Há uma possibilidade de a aproximação da primavera e do verão poder atenuar o alastramento do novo coronavírus e desacelerar o surto, explicaram especialistas em infecciologia ao Observador. A chegada das temperaturas mais elevadas pode diminuir a capacidade de sobrevivência e de propagação do COVID-19. Mas não há certezas porque ainda se sabe pouco sobre ele.
https://observador.pt/2020/02/26/coronavirus-brasil-confirma-primeiro-caso-falta-apurar-17-o-caso-suspeito-em-portugal/
Em declarações ao Observador, Ricardo Parreira, professor no Instituto de Higiene e Medicina Tropical, ressalva que não há “absolutamente nada” na literatura científica que indique como é que o novo coronavírus se vai comportar com a entrada na primavera. Para ele, qualquer previsão sobre o assunto pode ser considerada “futurologia”.
Embora seja geneticamente semelhante ao vírus na origem do surto de síndrome respiratória aguda grave em 2003, o COVID-19 é uma “incógnita” que tem fugido às previsões iniciais dos cientistas: “Algumas coisas que aprendemos com o SARS não estão a funcionar neste coronavírus”, alerta o especialista. Por exemplo, ao contrário do que se julgava inicialmente, não são apenas as pessoas com sintomas da doença que a podem passar a outras.
Há, no entanto, alguns vírus que sofrem alterações físicas e químicas quando expostos a variações de temperatura e a níveis baixos de humidade. O novo coronavírus tem um invólucro — isto é, uma espécie de capa semelhante às membranas que envolvem as células — que o tornam mais sensíveis a alterações de temperatura e a ambientes mais secos, descreveu ao Observador a infecciologista Ana Horta, do Instituto de Higiene e Medicina Tropical.
Os invólucros dos vírus são feitos de proteínas e lípidos. Segundo a especialista, embora este novo coronavírus pareça mais resistente do que outros vírus por ter mais proteínas no invólucro, continua a ser “pouco estável” e sensível a temperaturas mais altas e atmosferas menos húmidas. Desse ponto de vista, o novo coronavírus pode reagir mal à chegada das temperaturas estivais ao hemisfério norte. E o surto pode desacelerar.
Isso mesmo confirma Jaime Nina, médico no Hospital Egas Moniz e professor no Instituto de Higiene e Medicina Tropical. Num intervalo entre as análises que tem feito a alunos de Erasmus vindos da Itália — até agora, todas deram negativo, garante — Jaime Nina realça que “ainda não se sabe se o novo coronavírus é sazonal, exatamente por ser novo”.
No entanto, os coronavírus tendem a ser sensíveis ao calor e à falta de humidade: “Se os fervermos ou pelo menos submetermos a temperaturas entre os 60ºC e os 65ºC durante algum tempo, eles morrem. Também prosperam melhor quando não há humidade, por isso dão-se mal com a humidade. E isso torna-os mais sensíveis aos nossos verões e ao clima mediterrânico”, descreveu o médico.
Outro aspeto que pode contribuir para a atenuação do surto com a chegada da primavera não tem nada a ver com o vírus, mas sim com as pessoas: “É possível que o surto atenue, não por causa do vírus mas porque as pessoas estão mais afastadas, estão mais ao ar livre e menos próximas umas das outras. Como deixamos de estar fechados no mesmo sítio, há menos capacidade de propagação através das partículas expelidas pela tosse ou espirros”, explicou Ana Horta ao Observador.
É por isso que, com algumas exceções, “as infeções respiratórias são mais frequentes no inverno”. E “nada tem a ver com o agente, mas sim com o hospedeiro”, prossegue o professor de infecciologia: “No inverno temos mais tosse, há muita gente alérgica ao frio, constipamo-nos com facilidade por causa da chuva e da roupa. Se olharmos para as estatísticas mensais, o número de mortes em janeiro pode chegar a ser o dobro do registado em julho ou agosto”.
Numa altura em que o surto de coronavírus está a tornar-se pandémico, todos os especialistas insistem que não há certezas do que vai acontecer a seguir, nem se a primavera vai ser suficiente para travar o problema. O motivo é simples: “Nunca vimos nada próximo a isto. E até há diferenças comparando com o SARS”, recorda Ricardo Parreira. E Jaime Nina acrescenta: “O que é difícil não é prevenir o vírus. É mantê-lo vivo em laboratório para que possa ser estudado”.