É uma ideia que ainda não saiu da teoria, mas que um professor do Instituto Superior Técnico quer colocar em prática: um robô que cuida de pacientes infetados pelo novo coronavírus ao realizar algumas tarefas dos profissionais de saúde; e que, ao mesmo tempo, desinfeta os quartos onde os doentes estão internados.
Cada vez que um médico, enfermeiro ou auxiliar entra num quarto corre o risco de ficar infetado para limpar ou entregar comida e medicamentos a um paciente com Covid-19. Mas este robô poderá “minimizar o risco de contaminação pelo vírus entre os profissionais de saúde”.
É isso que explica Meysam Basiri, que também é investigador no Instituto de Sistemas e Robótica do Técnico. Ao Observador, o professor, natural da cidade iraniana de Shiraz e residente em Portugal há quatro anos, avança que este será “um robô móvel e multifunções para assistir os profissionais de saúde em tarefas básicas de cuidados aos pacientes”.
Além da capacidade para substituir os médicos ou enfermeiros nessas funções, o robô estaria equipado para desinfetar o chão do quarto onde os doentes estiveram internados utilizando irradiação germicida ultravioleta, que matar ou inativa microorganismos ao destruir a sua informação genética.
Antes ainda de se fixar em Portugal, Meysam Basiri já tinha visitado o país em 2010 e em 2012, quando ganhou uma bolsa da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT). Já tinha estado na Suécia e depois ainda passou pela Suíça. Mas Portugal conquistou-o:
“A minha curta estadia na bela Lisboa durante o meu doutoramento foi suficiente para me apaixonar pela cidade e fazer bons amigos. Convenceram a voltar”, contou ao Observador.
Desde que a pandemia de Covid-19 entrou em Portugal, quando as universidades fecharam e o regime de teletrabalho arancou, Meysam Basiri começou a pensar de que forma é que os engenheiros e investigadores na área da robótica podiam contribuir para o combate à doença.
“Conversei com o coordenador do nosso grupo com algumas ideias para um robô de serviço que fosse implementado no hospital. Nós tínhamos todo o conhecimento e recursos necessários para construí-lo. As ideias foram bem recebidas. Fizemos alguns contactos para compreender quais eram as necessidade dos hospitais através do Serviço de Utilização Comum dos Hospitais [SUCH] e a ideia nasceu”, resumiu.
A equipa ainda não tem nenhum protótipo deste robô-enfermeiro, mas já sabe como funcionaria. Quando receber uma ordem de um profissional de saúde, o robô vai navegar autonomamente pelo quarto do paciente e concretizar a tarefa pedida: “Essa tarefa pode ser qualquer coisa desde entregar comida ou medicamentos, monitorizar remotamente o estado do doente ou tele-comunicar com ele”, enumera o investigador.
Outra tarefa possível é desinfetar o chão através da radiação ultraviolenta, que “já provou ser eficaz contra o novo coronavírus”:
“Basicamente, o robô vai mexer-se de um lado para o outro e emitir uma luz ultravioleta C”, que é uma radiação eletromagnética com um comprimento de onda entre 100 e 280 nanómetros. Enquanto o faz, “o robô vai certificar-se que toda a superfície do chão fica exposta à luz”.
Os robôs que ajudam a combater a Covid-19 pelo mundo
Máquinas como esta já foram utilizadas na China quando a epidemia de Covid-19 disparou no país, recordou Pedro Urbano Lima, professor e investigador no Instituto Superior Técnico, membro do blogue Bit2Geek e coordenador do grupo de robótica a que Meysam Basiri pertence.
Em Wuhan, o hospital construído em tempo recorde tinha unidades em que eram os robôs a prestar apoio aos doentes. Davam-lhes comida, medicamentos, mediam a pulsação e registavam a febre do paciente — tudo tarefas que, de outra forma, obrigariam a um contacto entre o paciente e os profissionais de saúde, colocando estes últimos em perigo.
De acordo com Pedro Urbano Lima, alguns desses robôs foram enviados para a China através de uma empresa dinamarquesa — a UVD Robots. Estas máquinas são capazes de desinfetar as superfícies através da emissão de uma radiação ultravioleta que destrói o ADN ou o ARN dos agentes patogénicos — não só do SARS-CoV-2, mas também de outros vírus e de bactérias.
Até em Espanha a robótica pode vir a ser útil no esforço para conter a epidemia, recorda o investigador. O país já confirmou que está a desenvolver um plano para fazer mais testes diários para identificar casos de infeção pelo novo coronavírus. Mas não há profissionais suficientes para isso. Nem tempo. Por isso, os espanhóis querem passar a pasta aos robôs, salvaguardando a saúde dos técnicos e fazendo mais testes em menos tempo.
Por cá, os robôs já são um parceiro comum dos profissionais de saúde nos hospitais. No Centro Clínico Champalimaud há um robô que ajuda os profissionais de saúde a transportar medicamentos e que está programado para fazer tarefas repetitivas, explica Pedro Lima ao Observador.
O investigador também participou no desenvolvimento do “Little Casper”, um robô nascido de um projeto europeu para entreter e educar as crianças e os funcionários do Instituto Português de Oncologia de Lisboa. Enquanto vagueia pelo edifício, o Little Casper consegue identificar rostos conhecidos pelo caminho e interagir com essas pessoas como se tivesse uma personalidade própria.
Rápido, simples e barato: como será o robô do Técnico
Quem são Pedro e Meysam?
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Meysam Basiri tem estado sempre envolvido em projetos de desenvolvimentos de robôs de serviço. Um deles é um sistema de localização sonora para robôs aéreos em missões de busca e salvamento. Outro é uma máquina que ajuda pessoas deficientes ou idosas em tarefas dentro de casa.
Pedro Lima também fez parte da equipa que desenvolveu o RAPOSA, um robô para operações e busca e salvamento que funciona em ambientes arriscados — como no desmoronamento de um prédio.
Tanto Meysam Basiri como Pedro Urbano Lima venceram uma competição robótica em Abu Dhabi (Emirados Árabes Unidos), o MBZIRC 2020, após terem liderado a equipa que inventou um robô que deteta automaticamente e exingue incêndios no interior de edifícios.
Apesar da diversidade de robôs que já existem nos hospitais portugueses, não existe nenhum como o que está a ser desenvolvido por Meysam Basiri.
“A principal prioridade do nosso projeto aqui é, em primeiro lugar, encontrar uma solução que possa responder rapidamente às necessidades urgentes do sistema nacional de saúde”, explica o investigador iraniano.
E, apesar de se assemelhar aos que foram utilizados na China ou na Dinamarca, o robô-enfermeiro teria, ainda assim, algumas inovações, acrescenta Meysam Basiri:
“Esperamos que seja polivalente, com funcionalidades de transporte, tele-interação e desinfecção, tudo num só robô. Noutras soluções, há um robô diferente para cada tarefa”.
Mais: o robô-enfermeiro primaria pela “simplicidade” para que possa ser rapidamente implementado, em grande número e a um custo reduzido. Quanto, exatamente? Meysam Basiri ainda não sabe. No entanto, como a equipa já tem experiência na área, acreditam ser possível “criar uma solução num curto período de tempo”:
“Planeamos beneficiar dos nossos algoritmos que já estão desenvolvidos para facilitar o processo”, partilha o investigador.
Os materiais, esses, são simples de encontrar num centro de engenharia e robótica: sensores LIDAR (que permitem saber a que distância estão outros objetos ao detetarem a luz refletida por eles), câmaras, um computador miniatura, router de Wifi, lâmpadas ultravioleta e baterias, por exemplo.
O projeto de Meysam Basiri foi submetido ao concurso “Research 4 COVID-19” da Fundação para a Ciência e Tecnologia, que abriu uma linha de apoio à investigação e a projetos de implementação rápida relacionadas com a resposta à pandemia de Covid-19. As candidaturas terminaram a 5 de abril e os projetos escolhidos serão anunciados no próximo mês.
Se a ideia de Meysam Basiri for escolhida, o robô-enfermeiro pode ser testado no “ISRoboNet@Home Testbed”, um apartamento com quarto, salas, cozinha e um corredor onde o Instituto testa robôs domésticos. Se o desempenho for bom, volta a ser experimentado nos hospitais através do SUCH — uma associação privada sem fins lucrativos cuja missão é desenvolver serviços para o setor da saúde.
É que, mesmo que a Covid-19 seja erradicada ou pelo menos controlada, um robô-enfermeiro continuará a ser útil para os profissionais de saúde: “A ideia aqui não é substituir os profissionais de assistência ao paciente, mas é mantê-los seguros e dar-lhes uma mãozinha”, sublinha o investigador.