não ouvir. Desde logo, os amigos da coesão defenderam o fim os “rebates” — compensação dada aos contribuintes líquidos da União Europeia para que recebam pelo menos tanto como pagaram. O exemplo mais claro disto era o chamado “cheque britânico”, a compensação dada ao Reino Unido por aquilo que contribuía. O Reino Unido saiu, mas os “rebates continuam”.

António Costa na cimeira dos "Amigos da Coesão"

NUNO VEIGA/EPA

A proposta de Michel diz que “as correções de montante fixo reduzirão a contribuição anual baseada no Rendimento Nacional Bruto da Dinamarca, Alemanha, Holanda, Áustria e Suécia”. O presidente do Conselho Europeu diz que “progressivamente” os rebates devem ir diminuindo, mas não propõe o fim destes, como exigia o grupo de Beja.

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Outra exigência dos amigos da coesão era, precisamente, que a política de coesão não tivesse cortes. Ora, a proposta de Michel prevê apenas 323 mil milhões de euros para a política de coesão, contra 367,7 mil milhões do quadro financeiro 2014-2020. A confirmarem-se estes cortes, Portugal perderá sempre fundos comunitários. A proposta é neste ponto igual à da presidência finlandesa, com uma diferença: há mais flexibilidade, por exemplo, na transferência de fundos das regiões mais ricas para as regiões mais pobres.

Alguém falou em Estado de Direito?

Um dos objetivos de vários Estados-membros passava por introduzir salvaguardas no Orçamento comunitário para utilizar o dinheiro dos fundos como arma contra abusos do Estado de Direito. Ou seja: fazer depender o benefício de fundos do estrito cumprimento dos princípios do Estado de Direito.

É verdade que o plano de Michel inclui uma proposta para indexar o financiamento comunitário aos valores do Estado de direito, mas, como destaca o Politico, torna muito difícil o uso deste instrumento como forma de pressão. Escreve Michel que “a Comissão irá propor medidas adequadas e proporcionadas que deverão ser aprovadas pelo Conselho por maioria qualificada”. É precisamente a maioria qualificada que torna difícil o uso deste instrumento (tendo em conta as geometrias existentes e acordos entre Estados, como é exemplo o grupo de Visegrado).

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