Os números foram anunciados na última quarta-feira em conferência de imprensa pelo secretário de estado da Saúde, António Lacerda Sales: entre os (à data) 9.034 casos positivos de Covid-19, 1.124 eram profissionais de saúde e oito deles (sete médicos e um enfermeiro) estavam internados em Unidades de Cuidados Intensivos (UCI). Números que não convencem o bastonário da Ordem dos Médicos (OM), Miguel Guimarães, nem Rita Cavaco, da Ordem dos Enfermeiros (OE). A OE já avançou com um inquérito online para apurar os números e a OM quer fazer um levantamento em todos os hospitais públicos e privados.
O Obervador tentou, entretanto, saber os números atualizados pela DGS até à data de publicação deste artigo, mas não obteve resposta. Depois dos números divulgados pelo Governo na quarta-feira, o presidente do Sindicato dos Enfermeiros, José Correia Azevedo, disse ao Observador que o enfermeiro em causa estava internado no Hospital Curry Cabral, onde também estaria um casal de médicos, um outro médico estaria na UCI do Hospital de Santo António, no Porto, e quatro estariam internados no Hospital de São João, também no Porto.
O bastonário da Ordem dos Médicos pondera avançar com um levantamento dos dados referentes aos seus profissionais, tanto quanto aos infetados, como os que estão em estado mais grave internados em Unidades de Cuidados Intensivos. “Não consigo saber o número, estamos a pensar em fazer um inquérito que depende dos nossos representantes nos hospitais públicos e privados. Mas o mais importante é saber tudo, os números reais. Temos de acreditar nos números que a diretora geral da Saúde vai dizendo todos os dias, mas há uma décalage entre o número de pessoas que estão nos CI e nos números reais”, disse o bastonário ao Observador.
“Estamos a tentar saber a dimensão real do problemas, para entender se o que nos tem sido comunicado está ou não de acordo com a realidade”, acrescenta.
Uma discrepância que existe também, aliás, para o total de casos a nível nacional. Se olharmos para os números desta sexta-feira, por exemplo, a Direção Geral da Saúde dá conta de 9.886 casos confirmados, sendo que 1058 estão internados e, destes, 245 estão em UCI — informação esta reportada pelos hospitais, pelas administrações regionais de saúde e pelas regiões autónomas.
Só o bastonário da Ordem dos Médicos, no entanto, e segundo afirma, conhece vários casos de médicos internados na UCI do hospital de São João, de Santo António e de outros hospitais. Mas o Observador contactou o Hospital de São João esta quinta-feira e fonte oficial garantiu não ter qualquer médico internado na UCI. “Se não tem é porque já saíram, ainda bem”, disse ao Observador o bastonário, já esta sexta-feira.
Uma fonte médica disse ao Observador que, entre os médicos em estado mais grave, incluem-se três que trabalhavam no SAMS — o hospital privado que fechou portas há cerca de duas semanas. Números que saem das contas do dirigente sindical, José Correia Azevedo. Um dos casos continuava a inspirar cuidados, os outros dois estavam já a recuperar. Um deles, confirmou o Observador junto de outra fonte, é uma médica neurologista que foi já “extubada” e que está a recuperar “aos poucos” no Hospital de Santa Maria, em Lisboa.
ARS só mandou fechar a urgência, mas SAMS fecharam todo o hospital — e não têm data para reabrir
A Ordem dos Enfermeiros, por seu turno, corrobora os números do Governo no que toca a um enfermeiro internado na UCI. Ao que o Observador apurou, trata-se de uma enfermeira que trabalha Hospital Dona Estefânia, em Lisboa, e que foi dos primeiros casos entre a classe a testar positivo. Foi internada juntamente com o marido, comissário de bordo, na UCI do Hospital Curry Cabral. Ele já está na enfermaria, já o estado dela inspira cuidados.
Mas se este número é confirmado pela Ordem, já o número de infetados levantou algumas dúvidas, pelo que a OE decidiu avançar com um levantamento de dados, através de um inquérito publicado online. E em 48 horas das respostas que recebeu concluiu que neste momento 322 estão infetados com o novo coronavírus e 1750 estão neste momento em casa, em vigilância ativa, depois de terem estado em contacto direto com doente. Aguardam teste ou resultados.
“Os resultados confirmaram as suspeitas da OE, de que os dados que estão a ser avançados estão aquém da realidade”, lê-se no comunicado da Ordem dos Enfermeiros, que tem na sua liderança Ana Rita Cavaco.
De acordo com as 18 mil respostas já recebidas, o Porto é a cidade com maior número de enfermeiros infetados, 104, seguida de Lisboa, com 62, Coimbra com 46 e Braga 26.
“Se formos testar todos os profissionais de saúde, teremos muito mais infetados”, diz bastonário da Ordem dos Médicos
O bastonário Miguel Guimarães diz que todos os casos que conhece são médicos que estão na linha frente e que tanto podem ter sido infetados no hospital como “numa ida ao supermercado”. Sem especificar os casos, diz que há profissionais das mais diversas especialidades e que podem muito bem ter sofrido com a falta de material de proteção individual.
O médico lembra que para estes profissionais estarem completamente protegidos, não só eles deviam estar a usar máscaras, mas também todos os doentes. Caso contrário a proteção não é total. “Uma máscara cirúrgica dura quatro horas, uma máscara tipo FFP2 dura seis horas, porque a humidade provocada pela respiração faz com que as torne ineficazes”, diz. Ou seja, durante um turno de 12 horas, as máscaras cirúrgicas, as mais comuns, deviam ser mudadas três vezes. O mesmo para os pacientes.
“Se começamos a ter muitos profissionais de saúde infetados fora começam a falhar os profissionais de saúde”, diz. Para depois lembrar que todos eles deviam ser testados quinzenalmente. “Faz parte da contenção da infeção a proteção das pessoas e testar as pessoas”, acrescenta.
“Se formos testar todos os profissionais de saúde, teremos muito mais infetados”, afirma.
O bastonário diz também que era importante ter mais dados sobre os pacientes que morreram para se poder fazer alguma investigação científica. Desde a idade ao estado de saúde, à evolução da doença e ao historial clínico do paciente. “A Ordem e as Escolas Médicas têm a parte cientifica que o Ministério da Saúde não tem”, adverte. “Já pedimos várias vezes e eu já me cansei de pedir”, diz. O boletim da Direção Geral da Saúde desta sexta-feira dava conta de 246 mortes por Covid-19.
O Observador tentou obter dados atualizados a esta sexta-feira sobre os profissionais de saúde internados em Unidades de Cuidados Intensivos, mas não obteve qualquer resposta.