O advogado de um dos 23 arguidos do caso Tancos pediu ao juiz Carlos Alexandre que considere todo o processo ilegal. Nas palavras do advogado Luís Cruz Campos, não foi a PJM que fez uma investigação ilegal e paralela, mas sim a Polícia Judiciária civil, uma vez que “teve perfeito conhecimento sobre o local e momento do furto em Tancos”. Mais, segundo o requerimento a que o Observador tece acesso, informada sobre os planos do crime, a PJ chegou mesmo a dar “instruções” a Paulo Lemos — o homem conhecido por Fechaduras que ensinou os assaltantes a arrombar o paiol, mas que depois acabou por não participar no furto e a escapar à acusação do Ministério Público.
O advogado do ex-chefe do Núcleo de Investigação Criminal de Loulé, Lima Santos, lembra que quando Fechaduras comunicou às autoridades que iria acontecer um assalto a instalações militares, em abril de 2017, já tinha sido sondado para participar no crime e até já tinha dado coordenadas aos restantes de como poderiam arrombar a porta do paiol de Tancos. Porque é que a PJ não impediu o crime? Pretendiam “a seguir controlar o material furtado e os autores para depois tentar provocar uma venda a “alguém” ligado a organizações terroristas para fazerem um “brilharete” perante o mundo?”, interroga o advogado Luís Cruz Campos, lembrando que Fechaduras conseguiu adiar o assalto duas vezes e que, à terceira, perguntou aos inspetores o que devia fazer. “Ao que, os Srs. inspectores da PJ lhe disseram para não ir, que tinha que ser assim…”, escreve no requerimento entregue depois de ter sido produzida toda a prova e antes do debate instrutório — agora adiado sine die, onde o Ministério Público e cada advogado deverão explicar ao juiz por que é que o caso deve ou não seguir para julgamento.
Tancos. Juiz Carlos Alexandre adia sem data debate instrutório
O advogado diz mesmo que a “PJ controlou o plano e a sua execução, permitindo a sua consumação”, o que é completamente “inacreditável e ilegal!”. Até porque essa opção acabou por por em risco “eventuais pessoas/militares que se poderia ter cruzado com os assaltantes”. “O que poderia ter sucedido?”, interroga, no documento sobre o qual o Ministério Público deve agora pronunciar-se.
Luís Cruz Campos começa por desmontar o processo que envolve o ex-ministro da Defesa, Azeredo Lopes, e o ex-Diretor Nacional da PJM, Luís Vieira, logo desde o seu início, quando em abril de 2017 Fechaduras comunica a uma procuradora do Ministério Público do Porto que sabe que há um plano para assaltar umas instalações militares. Diz-lhe também que prometeu à mãe não mais voltar a fazer assaltos por isso estar a dar-lhe essa informação.
A procuradora Teresa Morais confirmou esse contacto no processo e que pegou nessa informação e ligou a um inspetor seu conhecido, de nome Chantre, que trabalhava em Vila Real. Para a defesa do militar da GNR só esta opção é por si só questionável. “A Sra. Procuradora não elaborou qualquer auto ou qualquer documento no qual ficasse a consta tal facto, violando grosseiramente os seus deveres, decorrentes até do Código de Processo Penal, pois, estava perante a denúncia de um crime público, cuja denúncia era obrigatória por parte de quem dela tivesse conhecimento, sendo ela uma operadora da justiça”, diz o advogado.
Essa informação foi depois passada a um inspetor da PJ do Porto. E ele, sim, passou a informação a papel que deu origem a um processo. Mas com uma particularidade: omitiu a fonte da informação, justificando que esta pedira que a sua identidade fosse salvaguardada. Quando tanto em fase de inquérito como de instrução essa fonte, que afinal é Fechaduras, afirmou nunca o ter pedido. “Mentiu, conscientemente, quando alegou que a informação tinha sido prestada por pessoa que preferiu”, diz a defesa do militar.
“E assim começaram as mentiras que passaram por vários juízes [no Porto, em Leiria e só depois em Lisboa] até ao M. Juiz Ivo Rosa, que, entendeu que apenas com uma denúncia anónima (falseada pela PJ) não autorizava as escutas telefónicas por ausências de outros elementos indiciários mais fortes”, lê-se no requerimentos
Face ao despacho de Ivo Rosa, avança o advogado, e “para reforçar os indícios “, outros inspetores da PJ de Lisboa acabaram por elaborar expedientes com mais informações, sempre baseados numa “fonte anónima” que afinal estava bem identificada.
Por outro lado, Fechaduras reuniu-se algumas vezes com os inspetores e com a própria procuradora — chegou almoçar com ela e com a PJ — já depois do assalto a Tancos. E não existe no processo qualquer registo desses encontros nem o que deles saíram. “Todos eles cientes de que não estavam perante um mero informador que ouviu isto ou aquilo, mas sim de um suspeito que já estava dentro do plano criminoso, já tinha praticado atos de execução, nomeadamente já tinha ensinado os restantes elementos do grupo criminoso a abrir as fechaduras, qual o material necessário, etc… “, escreve o advogado que a certa altura questiona quem pagava estes almoços
Aliás, Fechaduras já tinha mesmo participado com João Paulino e Zé Laranginha, também arguidos no caso de Tancos, num alegado crime de extorsão relacionado com um negócio de droga.
O advogado lembra que a PJ nem sequer alertou as forças armadas da possibilidade do crime. “No limite, a PJ podia ter solicitado apoio a outros órgãos de polícia criminal ou até às forças especiais das Forças armadas e ter detido, em flagrante delito, todos os autores da execução do assalto, sem nunca, mas NUNCA, deixar sair o material furtado ou perder-lhe o controle, algo que, facilmente seria exequível”, diz. “Jamais se poderia permitir que o material desaparecesse colocando em risco a segurança nacional, não sendo admissível, nem aceitável, ultrapassar este limite. O que não se fez para proteger o Fechaduras e os próprios interesses da PJ”, acrescenta.
Para o advogado, toda esta foram de investigar o caso é “inadmissível e inaceitável”, e as “condutas por parte de diversos inspetores a PJ e magistrados do MP poderão configurar crimes de associação criminosa, falsificação e documento, denegação de justiça ou mesmo favorecimento pessoal e tráfico e mediação de armas.
“Em conclusão, tornou-se mais do que evidente que, os crimes fortemente indiciados contra os Inspectores do PJ e contra o MP, são, exatamente os mesmos que vieram a imputar à pm e à GNR, que, afinal, estes sim, se cometeram alguns erros sobre circunstâncias de facto, fizeram-no com o objetivo conseguido de recuperar material/armamento/granadas/explosivos furtados, permitindo que o mesmo”, defende o advogado.
O advogado lembra mesmo que Fechaduras nem sequer poderá ser visto no caso como um agente encoberto, que ajudou na investigação, porque segundo a lei ele cai na figura do agente provocador — o que é ilegal. “Provocador é o verdadeiro instigador de um crime tentado ou consumado, praticado com a intenção de obter provas contra alguém que tem uma carreira criminosa e, provavelmente, voltará à praticar crimes”, lembra a defesa
Por isso a defesa pede que todo o processo seja considerado ilegal por “uso de métodos proibidos de prova” e “utilização de meios cruéis e enganosos”.