Foi jogadora de andebol, terminou o curso de medicina, mas o coração esteve sempre ligado ao mar. Inês Catarino, 32 anos, cresceu em Maceira, mas quando os pais passavam naquele quiosque antes de seguir para a praia, na Nazaré, já era hábito levar a revista de surf para devorar na toalha.
Desde sempre, o bodyboard, e desde sempre também a entrega ao andebol até chegar à seleção cuja competição lhe deixava pouco tempo para as ondas, o lugar onde gostava verdadeiramente de estar. “Entrei em Medicina com o estatuto de alta competição, mas acabei o curso e senti que não tinha vocação para ser médica”, confessa ao Observador. E não soube logo, por esses dias, que unir o surf ao gosto pela costura seria mais do que um acaso feliz.
A mãe e a avó ensinaram-lhe o básico da linha e da agulha e Inês fazia algumas coisas para si, nos tempos livres de mar flat. Um amigo perguntou-lhe se não faria uma capa para a prancha de longboard diferente do que se via pelas lojas. Lançou mãos à obra, coseu restos de tecidos e “até que correu bem, ficou gira”. O gosto ficou e apeteceu-lhe fazer mais. “Foi um pulo até os amigos começarem a pedir capas para as pranchas”, revela.
A medicina ficou para trás, desistiu da especialidade e tirou um ano sabático com uma viagem à Austrália, onde aproveitou para tirar cursos de instrutora de surf, e até por lá ia pegando na agulha para fazer coisas para os amigos. “Queriam cortinas para as caravanas e eu lá ia treinando a agulha”. Novo acaso se dá quando estava a fazer a mala de regresso a Portugal, e se lembrou de embrulhar o computador portátil no fato de surf. “Pensei que ia seguro assim e de repente lembrei-me que poderia usar fatos velhos para fazer (também) bolsas para computadores”, conta Inês.
Traz ideias novas no regresso a casa e decide criar a Flahica, uma marca de aproveitamento de tecidos e de fatos de surf estragados para fazer principalmente os sacos das pranchas mas também outras bolsas para computadores, ipads, telemóveis, malas, mochilas para crianças, e até chinelos e pantufas. “As pantufas são mais difíceis de coser à mão, tenho uma agulha muito grossa e um dedal grande”. Também elas são feitas em neoprene do desperdício dos fatos. “Preocupa-me que nós, surfistas, que estamos tão ligados ao mar e à natureza, utilizamos materiais altamente poluentes, é o meu contributo para tornar o surf mais sustentável”, diz a professora.
Não é a máquina Singer da avó “daquelas antigas a pedal”, que trouxe para o atelier de Peniche, onde mora e dá aulas de surf, mas sim a da mãe. Quando não está a dar aulas de surf, é lá que costura as capas das pranchas e onde dá forma aos muitos pedidos que lhe chegam via Instagram na página da Flahica. “As pessoas mandam mensagem e abro as portas do atelier, adoro customizar as peças e fazer o que os clientes me pedem, saber as suas histórias”.
Além dos muitos fatos de surf usados – “comecei por receber os do Surf Lodge de Peniche, onde comecei a dar as aulas, mas já há muitos surfistas locais que me vêm entregar os seus” – a matéria-prima estende-se também aos armazéns Cambraia, em Leiria, onde “apanha” retalhos e restos de ótima qualidade. “Às vezes, só me apetece é fazer roupas para mim, os tecidos são antiquíssimos e lindos!”, diz.
Também é parceira da Circular Wear, a rede de troca de roupa para combater o desperdício da indústria de moda. “Há roupas que já não dão para trocar e eu uso-as nas minhas criações”, explica.
Para si, escolhe o baú antigo da mãe e é lá que encontra verdadeiras relíquias. Não lhe interessa comprar roupa. “Há tanta coisa que podemos modificar e voltar a usar, e, na verdade, eu acabo por criar peças únicas para cada pessoa e dar uma nova vida a materiais que pareciam esquecidos e prontos para ir para o lixo”. Todas as peças são feitas com fibras naturais, tecido vintage reciclado, neoprene reutilizado e alguns botões de madeira artesanais. Ah, e com muito amor, pede para dizer Inês.
Espreite a Flahica e procure pelas capas para pranchas (a partir de 85 euros), bolsas para telemóveis (35 euros), ou para portáteis (45 euros).