A palavra já não basta. Depois do que se passou na última sexta-feira, em que o Parlamento chumbou a eleição dos nomes indicados pelo PS para os lugares vagos de dois juízes do Tribunal Constitucional (Vitalino Canas e Clemente Lima) e para o lugar também por ocupar do presidente do Conselho Económico e Social (Correia de Campos), o PS não vai agora a correr apresentar novos nomes sob pena de a “humilhação” se repetir. O Observador sabe que o tema foi abordado na reunião da bancada parlamentar do PS esta quinta-feira, com Ana Catarina Mendes a deixar claro que, desta vez, não vai sujeitar mais nome nenhum a votação sem que o PSD dê “publicamente” garantias de que está disposto a acolher os nomes sugeridos.
O problema está aí: o PS diz que Rui Rio garantiu que os nomes teriam o acolhimento genérico do PSD, apesar de o voto ser secreto, mas o PSD diz que o PS não negociou nome nenhum com o PSD. A verdade há de estar algures no meio. Fonte da direção da bancada socialista garante ao Observador que houve conversas entre a líder parlamentar Ana Catarina Mendes e Rui Rio — “não uma nem duas, mas várias” –, e, na reunião desta manhã com os deputados, Ana Catarina Mendes ainda acrescentou que não só houve conversas dela própria com Rui Rio como também do próprio António Costa com o líder do PSD.
Ou seja, de acordo com o PS, conversas houve e, segundo fonte da direção parlamentar socialista, Rui Rio terá confirmado “várias vezes” os nomes, tendo apenas mostrado que tinha mais dificuldades em pôr os seus deputados a votar o nome do ex-porta-voz do partido durante os tempos de José Sócrates, Vitalino Canas. Em todo o caso, terá dado o ‘ok’ com o argumento de que “estava em causa a credibilidade das instituições”.
Tudo chumbado. Parlamento chumba Vitalino Canas para o TC e Correia de Campos para o CES
Mas o voto é secreto e as garantias são sempre limitadas. Ao Observador, a direção da bancada social-democrata mantém o que tinha dito no dia da votação: “Não houve negociações”. E um deputado acrescenta ainda outro dado: Rui Rio não procurou convencer os deputados do PSD a votar a favor daqueles nomes sugeridos pelo PS, nem invocou o argumento do “normal funcionamento das instituições” como tinha feito, por exemplo, por ocasião da reeleição de Ferro Rodrigues para a presidência da Assembleia da República. “Não tivemos nenhuma reunião da bancada parlamentar para ele nos dizer isso, nem sequer nos disse que ele próprio ia votar a favor”, comenta um deputado com o Observador, lembrando que a última reunião dos deputados com Rui Rio tinha sido a propósito do tema da despenalização da eutanásia.
Nomes não são negociáveis
Portanto, negociações não houve, mas com isso até os socialistas concordam. Uma vez que os dois novos juízes do TC deverão preencher os lugares deixados vagos por Cláudio Monteiro e Clara Sottomayor, nomeados em 2016 pelo PS e pelo Bloco de Esquerda, continuava a caber aos socialistas, e não à direita, nomear estes dois juízes. O mesmo para o presidente do Conselho Económico e Social: a regra não escrita diz que, se o Provedor de Justiça cabe ao partido que está na oposição, o presidente do CES cabe ao partido que está no governo — portanto, aí também não há negociação possível, cabendo ao PS indicar o nome para substituir Correia de Campos (que já disse que, depois do chumbo, não volta a concorrer). E cabe ao PSD dizer se, à partida, os nomes são viáveis ou se devem ser logo descartados.
Resultado: o PS não voltará a apresentar novos nomes na praça pública sem antes ter uma garantia pública do PSD de que os nomes são considerados viáveis. A votação é em urna, através de voto secreto, e para a aprovação é preciso maioria qualificada de dois terços. Ou seja, é sempre preciso os votos do PS e do PSD.
Na sequência do chumbo, Vitalino Canas não descartou a hipótese de se sujeitar a uma segunda tentativa, mas a mesma expectativa não é transversal à bancada do PS (que, aliás, não alinhou toda nos votos favoráveis aos nomes indicados pelo próprio partido). Em declarações à Lusa, no dia da votação, o ex-secretário de Estado disse que ainda não tinha tomado nenhuma decisão sobre a recandidatura, enquanto Ana Catarina Mendes disse que teria de voltar a falar com os envolvidos antes de decidir se insistia ou não nos mesmos nomes. Correia de Campos, ao fim de duas negas, já se pôs fora, por “razões pessoais”, mas Vitalino Canas ainda mantém a esperança. “A maior parte das pessoas entendeu que o meu currículo académico e de investigação era adequado”, disse à Lusa, reconhecendo que os problemas que os deputados tinham com a sua nomeação eram “de natureza política” e eram esses que teriam que ser “ponderados”.
Ao que o Observador apurou, contudo, não há muita margem para o PS insistir num nome que tem chumbo garantido. Para já, a ordem é para deixar a poeira assentar. “Mas também não pode durar muito”, diz uma fonte socialista, sugerindo que o impasse no TC não pode prolongar-se por muito mais tempo e lembrando que o nome de António Clemente Lima deverá ser para manter, já que se acredita que esse só foi chumbado por ir agregado, em lista conjunta, ao nome de Vitalino Canas.