Apesar de ter chegado a falar do juiz Carlos Alexandre ou da ex-Procuradora-Geral da República, Joana Marques Vidal, para André Ventura, só ele próprio é que tem o perfil certo para provocar uma segunda volta com o atual chefe de Estado. O mote, pelo menos, está dado: “Não vou ser como a Marisa Matias ou o Tino de Rans. Vou à corrida presidencial para obrigar Marcelo Rebelo de Sousa a falar de Tancos ou do BES. E mostrar aos portugueses que é uma pessoa que fala demais, mas não resolve nada, não nos serve. Só dá para tirar selfies com ele”, disse ao Observador, horas antes de oficializar a sua candidatura à presidência da República, em Portalegre, durante um jantar de gala.

Sem surpresas, o candidato presidencial André Ventura promete não deixar nada por dizer. É aqui que o deputado se confunde com o candidato a Belém. O que é propositado. O deputado que disse em plenário que se estava “nas tintas para a Constituição”, é o mesmo que, como candidato, quer “levar até aos limites os poderes presidenciais”, como o veto ou o poder de dissolver a Assembleia da República, a maior arma do arsenal do chefe de Estado. Uma estratégia (para já, apenas retórica) para se afirmar como o candidato “antissistema”, que diz as “verdades inconvenientes”. É o que diz no vídeo em que anuncia a candidatura: “Marcelo Rebelo de Sousa é a face deste sistema, nasceu neste sistema, cresceu com este sistema e defende este sistema. Nós somos precisamente o oposto”.

E as “verdades” de Ventura parecem estar a ganhar lastro. A última sondagem Intercampus previu que o partido, que teve apenas 1,29% dos votos em outubro, teria agora 6,9%. Portalegre foi a cidade alentejana em que o Chega teve a maior percentagem de votos nas eleições legislativas. De acordo com o deputado, isso explica-se porque quem ali ainda vive, na capital de distrito com menos população em Portugal, e onde há menos poder compra e serviços de saúde, sente que foi “abandonado” e que o “Estado lhe virou as costas”. Mas é a cerca de 300 quilómetros de Portalegre, nos subúrbios de Lisboa, que está a principal base eleitoral do partido. Os dados obtidos nas legislativas de 2019 mostram que no distrito de Lisboa, o Chega teve cerca de um terço dos mais de 66 mil votos obtidos a nível nacional. A votação mais expressiva aconteceu nos concelhos de Sintra, Lisboa e Loures.

Sob o lema “Mudar Portugal”, é nos cidadãos descontentes com o sistema político e partidário em geral, e insatisfeitos com o discurso “politicamente correto” em particular, que a campanha presidencial de Ventura se vai centrar. E até já tem um plano traçado. “Vou tentar percorrer todo o país. Fazer comícios para as pessoas me conhecerem melhor. É muito compensador”.

Uma estratégia que há quem compare à de Donald Trump, em 2016. A comparação não intimida o candidato: “Falo assim no dia-a-dia. Estou a ser autêntico. E quando os eleitores percebem isso, não nos falham no dia das eleições”. Ainda assim, Ventura admite o risco de os eleitores mais moderados se afastarem do Chega quando o discurso do deputado se radicaliza ou são reveladas ligações dos militantes à extrema direita. “Até aos 10%, há um eleitorado que fica indiferente a essas histórias. A partir daí, é que essa ligação nos pode prejudicar”.

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