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A opinião de seis especialistas sobre a reação ao coronavírus
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A opinião de seis especialistas sobre a reação ao coronavírus

ANA MARTINGO/OBSERVADOR

A opinião de seis especialistas sobre a reação ao coronavírus

ANA MARTINGO/OBSERVADOR

"Somos galhos secos à espera que o fogo nos queime". Seis especialistas respondem sobre se há alarmismo no surto de coronavírus

Há pessimistas, otimistas e os que se dizem realistas. Todos recusam alarmes, mas admitem preocupação. E há uma resposta unânime: Portugal não está pronto para uma situação como Itália. Ninguém está.

“Isto não é uma simulação”, disse assertivamente Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da Organização Mundial da Saúde, num discurso na semana passada sobre o novo coronavírus: “Não é hora de desistir. Não é hora de desculpas. É tempo de acabar com todas as inércias. Ativem os vossos planos de emergência através de todos os governos. Está nas nossas mãos”.

O alarme soou em todo o planeta. Depois de Itália, o segundo país com mais casos do Covid-19, ter decidido primeiro isolar o norte e depois fechar todo o país, muitos outros tomaram medidas, ainda que mais moderadas. Há dezenas de eventos cancelados, instituições públicas fechadas, planos de contingência a serem implementados. Mas teremos reagido tarde demais? Estamos realmente prontos para fazer frente a uma doença que já deixou um rasto de mais de quatro mil mortes?

Perguntámos estas e outras perguntas a 6 especialistas portugueses em virologia, infecciologia e pneumologia. Para uns, Portugal está no bom caminho se aprender com os erros de Itália ou Espanha e com os sucessos de países como a Coreia do Sul. Para outros, muitas das medidas de prevenção declaradas nas últimas horas pelo Governo português e pelas autoridades de saúde já deviam estar a ser seguidas há vários dias. Todos concordam contudo num ponto: não estamos preparados para uma epidemia como a italiana. Nem nós, nem verdadeiramente ninguém.”

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Está otimista ou pessimista sobre o evoluir do surto em Portugal?

Jaime Nina, médico infecciologista no Hospital Egas Moniz e professor no Instituto de Higiene e Medicina Tropical

“Enquanto o número de casos for relativamente reduzido e os doentes estiverem a ser tratados pelos especialistas, está tudo bem. Quer o Curry Cabral, quer o São João têm um corpo de especialistas que, na minha opinião, é mais do que capaz de fazer frente a esta infeção viral ou a outra qualquer. São pessoas muito experientes.

Se acontecer uma explosão de casos e tivermos de ter internados doentes noutras instituições — hospitais de segunda e terceira linha — as coisas ficam mais complicadas. O Ministério, nomeadamente a Direção-Geral da Saúde, tem feito um esforço no sentido de dar algumas normas, mas é uma coisa ainda muito limitada. Ainda não houve um curso em Portugal para preparar médicos para tratar este tipo de situações. Presume-se que os médicos que estão nos hospitais centrais já sabem fazê-lo, o que é verdade.

Mas os médicos que estão nos hospitais de segunda e terceira linha, não é suposto saberem. Há um défice de formação para essas pessoas. Claro que pode ser tudo otimista e não ser necessário, mas contar que tudo vai correr bem pode ser um pouco arriscado.”

Davide Carvalho, Presidente da Sociedade Portuguesa de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo

“É difícil de dizer. Sou otimista por natureza, por isso acho que vamos conseguir ultrapassar. Temos de ter confiança nos serviços de saúde e seguir as indicações que nos são dadas.”

Cláudia Conceição, Professora no Instituto de Higiene e Medicina Tropical e sócia-fundadora da Direção da Sociedade Portuguesa de Medicina do Viajante

“Acho que posso descrever o meu estado de espírito como expectante. Estamos numa fase em que estou com receio que as coisas escalem no sentido de alguma perda de bom senso. Sinto que muitas vezes há uma incompreensão com as autoridades de saúde. Conheci muitas pessoas que estavam a fazer o plano de contingência nacional quando houve a pandemia da gripe A. Por um lado, lembro-me da angústia quando diziam que, se aquela crise seguisse o mesmo curso que outros surtos no passado, seria uma coisa terrível. Lembro-me de ouvir comentários de outros colegas a dizer que era um exagero. E, por outro lado, fiquei a pensar que se calhar não foi exagero e que, por ter funcionado, é que tudo acabou por correr bem — por estarmos tão preparados.

Sou mãe de três raparigas e, quando foi a pandemia da gripe A, lembro-me de ir a três reuniões de pais de início de ano escolar e nas três levei um ensino de etiqueta respiratória, de lavagem de mãos, entre outros aspetos. Fiquei encantada e orgulhosa de perceber que estava a funcionar, que a saúde está a articular-se com a educação e que essa comunicação estava a acontecer no caminho certo. Não havia alarmismo. A mensagem era que nos tínhamos de proteger das infeções respiratórias.

Sinto que é uma pena que esse trabalho tenha sido perdido. Porque continua a valer para aquele período que vai de setembro ou outubro até março, que é quando temos sempre mais infeções respiratórias. Portanto, é um trabalho que valia a pena termos sempre em mente. Claro que, quando é uma situação com repercussões mais sérias, quando é um vírus novo, isso muda um pouco. Até ele ter passado, não sabemos como é que ele se vai comportar — que grupos vai atingir mais, que proporção de pessoas vão morrer devido à infeção, quantas vão ser infetadas? Só sabemos isso a seguir.”

Filipe Froes, Representante da Ordem dos Médicos para o 2019-nCoV 

“Sinto-me realista e sobretudo penso que devemos ter uma atitude racional. Temos que perceber que o resultado não é aquilo que desejamos, mas aquilo que conseguimos fazer com a aplicação adequada das medidas certas no momento adequado.”

Luís Varandas, Médico pediatra e professor no Instituto de Higiene e Medicina Tropical

“Nem uma coisa, nem outra. Penso que devemos ser realistas. Temos a noção de que isto vai piorar. As autoridades de saúde e não só, de uma forma realista, avisaram que o surto iria cá chegar. Era inevitável. Em Itália está a ser um caos, mas nos outros países europeus, embora os números estejam a aumentar, estão dentro daquilo que era “previsível” — há um aumento progressivo, mas relativamente controlado. Não há uma hecatombe como está a acontecer em Itália, que continua a ser algo difícil de explicar.”

Miguel Azevedo-Pereira, Professor de virologia da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa

“É uma pergunta difícil. O otimismo deve estar sempre presente, até porque já ultrapassámos situações de pandemia e epidemias semelhantes a esta, como em 2003 e em 2009.

Penso que vamos conseguir conter esta epidemia e chegar a uma altura em que as formas de prevenção, nomeadamente por vacina, surjam e possam ser aplicadas na população.”

Créditos: PAU BARRENA/AFP via Getty Images

AFP via Getty Images

Esta é ou não uma doença grave e preocupante?

Jaime Nina, médico infecciologista no Hospital Egas Moniz e professor no Instituto de Higiene e Medicina Tropical

“Do ponto de vista do doente, tem alguma gravidade mas não é nenhum Ébola. A taxa de letalidade é inferior a muitos surtos de gripe. Ou seja, do ponto de vista individual, é uma doença relativamente leve.

Mas se virmos isto em termos de saúde pública, é um surto grave. É uma doença que tem potencial para se comportar como a gripe. Em 2009 tentou-se parar o surto de gripe, mas fazer isso é muito complicado e não conseguimos. Em dois anos, o vírus A H1N1 da gripe deu a volta ao mundo e afetou 85% da população mundial. Se não houver controlo deste vírus, pode acontecer isso.

A taxa de letalidade dessa gripe, quando apareceu no México, estimava-se nos 30%. Mas quando se começou a fazer testes estatísticos em números muito grandes percebeu-se que terá sido de 0,01% — ou seja, só morreu uma pessoa em cada 10 mil. Mas como isto varreu o mundo em dois anos, e a população do mundo era mais ou menos de 6 mil milhões de pessoas, acabou por matar até quatro mil pessoas.

Ou seja, aqui o que é necessário ter em conta não é a gravidade da doença quando infeta alguém, mas sim o facto de se espalhar tanto — ainda para mais sabendo que o vírus tem uma predileção por grupos de risco, como os idosos, pessoas com doenças respiratórias e diabéticos. Para os outros será tão grave ou pouco mais grave do que uma gripe.”

Davide Carvalho, Presidente da Sociedade Portuguesa de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo

“A mortalidade até aos 60 anos é quase indistinguível da mortalidade da gripe, mas depois dos 60 anos ela já se situa por volta dos 3,5%; e nos indivíduos com mais dos 70 anos já atinge quase os 15%. Mas não há registo de letalidade nas crianças, o que é interessante.

Agora, é preciso ter em conta que a prevalência de diabetes na população geral é 13,6% — e os diabéticos são um grupo de risco para esta doença. Mas no grupo de etário com mais de 80 anos, ela é ainda maior: 27%. E habitualmente já têm outras complicações além dessa.

Tudo isto condiciona a resposta. Quando há uma maior dificuldade do organismo em adaptar-se a esta situação, as pessoas já estão deficitárias das suas funções imunitárias, daí a mortalidade maior.

Tenho clientes diabéticos que se tiverem uma infeção com o coronavírus e desenvolverem uma pneumonia podem ter formas mais graves da doença. Isso é que justifica o facto de a mortalidade nas pessoas mais velhas ser maior: tendem a ter mais doenças, mais complicações.

Um doente diabético normalmente toma uma determinada terapêutica. Mas quando tem uma infeção, isso provoca a secreção de hormonas de contra-regulação, nomeadamente cortisol e adrenalina, que vão antagonizar a ação da insulina. Portanto, vão levar ao aumento das necessidades. Os doentes têm que procurar ajustar melhor a terapêutica.

A recomendação, para além de aumentar a quantidade de insulina, é que o doente se hidrate bem — porque, como a insulina está descompensada, perde-se muito açúcar pela urina. Além disso, deve-se estar atento a outros sinais porque a falta de insulina pode conduzir a uma hiperventilação que leva a alterações eletrolíticas.”

Luís Varandas, Médico pediatra e professor no Instituto de Higiene e Medicina Tropical

“Sim, podemos assumir que é uma doença grave, que é uma doença pior do que a gripe, com a qual muita gente tem o hábito de a comparar. Continuo a dizer que não sabemos ainda exatamente quão grave é porque os dados que temos recebido são muito diferentes de país para país. Olhe-se, por exemplo, para o cruzeiro Diamond Princess, onde houve centenas de infetados, mas não houve a mesma proporção de mortos que houve na Itália ou na China. Há algumas variações que ainda não conseguimos explicar.

O que acontece na Itália e na China é que os números oficiais não refletem o número total de infetados, o que faz aumentar a taxa de letalidade, um indicador da proporção de mortes por uma doença e o número total de indivíduos doentes. O mais provável é que haja mais indivíduos infetados que não estão a ser identificados porque estão assintomáticos ou pouco doentes.

O facto é que, numa epidemia de gripe, não temos este caos. Temos surtos de gripe todos os anos e há milhares de doentes com gripe todos os anos, mas não há estas mortes em “bloco”, temporalmente tão próximas umas das outras.”

Miguel Azevedo-Pereira, Professor de virologia da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa

“Aquilo que se tem observado é que nas faixas etárias mais idosas encontram-se os casos mais graves; e simultaneamente nas situações em que já exista alguma fragilidade a nível respiratório, mas não só — há ainda o caso dos diabéticos, dos imunossuprimidos e dos doentes com cancro, que são sempre grupos de risco particularmente suscetíveis a que as coisas não corram bem.

Há uma noção que não podemos perder de vista: não estamos a lidar com uma coisa sobre a qual já tenhamos conhecimento absoluto. É um vírus novo. É aparentado com o vírus que circulou em 2003 — a sequência de genoma é muito parecida e, em determinadas regiões, quase idêntico. O que um fez 2003 podemos expectar que este também o possa fazer em 2020.

Mas atenção: isto, no fundo, é uma série que estamos a ver. Enquanto no caso de 2003 já vimos o filme e já vimos como é que acabou, neste estamos a ver episódio a episódio; e não sabemos o que vai acontecer a seguir. Ou seja, qualquer ideia que nós tenhamos da epidemia de 2003 pode ou não verificar-se com este vírus.

O facto de não haver muitas mortes entre os infetados simboliza que o Covid-19 não é extraordinariamente virulento, mas todos estamos suscetíveis a sermos infetados, ao contrário do que acontece com a gripe sazonal. Nesse caso, quer tenhamos sido vacinados ou não, há gripes do passado que nos deixaram imunidade. Mesmo que não tenhamos sido vacinados este ano, a nossa suscetibilidade a sermos infetados pelo vírus influenza é diminuta.

No caso do novo coronavírus, nada disso se verifica porque nunca tivemos um vírus como este a circular, os anticorpos que tivéssemos criado de vírus semelhantes a este no passado podem não ser protetores; e não há vacina.

É como um fogo que lavra numa mata completamente seca, que nada o estanca e nada o pára. É esta a imagem que podemos de certa forma assumir para esta situação: todos nós estamos como galhos secos à espera que o fogo nos chegue e nos queime. É muito complicado qualquer país lidar com uma realidade em que há números astronómicos de infetados.”

Créditos: Jane Barlow - WPA Pool/Getty Images

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Quão alarmados devemos estar?

Jaime Nina, médico infecciologista no Hospital Egas Moniz e professor no Instituto de Higiene e Medicina Tropical

“Eu diria que um bocadinho. Convém não ignorar o assunto. Há medidas de proteção que devemos ter, como lavar as mãos, que é fundamental. Não tossir para cima das outras pessoas — isto é uma regra de boa educação, mas que nem sempre é seguida. É preciso pôr a mão na frente (mas lavar as mãos logo a seguir), um papel ou cotovelo.

Se a pessoa tem tosse, deve usar uma máscara. Se vai a um local onde pode haver doentes, nomeadamente às urgências dos hospitais, deve levar uma máscara — mesmo que se vá lá com uma perna partida — para para não ser infetada pelos outros. Deve fugir-se de grandes multidões, principalmente em espaços fechados. É altura de adiar os concertos e os eventos com milhares de pessoas.”

Davide Carvalho, Presidente da Sociedade Portuguesa de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo

“Acho que não devemos estar alarmados. É uma situação preocupante, mas que requer sobretudo serenidade e atitudes corretas. O alarme e o pânico não são bons conselheiros. É preciso apenas estar atento.”

Cláudia Conceição, Professora no Instituto de Higiene e Medicina Tropical e sócia-fundadora da Direção da Sociedade Portuguesa de Medicina do Viajante

“Devemo-nos manter calmos, devemos ouvir as indicações dos especialistas e acho que devemos mesmo tentar diminuir as interações sociais. Sabemos que isto se passa sobretudo pela proximidade com as pessoas ou se as nossas mãos não estiverem limpas e tiverem tocado em superfícies contaminadas. Tudo isto seria muito sensato.

A outra coisa que devemos procurar fazer é perceber que nem sempre vamos conseguir encontrar a resposta adequada. Em vez de passarmos o tempo todo a apontar problemas, devemos também tentar contribuir para a solução.”

Filipe Froes, Representante da Ordem dos Médicos para o 2019-nCoV 

“Nada alarmados porque o alarmismo não serve de defesa, nem para resolver nenhum problema. O que serve de defesa e resolve o problema é o conhecimento da realidade, a análise do risco e a adequação e proporcionalidade das medidas a adotar. O alarmismo é dispensável.”

Miguel Azevedo-Pereira, Professor de virologia da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa

“Há muita gente infetada, ou seja, é um vírus que está a ser transmitido muito facilmente na comunidade. No entanto, é uma realidade que, pelo menos até agora, a taxa de situações severas e de mortes não é grande. É evidente que qualquer morte é problemática e tem um custo imenso para a sociedade e para as pessoas envolvidas, mas olhando para a pandemia de H1N1 em 2009 e para a epidemia de SARS em 2003, a taxa de mortalidade deste novo coronavírus é inferior.

Pelos dados que temos, os casos letais ocorrem em quem está mais predisposto a ter problemas graves a nível respiratório, como os imunossuprimidos, os diabéticos ou os doentes com cancro. Mas, olhando para o outro lado da realidade, a esmagadora maioria das pessoas controla bem a infeção. Fica doente, obviamente, mas recupera. Portanto, por esse lado, temos de manter em mente que é uma epidemia que não acarreta um grau de mortalidade muito elevado.

Podemos pensar que Portugal é um país envelhecido e os idosos são um grupo de risco. Mas, quanto a isso, olhei para os gráficos dos países infetados e reparei num detalhe: na Alemanha, há mais de mil casos confirmados de infeção mas até há pouco tempo não havia nenhuma morte devido a esta infeção — ao contrário do que acontece em países vizinhos, como o Reino Unido ou a França. Pus-me a pensar: será que há uma população menos envelhecida na Alemanha do que nos outros países europeus? Não conheço a demografia destes países, mas duvido que haja uma diferença significativa em termos de envelhecimento.

Ou seja, é um facto que temos uma população envelhecida, assim como talvez todo o continente europeu excetuando alguns países de leste. Mas não sei que peso o envelhecimento da população terá para a taxa de mortalidade registada num país por causa desta doença.”

Créditos: Sean Gallup/Getty Images

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Estamos a agir na medida e no tempo certos?

Jaime Nina, médico infecciologista no Hospital Egas Moniz e professor no Instituto de Higiene e Medicina Tropical

“A formação dos médicos de segunda e terceira linha já devia ter começado. Não está a zero porque a Direção-Geral de Saúde tem enviado e-mails com indicações, mas essa informação pode ser lida ou não. Além disso, é só sobre aspetos parcelares, principalmente sobre isolamento e defesa, não sobre outras coisas. Tem havido aqui um défice de formação.”

Filipe Froes, Representante da Ordem dos Médicos para o 2019-nCoV 

“Nesta fase de contenção alargada, em que temos um aumento progressivo dos casos na União Europeia e em particular em alguns países perto de nós, como é o caso de Itália e de Espanha, esta é a altura de apostarmos tudo na contenção e no controlo com o duplo objetivo de ganhar tempo; e de conseguir diminuir e diferir o impacto da ameaça no período mais alargado de tempo.

Todas as medidas devem ser baseadas no conhecimento da realidade epidemiológica do local e da proporcionalidade. Com base nisto, devem implementar-se as medidas que deem mais resultado e que ao mesmo tempo provoquem menos disrupção social.”

Luís Varandas, Médico pediatra e professor no Instituto de Higiene e Medicina Tropical

“Penso que a medida que foi apresentada ontem [segunda-feira, 9 de março] já devia ter sido apresentada a mais tempo. Refiro-me à decisão de testar todos os casos de infeção respiratória grave. Essa medida já fazia parte da definição de caso suspeito do ECDC e da Organização Mundial de Saúde desde o final de fevereiro, portanto julgo que já devia estar em vigor uns dias antes.

Penso, também, que já devia ter sido alargada a possibilidade de os exames serem feitos noutros hospitais e de serem os médicos a pedir os testes, não a Linha de Saúde 24. Pode argumentar-se que, do ponto de vista formal, é assim que se recomenda como parte do plano de contingência na fase de controlo do surto. Mas a verdade é que, por vezes, o médico sente necessidade de fazer o teste, mas liga para a Linha de Saúde 24 onde, ou fica horas à espera de ser atendido, ou não cai no algoritmo e perde-se oportunidade de fazer o teste a um maior número de doentes que, no limite, podem ser reais casos de infeção.

Mas digo isto como um “talvez” porque não sei até que ponto era possível alargar desta maneira a atuação. Não sei se os laboratórios estariam equipados do ponto de vista técnico ou de recursos humanos, por exemplo. Apesar disso, considero que o processo de alargamento a outros laboratórios podia ter sido um pouco mais rápido.

A formação dos profissionais que estão nos hospitais de primeira linha e depois nos de segunda, poderia ter sido mais célere e abrangente. Apesar da grande maioria dos profissionais terem conhecimento das medidas de proteção recomendadas, um reforço desse conhecimento estará sempre indicado. Lembro que há outras patologias que obrigam a medidas de proteção individual e do ambiente com as quais os médicos estão mais familiarizados, como tuberculose ou mesmo a gripe.

O que poderia também ter sido mais rapidamente delineado — mas isto é uma questão estrutural das instituições, não tanto das autoridades de saúde — são os planos de contingência, que podiam já estar preparados. Estes planos não são muito diferente dos da gripe A, do SARS ou do ébola. Tem pormenores que os diferenciam e precisam de ser ajustados, mas todo o circuito interno das instituições e as medidas adotar já deveriam estar previamente delineados.”

Créditos: FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

O que podemos esperar nos próximos tempos?

Jaime Nina, médico infecciologista no Hospital Egas Moniz e professor no Instituto de Higiene e Medicina Tropical

“Portugal tem, neste momento, um problema: o vértice da pirâmide da saúde, que é a ministra, não é médica. Claro que está rodeada de bons especialistas e há uma boa informação, mas é diferente saber profissionalmente como lidar ou ter de perguntar a terceiros. Ela é especialista em gestão de saúde e em contenção de custos, o que numa situação normal é capaz de ser útil, mas neste momento, na minha opinião, definitivamente não é a característica principal.

Penso que vamos conseguir controlar o surto. Mas é necessário bom senso na forma como o fazemos. Num caso extremo, não tenho dúvidas que, se Portugal fizesse como a China fez na província de Hubei e fechasse todas as fronteiras — se mandasse as Forças Armadas para as fronteiras e ninguém saía nem entrava — claro que controlaríamos o surto. Mas a troco de quê? Porque isso teria consequências em termos económicos. Acredito que a maior parte dos trabalhadores preferia ter uma doença um pouco mais forte do que um gripe, mas manter o seu posto de trabalho.”

Cláudia Conceição, Professora no Instituto de Higiene e Medicina Tropical e sócia-fundadora da Direção da Sociedade Portuguesa de Medicina do Viajante

“Sobre se vamos conseguir controlar o surto, só posso dizer que espero que sim. Acho que temos gente muito boa. Tenho muito orgulho no nosso Serviço Nacional de Saúde, mas nunca conseguimos prever muito bem como é que o vírus se comporta. Sobretudo espero que consigamos atrasar para que não fiquemos todos doentes ao mesmo tempo. Todo este esforço que está a ser feito é nesse sentido. As autoridades de saúde sabiam que isto era uma questão de tempo porque essa é a história das epidemias. Mas se conseguirmos, com estes esforços todos de contenção, que não fiquemos todos doentes ao mesmo tempo e que menos pessoas fiquem doentes, permitimos que o sistema de saúde consiga responder aos casos mais graves.”

Luís Varandas, Médico pediatra e professor no Instituto de Higiene e Medicina Tropical

“A evolução é absolutamente imprevisível; basta olhar para o que se passa na Europa para perceber que não sabemos em toda a extensão aquilo com que estamos a lidar. Em Portugal, penso que estamos em fase ascendente e que o número de casos vai continuar a aumentar. O controlo do surto vai depender da nossa capacidade de diagnosticar precocemente e manter os casos em isolamento para evitar a propagação da infeção. E vamos estar muito dependentes da colaboração e do comportamento da população. Temos, todos nós, que ter um comportamento responsável e seguir as indicações das autoridades de saúde.

Ter muitos casos poderá ser dramático, mas ter muitos casos graves será catastrófico. Olhando uma vez mais para a Itália, percebemos que temos uma taxa de letalidade de 4 a 5%, mas na Alemanha é de 0,02%; e há países na Europa que têm taxas intermédias. Portugal felizmente está nos 0%, mas ainda não sabe para que lado vai pender.

É uma incógnita. Podemos afirmar com maior segurança que vamos assistir a um aumento do número de casos — e penso que, comparando com outros países, vamos ter casos graves, muito graves e provavelmente de algumas mortes. Mas espero que não seja na dimensão que estamos a assistir em Itália.”

Miguel Azevedo-Pereira, Professor de virologia da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa

“A minha convicção é que vamos ter esta crise, vamos ter problemas a nível dos serviços de saúde e de economia por razão direta com esta situação, mas temos de olhar para a realidade dos números.

Nós sabemos pouco sobre o comportamento deste vírus, por isso devemos estudar o caso da China, que é onde a infeção já decorre há mais tempo e, portanto, estará nos capítulos mais avançados onde nós ainda não chegámos. No entanto, é preciso sublinhar que a realidade chinesa não é a nossa; e que houve coisas que funcionaram lá, mas que cá não resultariam.

Do ponto de vista virológico, não podendo ser transmitido, o vírus vai acabar desaparecer, no sentido de haver cada vez menos casos. Há quem diga que o tempo quente vai ajudar nisso, mas é uma incógnita. De facto, normalmente os vírus deste tipo não se dão bem com temperaturas mais elevadas nem com o tempo seco. Isto tem a ver com o invólucro do vírus, que é uma sensibilidade. Ele é feito de lípidos e proteínas, por isso é sensível à radiação ultravioleta, mas também a detergentes e solventes, como o álcool. Mas também não se tem a certeza porque o comportamento deste coronavírus é imprevisível.

A meu ver, a prioridade é arranjar uma vacina. Qualquer medicamento ou produto que seja desenvolvido para seres humanos tem de ser testado — precisamos de saber se é eficaz, se é tóxico num animal e depois se é tóxico num humano. Só se passar estas fases clínicas é que é autorizado a entrar no mercado. Provavelmente, vão haver algumas circunstâncias em que as entidades reguladoras dos fármacos abreviem algumas destas etapas para permitir que o produto saia o mais rapidamente possível. Mesmo assim, há um percurso que tem de ser percorrido obrigatoriamente, senão corre-se um risco potencialmente grave. Por isso, imagino que nunca demore menos do que um ano até essa vacina estar disponível.”

Créditos: MARTIN DIVISEK/EPA

MARTIN DIVISEK/EPA

Como avalia a atuação das entidades de saúde neste momento?

Jaime Nina, médico infecciologista no Hospital Egas Moniz e professor no Instituto de Higiene e Medicina Tropical

“A DGS tem estado a funcionar bem. Ao contrário do que acontece na cúpula do ministério, neste momento a Direção-Geral de Saúde está a ser liderada por uma pessoa que é da área. Foi uma sorte para Portugal ter a doutora Graça Freitas naquele sítio. E tem uma boa equipa. O que tem feito até agora tem sido bem feito. A nível de hospitais, há hospitais de referência que têm profissionais competentes e que podem encarar o assunto.

Mas há dificuldades na estrutura. O principal problema — que não é só nosso, é de todo o mundo — é que as pessoas quando têm uma infeção aguda têm tendência a ir ao hospital; e as salas de espera dos serviços de urgência podem tornar-se focos de transmissão. Isto acontece com muitas outras doenças, como a gripe ou quando há surtos de sarampo.

Portugal tem um problema crónico com as urgências. O sistema de ambulatório funciona muito mal: se uma pessoa quiser marcar uma consulta no centro de saúde espera meses; se quiser marcar uma consulta de especialidade num hospital espera meses ou anos. Portanto, a tendência é ir à urgência e entupi-las.

Isto arrasta-se há décadas e, até agora, os governos das mais variadas cores não conseguiram enfrentar nem resolver o problema. Provavelmente precisa de muito tempo para ser resolvido. O reforço da linha da frente, dos médicos de família, é uma coisa que demora muito tempo. Fiz o doutoramento em Inglaterra e lembro-me que dois terços do total dos médicos eram aquilo a que nós chamamos médicos de família. Cá em Portugal é um pouco mais de 10%, portanto é óbvio que não conseguem chegar a toda a gente.”

Davide Carvalho, Presidente da Sociedade Portuguesa de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo

“A percepção que tenho é de que a resposta tem sido adequada. No Hospital de São João foram montadas seis tendas à entrada, nos jardins. E os doentes, quando há suspeitas de serem portadores deste vírus, não são misturados com os doentes normais e são encaminhados especificamente para lá, onde são examinados por profissionais devidamente equipados e preparados — tal e qual como no Santa Maria. Cá, as tendas são do INEM; no Santa Maria são da Cruz Vermelha.

Na generalidade, tenho a sensação que as várias entidades estão bem preparadas. É preciso seguir as normas que estão definidas e as pessoas devem perguntar sempre que têm dúvidas. Claro que pode haver informações erróneas — há sempre. E também há interpretações erradas. Eu costumo dizer: dito não significa ouvido, ouvido não significa compreendido, compreendido não significa realizado e realizado não significa mantido. Esta é uma cadeia complexa, mas diria que a atuação me parece adequada.

E digo isso também como médico do São João. O serviço de doenças infecciosas, que tem larga experiência mesmo em doentes com alterações respiratórias, tem prestado um excelente serviço. É competentíssimo, de enorme qualidade, do melhor a nível mundial.”

Cláudia Conceição, Professora no Instituto de Higiene e Medicina Tropical e sócia-fundadora da Direção da Sociedade Portuguesa de Medicina do Viajante

“Há uma coisa que lamento: há dificuldade em trabalharmos em equipa e todos temos muita opinião. A meu ver, as mensagens que estão publicadas no site da Direção-Geral de Saúde têm sido veiculadas com muita serenidade e bom senso. Mas depois aparecem algumas intervenções paralelas que dizem coisas que não estão nas orientações que estamos a receber de forma oficial; e que extrapolam um pouco para além daquilo que está previsto. Isto pode lançar a confusão.

Não digo que não deva haver espaço para que cada um possa ter a sua opinião, mas penso que devemos estar completamente alinhados com o Ministério da Saúde. Claro que devemos ter em mente que, a qualquer momento, as coisas podem ter que ser revistas conforme a evolução da situação. Temos é de estar atentos às direções que nos estão a ser apresentadas.

Penso que o serviço que nos tem sido feito pelas autoridades de saúde pública tem sido bom. O microsite que está disponível sobre esta matéria está, na minha opinião, muito claro. A informação que pode sair primeiro nos jornais não tarda muito até surgir publicado num relatório oficial. Temos tido muito apoio, até quando tivemos de fazer o plano de contingência das instituições universitárias — tivemos o apoio de uma diretiva da DGS que explicava o que devia estar lá previsto. Há uma série de coisas que estão a ser bem orientadas.

Portanto, avalio essa atuação muito positivamente. Acho que tem sido uma postura incansável, presente e tranquila. É disso que estamos a precisar — que nos tranquilizem, que estejam sempre disponíveis para nos dar informação. A minha visão é que, no que toca à parte da comunicação, tem corrido bem.”

Filipe Froes, Representante da Ordem dos Médicos para o 2019-nCoV 

“Não sou eu quem avalia a atuação das entidades de saúde. Quem avalia a atuação das entidades de saúde é o aparecimento de novos casos diariamente, a evolução do surto. Limito-me a avaliar a maior eficácia através do número diário de novos casos. Se nós entrarmos numa fase nos próximos dias com uma estabilidade do número de casos ou sem uma subida significativa de casos, significa que as medidas foram adequadas.

Estamos a assistir a uma fase em que o vírus está a fazer o trabalho dele. Compete-nos a nós — profissionais de saúde, população e autoridades de saúde — fazer o nosso trabalho para combater o que é expectável do vírus, que é continuar a reproduzir-se.”

Luís Varandas, Médico pediatra e professor no Instituto de Higiene e Medicina Tropical

“É mais fácil falar a posteri do que tomar as decisões. Globalmente, diria que bem. Por outro lado, também quero acreditar que elas têm informação que nós não temos, por partilharem dados com as entidades oficiais dos outros países e, portanto, as decisões serem, também, baseadas nisso e não apenas naquilo que se sabe publicamente.

Algumas medidas poderão não ter sido tão assertivas quanto o recomendado, mas essa é uma análise que é fácil fazer, como disse, a posteriori. Por exemplo, é fácil dizer agora que a professora de uma escola na Amadora não devia ter ido trabalhar, mas quem fez a triagem na Linha de Saúde 24 seguramente estava a olhar para um algoritmo, o que pode ser um pouco rígido. Eventualmente, nessa primeira fase podia ter-se sido um pouco mais assertivo nas medidas de quarentena e de restrição de movimentos das pessoas que viajaram.”

Miguel Azevedo-Pereira, Professor de virologia da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa

“Como não se sabe o que pode acontecer nem o tipo de mecanismos patogénicos que este vírus utiliza para provocar a doença — porque uma coisa é estarmos infetados, outra é termos doença —, estas medidas de contenção são apropriadas. No desconhecimento daquilo que vai acontecer, é concebível e dá-se razão a algumas medidas que podem parecer exageradas e que podem criar uma certa ansiedade e desconforto. Este é o momento adequado para as colocar em ação.

No que toca às infraestruturas, nós estamos a perceber que há tendas, hospitais, instalações e equipamento para fazer frente a este surto, mas é importante que haja também mais médicos, enfermeiros e outros profissionais de saúde. Não sei se isso foi reforçado ou não, mas o que sabemos sobre o funcionamento do sistema de saúde em Portugal ainda antes deste surto é que muitos serviços pecam por falta de pessoal.”

Créditos: NUNO FOX/LUSA

NUNO FOX/LUSA

Como comenta o funcionamento da Linha de Saúde 24 perante esta crise?

Jaime Nina, médico infecciologista no Hospital Egas Moniz e professor no Instituto de Higiene e Medicina Tropical

“Uma coisa que sempre funcionou mal e tem um aspeto central nesta epidemia é a Saúde 24, que devia ser o pivô de toda a resposta. Funcionou mal, não só no atraso da resposta mas também a dar informações erradas. Já havia muitas queixas públicas, internas e externas; e houve erros crassos. Houve doentes que neste momento estão internados e que telefonaram à Saúde 24. Disseram-lhes que não era nada e que podiam ir para os centros de urgência. O objetivo da Saúde 24 era exatamente evitar isto.

A Saúde 24 já existia e usou-se uma estrutura que já existia. Mas, nesta estrutura, devia fazer-se uma formação mais profunda às pessoas. Isto também tem a ver com os orçamentos. Era necessário contratar mais pessoas, com melhor formação. Mas barato, rápido e bem, ninguém consegue.”

Cláudia Conceição, Professora no Instituto de Higiene e Medicina Tropical e sócia-fundadora da Direção da Sociedade Portuguesa de Medicina do Viajante

“O que soube sobre as dificuldades reportadas na Linha de Saúde 24 foi o que veio publicado nas notícias. Acho muito importante que a validação dos casos esteja a ser toda centralizada, o que me parece ser fundamental para que as coisas sejam bem orientadas e lideradas. Mas a verdade é que fazer isso é muito difícil — ter um sistema que preveja todos estes aspetos. São ajustes que são necessários e espero (penso que vai conseguir) que o Ministério da Saúde encontre os meios e os recursos para que a Linha melhore o seu funcionamento, uma vez que é o nosso canal único.

Além disso, é necessário que haja uma só voz. Para que haja tranquilidade entre as pessoas, uma linha oficial não pode ter muitas respostas diversas. Pode haver uma margem para respostas ou orientações diferentes mas que estejam relacionadas com o caso que é apresentado — porque não se podem comparar situações diferentes, pois vão receber respostas necessariamente diferentes. De qualquer forma, tem de haver uniformidade na resposta. E mesmo que ela mude de um dia para o outro, em função da evolução do nosso conhecimento sobre o tema, ela também tem de mudar uniformemente.”

Créditos: JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Os nossos hospitais têm capacidade para suportar um surto como este?

Jaime Nina, médico infecciologista no Hospital Egas Moniz e professor no Instituto de Higiene e Medicina Tropical

“Depende da dimensão da epidemia. Se forem estas dezenas de casos, como está a haver neste momento, ou mesmo que sejam algumas poucas centenas, sem dúvida que têm. Se as coisas escalarem à escala chinesa e aparecerem dezenas de milhar ou centenas de milhar de casos, não têm.

Não temos nós, não tem a França nem tem a Itália, não tem ninguém. E se for um foco como Itália tem, também não, tal como o próprio país não estava preparado.”

Cláudia Conceição, Professora no Instituto de Higiene e Medicina Tropical e sócia-fundadora da Direção da Sociedade Portuguesa de Medicina do Viajante

“Nenhum país está preparado, em lugar nenhum do mundo. Nunca estamos preparados completamente, mas há graus de previsão que nos permitem ter os instrumentos mais adiantados.

Está preparado no sentido em que há planos sobre o que se deixa de fazer para encaminhar recursos para fazer frente à epidemia. Se vamos colocar mais pessoas a trabalhar na Saúde 24, o dinheiro que foi investido nisso não será aplicado noutro sítio. É claro que podemos estar preparados no sentido em que podemos ter planos que nos dizem o que é que, nestas circunstâncias, deve ser feito.

Eram esses aspetos que gostaria que não tivessem arrefecido por completo quando nos preparámos para a pandemia de gripe A. Se tivéssemos dedicado algum tempo a repensar, de tempos a tempos, o que é que mudou sobre o conhecimento que temos, o que pode ou não ser mudado nos nossos planos perante uma epidemia respiratória, não estaríamos tão assoberbados com este assunto.

Em Portugal damos pouca importância ao pensamento estruturado, estratégico, sobre cenários possíveis. Quando chegam os problemas, todos queremos que esteja tudo pensado, tudo previsto; mas quando chega a altura de fazer orçamento, para que isso seja possível, encontram-se mais dificuldades. Para que haja esses planos de preparação, era necessário que houvesse mais gente nos órgãos com responsabilidade de liderança técnica na saúde, como, por exemplo, a Direção Geral da Saúde, para haver sempre quem tivesse por função pensar mais à frente. O pensamento estratégico é uma coisa muito importante e que não tem sido valorizado.”

Luís Varandas, Médico pediatra e professor no Instituto de Higiene e Medicina Tropical

“Se acontecer como estamos a ver em Itália, penso que não. Nós temos camas, mas estão ocupadas. Nós temos postos de intensivos, mas estão ocupados. Evidentemente que temos uma reserva e há sempre a possibilidade de fazermos ajustes e de aumentar a capacidade da força de trabalho nos cuidados intensivos, mas ainda assim não seria suficiente para fazer frente a uma situação como a de Itália. Por outro lado, se ocorrer algo como na Alemanha, França, Espanha, Países Baixos ou Reino Unido, acho que estamos preparados.

O que é mesmo importante fazer desde o início é, assim que há um caso confirmado, tentar identificar o número máximo de contactos e que poderão ter sido infetado. Isto serve para cortar a cadeia de transmissão, o que minimiza muito o risco de propagação. Será sempre difícil rastrear todos os contactos, isolar toda a gente e colocá-la em quarentena — tanto do ponto de vista da operacionalidade, como pelo comportamento das pessoas.

Nesse aspeto admiro muito a atitude e o comportamento dos chineses porque não só são disciplinados, cumprindo escrupulosamente o que se lhes pede, como se auto-regulam se for caso disso. Mas sem cortar estas cadeias de transmissão, não conseguiremos controlar a infeção.”

Miguel Azevedo-Pereira, Professor de virologia da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa

“É preciso ter em conta um aspeto importante: embora a mortalidade não seja elevada, é possível que a taxa de hospitalização o seja. Não tenho dados sobre isso, mas imagine-se o que será se milhares de pessoas estiverem doentes e a precisar de hospitalização. O serviço de saúde colapsaria. Isso é o que torna tão importantes as medidas de prevenção.

Aliás, isso fica provado por aquilo que os chineses tiveram de fazer naquela emergência em Wuhan: tiveram de construir hospitais em tempo recorde porque não havia possibilidade de albergar todos os que necessitavam de ser hospitalizados. Mas a realidade chinesa não é a de nenhum país. Lá, a mobilização da população foi de tal forma imposta que não havia hipótese de aquilo não ser concluído em 15 dias, como foi. Não estou a ver isso a acontecer em Portugal ou em país nenhum da Europa.”

Créditos: Octavio Passos/Observador

Octavio Passos/Observador

O que pensa do que está a ser feito no estrangeiro para controlar a crise?

Jaime Nina, médico infecciologista no Hospital Egas Moniz e professor no Instituto de Higiene e Medicina Tropical

“Vamos olhar para os números. Há um indicador que passa por olhar para o número de casos confirmados e para o número de mortos. O vírus é igual aqui, na China, na Coreia e em todo o lado.

Dividindo o número de mortos pelo número de casos, temos a taxa de letalidade, que é, no fundo, a probabilidade que uma pessoa tem de morrer com esta infeção. Nos sítios onde as coisas estão a correr bem e os casos estão a ser bem notificados, a taxa de letalidade é um pouco inferior a 1%.

Olhando para os dados de Itália, eles têm 234 mortos e 5.883 casos, o que dá uma taxa de letalidade de 2,4%. Na minha opinião, a interpretação lógica disto é que estão a sub-notificar os casos leves. Se calhar não têm este número de casos, mas sim 15 ou 20 mil, que não estão a ser diagnosticados. Não estando a ser diagnosticados, também não estão a evitar contactos.

Portanto, a epidemia ainda não está controlada, longe disso. Mas há países em que isso tem sido melhor feito. Se olharmos, por exemplo, para a China, que foi onde isto tudo começou, o país fez uma espécie de muro à volta da província de Hubei e separou-a do resto da China com os militares a controlarem quem entra e quem sai. E está a conseguir ganhar a batalha contra o vírus, excepto a província de Hubei — e não sei por quanto tempo vão conseguir mantê-la isolada.

O Coreia do Sul, que é o segundo país com mais casos notificados, tem uma taxa de letalidade de 0,5%. Ou seja, eles estão a apanhar a maioria dos casos, incluindo casos leves que, ainda que sejam menos contagiosos, são mais perigosos porque não são normalmente diagnosticados e, por isso, não ficam isolados sob controlo. Eles investiram em testes e gastaram um total de testes completamente desproporcionado ao número de casos que tiveram. Estão a testar muita, muita gente.

Claro que a Coreia do Sul faz isto porque já teve experiências desagradáveis. Foi um dos países que teve um maior número de casos do surto de SARS em 2003; e depois foi o único país além dos do Médio Oriente que teve casos do surto de MERS. Estão a agir preventivamente e estão a fazer bem. Estão a dar um bom exemplo ao mundo.

Um país onde as coisas estão a correr mal, muito pior do que em Portugal, é nos Estados Unidos. Têm 11 mortos em 213 casos, o que dá uma taxa de letalidade de mais de 5%. Isto significa que estão a testar muito pouca gente. Neste momento, as entidades estatais não estão a pagar os testes porque dizem que é suposto serem as companhias de seguro a fazerem isso. Mas as companhias de seguro dizem simplesmente que não está descriminado na apólice, logo não pagam. Têm de ser as pessoas a pagar do seu bolso. E isso é caro, provavelmente 150 ou 200 dólares. O problema é que a administração americana neste momento é perfeitamente contra qualquer coisa que soe a socialismo. Arriscamos a que, daqui a uns meses, os Estados Unidos sejam o grande transmissor mundial.

O Irão também está a fazer um esforço muito grande. Em número de mortos é o terceiro do mundo. Quando apareceu, os primeiros casos que o Irão notificou eram fatais. Não havia casos de sobreviventes. Aliás, li numa revista médica o ministro da Saúde do Irão a queixar-se que as sanções económicas que abrangem testes de diagnóstico e equipamento médico no meio de uma crise são perfeitamente inaceitáveis. Eu acho que tem toda a razão: mais do que inaceitável, é criminoso, diria eu.”

Filipe Froes, Representante da Ordem dos Médicos para o 2019-nCoV 

“O que está a acontecer em cada um dos países reporta uma realidade epidemiológica específica em que diferentes medidas podem ter melhores ou piores resultados.

Não estou suficientemente dentro da realidade da Coreia do Sul para comentar. Mas estou mais próximo da realidade italiana e espanhola para perceber que, no caso de Itália, houve uma situação excepcional que permitiu que ocorresse uma disseminação explosiva na comunidade.

Em Espanha penso que eles estão, em termos temporais, mais adiantados do que nós. Atendendo a estes dois exemplos, podemos aprender com a situação deles de maneira a fomentar uma maior aplicação de algumas medidas para diminuir as ocorrências.”

Créditos: Getty Images

Getty Images

A forma como se testam os casos suspeitos é a adequada?

Jaime Nina, médico infecciologista no Hospital Egas Moniz e professor no Instituto de Higiene e Medicina Tropical

“O teste que nós usamos tem muitas limitações. Isto é um teste direto, isto é, apanha o vírus quando se está a multiplicar — é um teste para o genoma do vírus. Se o vírus não estiver a multiplicar-se naquele momento, o teste dá negativo. Logo, todos os casos em período de incubação vêm negativos. Os testes que já curaram vêm negativo. Ou seja, só apanha a ponta do icebergue, não apanha o resto.

Como é que se dá a volta a isto? Fazendo o que a Coreia do Sul está a fazer, em que os casos suspeitos fazem testes todos os dias até terminar o período de risco ou até dar positivo. Mas isso sai mesmo muito caro. Fazendo-se isso por 14 dias, se o teste custa, suponhamos, 100 euros, são 1.400 euros por pessoa para dizer possivelmente no fim que ele não está infetado. Aplicando isto a milhares de pessoas, rebenta com o orçamento do Ministério da Saúde.”

Filipe Froes, Representante da Ordem dos Médicos para o 2019-nCoV 

“Há respostas que, por termos pouco conhecimento, não conseguimos responder com clareza e tranquilidade. De forma geral, provavelmente não sabemos o suficiente sobre esta doença porque estamos numa fase muito inicial e muito preliminar do conhecimento científico. As pessoas precisam de compreender que não há nenhum teste em medicina 100% sensível e 100% específico. O teste que se faz aos casos suspeitos pode não ser perfeito, mas é o melhor que está disponível neste momento.”

Miguel Azevedo-Pereira, Professor de virologia da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa

“São adequados. Os testes foram disponibilizados muito precocemente, no início da epidemia, e baseiam-se na deteção do genoma do vírus nas secreções respiratórias, nas células do sistema respiratório inferior. A presença das partículas virais é que vai ser detetada nesse teste de diagnóstico.

Há a hipótese de uma pessoa já ser portadora do vírus mas, como o agente não está em reprodução, os testes dão negativo. Por isso é que não faz sentido realizá-los quando a pessoa não tem ainda sintomas — ou melhor, nesse caso, o facto de o teste ser negativo não garante que a pessoa não está infetada. Alguém que faça um teste apenas um ou dois dias após ter sido infetado, provavelmente receberá um resultado negativo, mas nada garante que seja realmente assim.”

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