“Pode dizer-se que já alastrou por todo o país e em Lisboa grassa ela com intensidade. Mandou o governo que não prosseguissem os exames nos liceus e que todos os estabelecimentos d’ensino não funcionem, até nova ordem. É certo que os teatros e os animatógrafos continuam abertos, e aí a multidão, para efeitos de contágio, é mais perigosa que nas escolas. Divergem as opiniões quanto à natureza da doença. Conveniente seria que, até que a epidemia cesse, não atravessem processionalmente os cadáveres a cidade, em longos comboios fúnebres, repetidos a cada hora”.

A descrição quase que podia ser confundida com outras publicadas nas últimas semanas sobre a pandemia de COVID-19. Mas não é. Esta foi publicada há mais de 100 anos, a 4 de outubro de 1918, no jornal diário “A Lucta” e descreve a evolução da Gripe Espanhola em Portugal, uma pandemia que viria a matar entre 50 mil e 70 mil no país assim que entrou pelas fronteiras dentro pelas mãos de trabalhadores de Badajoz e Olivença.

Em setembro desse ano, a revista científica “A Medicina Contemporânea” publicava um artigo de Ricardo Jorge dizendo que, até àquele momento, “a vaga epidémica que nos princípios de junho rolou de Hespanha, há que reconhecer que nos tratou com acentuada benignidade”. Em outubro, no entanto, empurrada pelas péssimas condições de higiene e sanitárias da população e pela escassez de alimentos e medicamentos, a Gripe Espanhola resultaria num mês de outubro terrível para Portugal.

Em novembro, a pandemia acalmaria no país — não sem antes condenar à morte dois dos três pastorinhos de Fátima (os irmãos Francisco e Jacinta) e outras 70 mil pessoas. Não faltava apenas papel higiénico e outros produto de higiene pessoal (como acontece atualmente), mas até os caixões escasseavam. E o assunto raramente surgia na imprensa portuguesa, concentrada sobretudo nas matérias sobre a I Guerra Mundial. As fotografias que espelhavam a situação em Portugal também são raras.

Nos Estados Unidos era diferente. Os órgãos governamentais e vários fotojornalistas documentaram o trabalho das instituições de saúde, o quotidiano dos trabalhadores em plena crise pandémica e eternizaram em imagem os instrumentos que se utilizava para travar uma doença que viria a matar quase 50 milhões de pessoas no mundo inteiro. As fotografias desse tempo estão na fotogaleria. Encontre as diferenças para as fotografias dos tempos de hoje.

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