Droga. Violência. Assaltos. São os temas do dia. Todos os dias. No Largo do Calhariz, na Bica ou em Santa Catarina. Quem ali vive, idosos na sua maioria, sabe que a partir do meio-dia não é seguro andar na rua. É o que faz Catarina Teixeira. “Não arrisco a vida”, diz. Mudou a rotina desde que um vizinho, também ele idoso, foi agredido violentamente por um traficante, em plena do luz do dia, enquanto passeava com a neta, por se mostrar indignado com tráfico de droga mesmo à porta da sua casa. A história deixou marcas entre os moradores. “Só vou ao supermercado ou aos correios quando os drogados estão a dormir. Para não ter problemas. Mas faz-me pena passar por ali e ver a rua toda suja”, conta.
“As pessoas vivem desesperadas”, confirma a presidente da junta de freguesia da Misericórdia, Carla Madeira, a quem residentes e comerciantes vão expondo o ambiente de insegurança e sujidade que se vive na zona. Já lá vão quase cinco anos. “Na Rua Marechal Saldanha, por exemplo, quem ali mora é vítima de um tráfico que se faz à vista de todos. E estamos a falar de tráfico verdadeiro, de venda de haxixe e cocaína“, diz.
Os problemas terão surgido com a entrada em funcionamento das câmaras de videovigilância do Bairro Alto, em 2014, o que poderá ter “empurrado” os dealers e a criminalidade para a zona da Bica, do Miradouro de Santa Catarina, do Largo do Calhariz ou do Cais do Sodré. E por ali ficaram, apesar dos esforços da PSP que, familiarizada com a situação, já reforçou o patrulhamento e investiu nos agentes à paisana, ou da Câmara Municipal de Lisboa (CML), que se comprometeu a assumir o valor da instalação de um sistema de videovigilância semelhante ao do Bairro Alto.
A garantia foi dada pelo próprio presidente da CML, Fernando Medina, numa reunião com moradores e residentes da junta de freguesia da Misericórdia, a propósito do novo projeto para a Baixa Chiado, e que teve como pano de fundo a questão da insegurança. “Só falta o OK do Ministério da Administração Interna e da Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD)“, assumiu o autarca, perante uma sala cheia. A notícia traz alguma tranquilidade aos residentes e a quem ali trabalha, que assumem que a solução para o problema esteja “quase” a chegar. Só que não está. “Não há data para a instalação das câmaras. É de lamentar, mas não lhe consigo dar essa informação”, assume a presidente da junta. A Comissão de Proteção de Dados também não tem conhecimento. Questionada pelo Observador sobre o tema, a CNPD admite “não ter qualquer pedido de parecer do Ministério da Administração Interna quanto a videovigilância nessa zona, pelo que nada está pendente”, acrescentando, ainda, que “quem pode autorizar as câmaras de vigilância na via pública, ao abrigo da Lei 1/2005, é o Secretário de Estado Adjunto e da Administração Interna, após parecer da CNPD”.
Em resposta às questões colocadas pelo Observador, o Ministério da Administração Interna (MAI) apenas confirma que a zona do Largo do Calhariz está contemplada no “processo de instalação de sistema de videovigilância a instalar na cidade de Lisboa” mas não avança com datas ou sequer prazos. “Esse sistema está em preparação pela PSP e será oportunamente submetido ao Secretário de Estado Adjunto e da Administração Interna, a quem compete autorizar”. A autorização, refere o MAI, será ainda “precedida de parecer da Comissão Nacional de Proteção de Dados”.
E enquanto o dossier da videovigilância na zona da Misericórdia é analisado em gabinetes ministeriais e passa de secretária em secretária, no terreno, as forças de segurança da PSP e da Polícia Municipal trabalham sem essa mais-valia. Paulo Rodrigues, Presidente da direção da Associação Sindical dos Profissionais da Polícia, lamenta a falta de meios dos agentes de segurança, e reconhece que “o método de policiamento que temos continua a ser o de há dez anos”. O que não faz sentido quando se está perante uma “criminalidade com este grau de organização” e que exige processos de investigação criminal. No entanto, relativiza a importância que a videovigilância tem hoje nas sociedades porque, mais importante do que colocar algumas câmaras em zonas estratégicas (que apenas vão “empurrar” a criminalidade para outras freguesias que não tenham), “é mais importante pensar numa solução para toda a cidade”. “O policiamento de proximidade, em algumas zonas, é mais eficaz do que o patrulhamento com viaturas. Mas isso requer um número de efetivos superior, e que neste momento não há”, diz ainda. Apesar de, em 2019, um estudo da consultora Mercer ter colocado a capital lisboeta como a 31º cidade mais segura do mundo, Paulo Rodrigues reconhece as forças de segurança têm cada vez mais dificuldade em responder de forma célere ao volume de ocorrências em Lisboa, em especial roubos a turistas, violência em zonas noturnas ou trafico de droga.