O médico e professor catedrático Jorge Torgal, que esta quarta-feira deu a cara pela decisão que saiu da reunião do Conselho Nacional de Saúde Pública em não recomendar o encerramento de escolas, desvalorizou há duas semanas a gravidade do coronavírus, numa entrevista que deu ao Jornal de Notícias.

Questionado sobre o evoluir do surto em Portugal, o professor da Universidade Nova dizia que o pânico instalado era “completamente desproporcional à realidade” e que o coronavírus “é menos perigoso que o vírus da gripe”. Na altura havia um total de 75.744 casos confirmados de infeção pelo novo coronavírus (COVID-19) no mundo e 2.128 mortos, nenhum em Portugal.

“As pessoas têm de perceber que se o Covid-19 fosse um vírus grave, ele não se difundia sem que se soubesse de onde vinha. Muito mais grave foi o H1N1, com mortalidade muita mais elevada e, mesmo assim, foi controlado. A situação mais grave da doença talvez seja no Irão. É uma zona de guerra, sem controlo, sem medicamentos e onde não há capacidade de parar nem tratar o vírus”, afirmou.

Cinco dias depois, como o próprio Jorge Torgal disse que iria acontecer, registava-se o primeiro caso em Portugal — escalando para 79 infetados dez dias depois. Ao Observador, porém, o médico mantém a sua posição. Insiste que 80% das pessoas infetadas são curadas e que é nisso que a sociedade se deve focar.

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Como membro do Conselho Nacional de Saúde Pública, Jorge Torgal participa na elaboração de recomendações ao Governo sobre o que deve ser feito. Na conferência de imprensa que se realizou pelas 21h30 desta quarta-feira, já com atraso, o professor fez apenas um declaração curta, em que anunciou o resultado da reunião destinada, entre outras coisas, a decidir se as escolas deviam fechar para conter a propagação do Covid 19: para já, o encerramento depende da autoridade de saúde local, que também deverá determinar se os museus devem fechar e os eventos culturais devem ser suspensos. Devem, no entanto, limitar o número de acessos (sem especificar quantos) a estes espaços.

 “Primeiro: devem ser reforçadas as medidas de contenção, bem como os meios para a sua implementação. Segundo: só se justifica o encerramento total ou parcial de estabelecimentos de ensino públicos, privados ou sociais, de qualquer nível de ensino, por determinação expressa das autoridades de saúde. Terceiro: não se justifica o encerramento de museus e outros equipamentos culturais a não ser por determinação das autoridades de saúde, devendo nos mesmos ser adotadas medidas de limitação de visitantes por forma  a minimizar o risco de transmissão de doença”, disse.

Ao Observador, Jorge Torgal explicou que nessa reunião, onde se sentam 20 membros, houve opiniões diferentes, mas que ficou contente com o resultado final em não encerrar as escolas. “Mais importante é cortar algum grau de histeria social, não tem muita justificação do ponto de vista médico, nenhuma base científica e ia causar uma desorganização social enorme e custos económicos“, disse. Assegurando que tal não traria “qualquer vantagem para conter o vírus”. “Há clusters identificados onde estão os doentes”, diz.  “Íamos privar dois milhões de estudantes da sua formação, até quando?”, interrogou, mantendo que não existe “uma justificação válida para o fazer”. 

A 28 de fevereiro de 2020, na entrevista ao JN, o professor garantia também que nada mudou na sua vida desde o início surto — que foi primeiramente detetado em dezembro, em Whuan, na China. “Nada, não mudei absolutamente nada. Há um exagero sobre este assunto que não sei a quem interessa. Em Portugal, em 2014, os casos de legionela em Vila Franca de Xira mataram muita gente e deixarem sequelas em muitas mais. Isso, sim, é preocupante”.

Mas agora, e já depois de registados 79 casos no país em dez dias, Torgal diz que segue as recomendações da Direção Geral de Saúde (por exemplo lavar as mãos várias vezes por dia). Ainda assim, continua tranquilo relativamente à gravidade do Covid-19. E diz que os casos confirmados entre políticos, no estrangeiro, podem ser bons.

“Acho que pode ser positivo, embora não deseje a doença a ninguém, que duas ministras espanholas estejam infetadas, e haja outra no congresso britânico, porque assim integrarão os 80 %. Preocupa-me mais a onda de medo, que é difícil de controlar, do que a epidemia per si”, afirmou.

Ou seja, segundo o professor, 80 por cento das pessoas que ficam doentes curam-se. E, havendo personalidades públicas infetadas que depois se curam, vão passar uma imagem positiva a todos. “O medo não ajuda em nada a combater uma epidemia. Vivi o início da epidemia de sida em Portugal [década de 90]. O problema que nós tínhamos era o medo. Não queremos que existam situações de receio geral generalizado”, disse.

“Mesmo que haja muitas pessoas infetadas, que as pessoas compreendam que a generalidade das pessoas infetadas curar-se-á sem sequelas”, disse.

Mas mantém que uma gripe comum pode ser pior? “A gripe normal atinge menos pessoas com doença grave, mas a mortalidade é mais elevada porque atinge uma imensidão de pessoas. Enquanto aqui sabemos os casos, sabemos quantos são infetados, sabemos que dos 40 mil que têm sintomas, o que lhes acontece, da gripe só sabemos quando ela veio agravar uma doença ou se tonou uma doença”, diz. “A maior parte das pessoas que tem gripe tem uma situação benigna e aqui [coronavírus] 80% tem uma situação benigna”.

“O coronavírus não é como uma gripe”, alerta especialista

O professor François Balloux, da University College de Londres, no entanto, distingue bem as duas doenças, apesar de considerar que ainda há incógnitas sobre a letalidade do Covid-19. “A letalidade varia provavelmente em função da qualidade dos sistemas de saúde. Dito isto, a estimativa é de que a taxa de mortalidade seja de 2%, ou seja, 20 vezes mais que os vírus da gripe que circulam atualmente”, cita a Science Alert.

Segundo dados atuais, estima-se que o Covid-19, doença provocada pelo coronavírus, tenha uma taxa de mortalidade de 3,5%, com algumas diferenças entre os países com casos registados. “É mais grave que a gripe”, já que mata um paciente infetado a cada mil casos, ou seja, com taxa de mortalidade de 0,1%, segundo o Centro Europeu de Prevenção e Controle de Doenças.

No entanto, diz o especialista, o verdadeiro perigo do coronavírus não é a morte, mas a assistência médica. Porque, ao propagar-se desta forma — uma pessoa  pode infetar entre duas a três –, e caso seja necessária ventilação, a resposta hospitalar poderá não consegui responder.

É também esta a preocupação de Jaime Nina, médico virologista no Hospital Egas Moniz e professor no Instituto de Higiene e Medicina Tropical, por exemplo, que diz que enquanto os casos se limitarem a hospitais que têm condições para os tratar, como o Curry Cabral  e o São João, “está tudo bem”. Mas se acontecer uma explosão de casos e os doentes  forem internados em hospitais de segunda e terceira linha noutras instituições — hospitais de segunda e terceira linha tudo se complicará.

Do ponto de vista da gravidade, no entanto, vão de encontro ao que diz Jorge Torgal. “Do ponto de vista do doente, tem alguma gravidade, mas não é nenhum Ébola. A taxa de letalidade é inferior a muitos surtos de gripe. Ou seja, do ponto de vista individual, é uma doença relativamente leve”. No entanto, alerta, em termos de saúde pública, “é um surto grave”, muito pela sua velocidade de propagação.

“É uma doença que tem potencial para se comportar como a gripe. Em 2009, tentou-se parar o surto de gripe, mas fazer isso é muito complicado e não conseguimos. Em dois anos, o vírus A H1N1 da gripe deu a volta ao mundo e afetou 85% da população mundial. Se não houver controlo deste vírus, pode acontecer isso”, advertiu. “A taxa de letalidade dessa gripe, quando apareceu no México, estimava-se nos 30%. Mas quando se começou a fazer testes estatísticos em números muito grandes, percebeu-se que terá sido de 0,01% — ou seja, só morreu uma pessoa em cada 10 mil. Mas como isto varreu o mundo em dois anos, e a população do mundo era mais ou menos de 6 mil milhões de pessoas, acabou por matar até quatro mil pessoas”.

Também Davide Carvalho, Presidente da Sociedade Portuguesa de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo, faz contas à gravidade do coronavírus. “A mortalidade até aos 60 anos é quase indistinguível da mortalidade da gripe, mas depois dos 60 anos ela já se situa por volta dos 3,5%; e nos indivíduos com mais dos 70 anos já atinge quase os 15%. Mas não há registo de letalidade nas crianças, o que é interessante”, disse.

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