Uma equipa de investigadores portugueses desenvolveu um mapa que mostra todos os dias qual é o risco de ser infetado pelo novo coronavírus em cada ponto do país. A ferramenta baseia-se no número de novos casos registados diariamente em cada município e pode ser utilizado pelas autoridades para saber onde é que a vigilância deve ser mais apertada, decidir como pode ser feita a saída do isolamento e estudar a evolução da pandemia.
O projeto foi desenvolvido pelo Centro de Recursos Naturais e Ambiente (CERENA) e juntou quatro investigadores do Instituto Superior Técnico — Amílcar Soares, Manuel Ribeiro, Leonardo Azevedo e Maria João Pereira, todos professores e geoestatísticos.
Até agora, estes investigadores trabalhavam sobretudo em projetos na área da engenharia química e de minas, energia e matérias-primas — embora já tivessem desenvolvido um modelo semelhante a este com dados sobre a incidência do cancro. A pandemia fê-los mudar de rumo.
Em entrevista ao Observador, Maria João Pereira, a professora do Técnico que é também a coordenadora do CERENA, explicou que este projeto pode ser útil para as autoridades de saúde saberem diariamente o efeito de uma determinada medida de controlo ou de vigilância em certas regiões: “As manchas do mapa aumentam e diminuem ao longo do tempo. A partir do momento em que os mapas são contínuos, não são divididos por concelhos mas sim espacialmente, é mais fácil interpretar o que está a acontecer”.
Este projeto pode ser usado para testar a imunidade de grupo e preparar a saída da população do isolamento, acrescenta ainda Maria João Pereira:
“As autoridades podem tomar decisões sobre onde recolher as amostras que têm de ser analisadas. Nem todo o território tem de ser amostrado da mesma forma. Como não podemos recolher amostras na população inteira, este mapa pode ser útil para que os agentes de saúde saibam amostrar de forma mais racional e decidir que regiões estão mais ou menos preparadas para sair do isolamento de forma estratificada”.
Mesmo depois da pandemia, quando Portugal estiver livre da Covid-19, estes mapas podem ser cruzados com outros dados que permitam compreender o impacto da doença no país — em termos socioeconómicos, mobilidade ou número de óbitos, por exemplo.
“Agora temos de olhar para tudo à lupa, mas depois, quando pudermos olhar para o passado, isto pode ser útil para estudar a nossa resposta à pandemia e as consequências que ela trouxe”, afirma a investigadora.
A ferramenta do CERENA é composta por dois mapas. Um deles apresenta o risco que alguém tem numa determinada cidade de ficar infetado pelo novo coronavírus, de acordo com os dados diários disponibilizados pela Direção-Geral da Saúde (DGS). O segundo aponta o grau de incerteza em cada lugar.
Maria João Pereira explica que o risco de infeção é calculando dividindo o número de infetados pelo número total de pessoas de uma população. O primeiro valor é o publicado pela DGS para cada concelho (ainda que os dados oficiais sejam relativos apenas a 74% dos infetados); e o segundo é o registado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE).
Em princípio, o risco será maior num concelho com menos gente; e maior numa cidade com mais pessoas. Em termos estatísticos, isto é um problema porque significa que, nos concelhos menos populosos, há menos dados, tornando a estatística menos fiável. “Num concelho com mil habitantes, um caso de infeção pelo novo coronavírus traduz-se numa grande proporção de risco. Mas num concelho com 200 mil habitantes, um caso de infeção dá uma proporção de risco muito pequena”, compara a investigadora.
É daqui que surge o grau de incerteza, o segundo mapa constituído pelo CERENA: “O risco de infeção que obtemos diz respeito à totalidade da área do concelho. Mas nós não sabemos dizer se esse valor é todo igual dentro da cidade, por exemplo. Por isso vamos avaliar a continuidade espacial, isto é, vamos obter dados estatísticos que nos dão uma medida de como é que ele o risco de infeção varia no espaço“, acrescenta a professora.
Por isso, a equipa criou uma simulação que gera uma coleção de muitos mapas de risco que, com base nos mesmos dados, cria todos os valores possíveis para cada ponto do território português — e neste, cada píxel do mapa tem uma resolução de apenas dois quilómetros. É a partir deles que os investigadores ficam a saber se o valor médio está dentro de um conjunto de dados que varia muito ou pouco. Quanto mais variar, mais incerto é o modelo para um determinado lugar.
Trocado por miúdos, o que significa isto? Significa que o modelo cria, de facto, uma previsão do risco de infeção para cada ponto do território, mas que também permite saber se há uma grande certeza ou não naquele valor médio apresentado no mapa.
“Se o valor da incerteza for muito pequeno, é porque estamos mais próximos do valor real. Se for maior, aquele valor está mais distante da realidade”, concretiza Maria João Pereira.
No mapa desta terça-feira, as regiões com um risco de infeção maior ficavam em Alvaiázere, Ovar, Santa Maria da Feira, Porto, Matosinhos, Vila Nova de Gaia, Valongo, Maia, Santo Tirso, Gondomar e Paredes. No entanto, como alguns destes concelhos têm populações muito pequenas, o grau de incerteza também é maior — como é o caso de Alvaiázere.
Mapas feitos numa semana podem ser usados pela DGS
A ideia surgiu assim que a DGS começou a disponibilizar dados em boletins diários. Os primeiros não tinham dados por concelho, por isso só a partir de 25 de março é que a equipa começou a recolher os dados de que precisava todos os dias: “Começámos logo a olhar para os dados e a tentar perceber que modelo podia transformá-los nestes mapas”. Bastou uma semana para começarem a criar mapas.
Faziam-no sempre que o tempo permitia:
“Somos todos professores, estamos a dar aulas remotamente e tivemos de transformar toda a nossa vida para estar em casa. Temos família, filhos, temos de lavar roupa e ir às compras — no fundo, sofremos tudo o que toda a comunidade também está a sofrer”, descreveu a investigadora entre risos.
Maria João Pereira quer colocar estes dados ao dispor da Direção-Geral da Saúde: “Já fizemos um primeiro contacto e agora estamos à espera que nos coloquem em diálogo com a pessoa certa. Eles estão pressionados por muita coisa diferente, por isso nós queremos ajudar. Não somos profissionais de saúde, não percebemos de saúde pública. Agora vamos ver qual é o feedback“.
A investigadora admite que o modelo tem algumas limitações. Por estar dependente dos dados reportados pelo ministério da Saúde, os erros de registo nos concelhos podem ter um impacto na qualidade das estatísticas demonstradas nos mapas. Além disso, se houver focos de infeção dentro de um concelho — como os lares, por exemplo — isso criará um risco de infeção maior, mesmo que o resto da cidade não tenha dados tão grandes de infeção.
Ainda assim, Maria João Pereira explicou que esses problemas podem ser ultrapassados em grande medida: “Esses erros são mais significativos em concelhos com pouca gente. Se entrarmos nos grandes números, esses erros deixam de ter tanta importância. Mas este mapa admite um grau de incerteza nos valores que apresenta, por ser um modelo estatístico com um certo grau de erro”.