Skype, Zoom, WhatsApp, Houseparty, entre tantos outros. Se a pandemia mostrou alguma coisa é que as videochamadas — aquilo a que se chamava futuro há poucos anos –, estão definitivamente entre nós. Mas e agora, qual é o passo que vem a seguir? Para muitos líderes tecnológicos, como Mark Zuckerberg, o fundador e presidente executivo do Facebook, pode ser a realidade virtual. E não lhe chamemos futuro: chamemos-lhe presente — atualmente, é possível pegar nuns óculos de realidade virtual e, num ambiente digital, falar com alguém que pode estar no outro lado do mundo como se estivéssemos no mesmo espaço. Contudo, até que ponto é que este pode já ser o passo que segue as videochamadas?

Conversar num ambiente de realidade virtual como se estivéssemos todos no mesmo sítio pode parecer algo saído de histórias da ficção científica, como no “Carbono Alterado”, um início de um “Matrix”, aquele episódio de “Black Mirror” sobre o jogo “Striking Vipers” ou o “Tron”. Inevitalmente, ao partirmos para uma experiência destas é muito difícil não irmos com alguma expectativa que, digo já, não vai ser totalmente cumprida.

Com o medo da pandemia da Covid-19 a fechar-me em casa, foi isso que fui tentar descobrir: já é possível passar ao próximo nível e falar com alguém à distância como se estivéssemos no mesmo sítio? É, mas até conseguir começar a fazer esta experiência, surgiram diversas dificuldades. A principal? Em Portugal, dos principais aparelhos à venda no mercado, só um está à venda oficialmente: os PSVR, da Sony PlayStation, e por isso foram a escolha para esta experiência. Mais à frente explicamos melhor porquê.

A experiência: uma consola, ousadia para falar com estranhos e uns óculos de realidade virtual

Todos os aparelhos utilizados para a experiência de realidade virtual. À esquerda, o comando da PS4; no meio, os PSVR; ao lado do óculos, os comandos Move de movimentos; à direita, a câmara para ficar debaixo da televisão; e ainda os auriculares para ajudar à imersão. Há ainda uma pequena caixa, que não está na imagem, que liga dois cabos HDMI à PS4 e faz ligação com o capacete

Mesmo durante a pandemia conseguimos arranjar uns óculos e uns comando Move — a Playstation Portugal emprestou ao Observador um dos equipamentos que tem disponível para exposições e que não estava a ser usado. Desembalei a caixa: cabos, cabos e mais cabos (estes óculos, para funcionarem, precisam de muitas conexões). Com tudo ligado, surge a questão: mas agora falo com quem?

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Ao contrário dos HTC Vive e dos Oculus, as principais marcas concorrentes, os PSVR são assumidamente focados em videojogos. Isto significa que não há plataformas de conversas ou outro tipo de programas que existem para os computadores. A maioria das experiência são offline. Não é mau, mas isto quer dizer que não são virados para a socialização. Por causa disso, e pela ajuda que tive do Google e pelo Reddit, acabei por usar o “RecRoom”, um jogo gratuito que permite jogar e falar com outras pessoas. E, o mais importante, encarnar um avatar no mundo virtual e falar com elas.

“E vamos a isto”, pensei eu depois de instalar o jogo. Ponho o capacete de realidade virtual, ligo uns auriculares com fios para o som ir diretamente para os meus ouvido e ligo os comandos Move um a um. Garanto que a câmara que está ligada debaixo da televisão está a apontar para mim (a câmara é utilizada para captar os movimentos). Está tudo ligado? Calma, os meus óculos de ver começaram a embaciar (o PSVR têm espaço para óculos, mas isto foi um problema). Desisto e tiro os óculos. Ok, é agora. Carrego no ícone do “RecRoom” e… entrei.

Isto tudo para dizer: não, não foi só pôr os óculos e começar a jogar. Foi necessária adaptação, tirar o capacete, voltar a pôr para ajustar, mas acabou por ficar confortável. De repente, estou realmente dentro do jogo e já não sinto que estou na sala onde estou sentado no sofá. Não é tudo o que esperava, como já disse, mas é bem melhor do que as piores expectativas.

Antes de se começar a jogar o jogo ajuda a calibrar o dispositivo. As mãos simulam o movimento dos comandos com sensor de movimentos

Com os PSVR postos e agarrado aos comandos, criei uma conta para poder jogar e a sensação é como se estivesse a aprender a andar novamente. Há um teclado virtual em que é preciso carregar nas teclas e o sentimento é um misto de entusiasmo por pensar “isto funciona” jutamente com um “ok, calma, é preciso acertar mesmo no botão”. Para quem gosta de tecnologia, é cativante. Tentativa e erro e lá começo a jogar.

Passo os menus (o jogo tem umas salas para passearmos) e vou para o RecRoom (centro recreativo, em português) que dá nome ao jogo e onde estão outros jogadores (bem mais experientes, diga-se). Aqui, um pormenor engraçado: mesmo estando de pé, para andar é preciso mexer no comando e apontar para a frente. Lá consegui, mas é uma sensação estranha. Nada como no filme “Ready Player One”, por exemplo.

Ao fundo, começo a ouvir pessoas a falar e vejo vários avatares. Há outra sensação muito semelhante à da vida real: como é que chego a um grupo de pessoas e digo olá sem ficar envergonhado? Mesmo no mundo virtual, há pudor. Lá ganhei coragem e, em inglês (não encontrei ninguém que falasse português) começo a tentar fazer amigos. “É a primeira vez que estou a jogar, estou a experimentar para ver como é falar com outras pessoas no mundo virtual”, digo.

Encontrei uns avatares (pessoas?) mais simpáticos dos que outros e, das três vezes que experimentei o “RecRoom”, acabei a conseguir falar com alguém por uns cinco minutos. Foi como se estivéssemos no mesmo sítio — até me pediram para ajudar com uns códigos para ganharem uns itens para os avatares e vi um grupo de amigos estudantes a festejarem o último ano. Cada um na sua casa, mas juntos naquela sala.

A sala principal do RecRoom onde os vários jogadores podem passear e falar uns com os outros. Esta imagem é de uma das visitas mais recentes durante uma festa de graduação que alguns estudantes estavam a fazer pelo jogo

Sim, quem me visse de fora via que estava na minha sala rodeado de demasiados cabos e com um capacete que me fez transpirar mais da testa do que quero admitir. Isto ao mesmo tempo que estava agarrado a dois comandos e a mexer-me sozinho como se fosse maluco. Contudo, para mim, naqueles instantes, mesmo com uma imagem menos nítida e menos campo de visão — os óculos não substituem tudo o que vemos, a sensação é como usar uma máscara de mergulho — senti que estava ali, num mundo virtual, com outras pessoas.

Gesticulei, falei, ri-me e aproximei-me de quem ali encontrei. Mexi os braço e carreguei no gatilho do comando para dar apertos de mãos e agarrar em objetos. Meti-me em conversas, expliquei o que estava a fazer e tentei jogar os mini-jogos do “RecRoom”. Em suma, funcionou, e não tinha conseguido o mesmo numa videochamada.

O momento em que estendi a mão para dar um aperto de mão a outro utilizador. É desta forma que se pede amizade a alguém no RecRoom

Inevitavelmente, fiquei com dores de cabeça. Este é ainda um dos grandes defeitos da realidade virtual porque o nosso cérebro percebe que alguma coisa não está bem quando usamos estes óculos. Quão melhores são os capacetes — e menos movimentos há — melhor é a experiência. Este problema também depende de pessoa para pessoa (com realidade virtual, tendo a ser dos que tem este problema). Contudo, não é uma dificuldade que se tenha com videochamadas. Mesmo assim, imergi neste mundo digital do “RecRoom” através de uma PS4 e, assumo, também aproveitei para experimentar alguns jogos que me fizeram pensar menos no facto de estar fechado num apartamento.

A primeira vez que utilizei estes óculos ainda foi em abril, em pleno estado de emergência. Se me senti próximo do norte-americano que me explicou como carregar nos ícones virtuais e andar devidamente no RecRoom enquanto estava ligado a uma PS4, pensei que isto era o escape perfeito para poder colmatar não estar fisicamente com outras pessoas de quem gosto devido à pandemia. Não é a mesma coisa, mas mesmo com avatares e defeitos, é algo mais próximo do que uma videochamada e que não é um cenário do futuro, já existe. Resta saber o quão ainda vai ter de melhorar para chegar a toda a gente.

A escolha de uns óculos de realidade virtual no presente que mostrem o futuro

Atualmente, no mercado de realidade virtual, há três marcas principais de equipamentos que é preciso conhecer, isto sustentado por dados do Statista: a Oculus, que pertence ao Facebook (já há vários modelos); a HTC Vive, da HTC e da Valve (também já há vários modelos); e a PSVR, da Sony PlayStation. Há outras empresas que tentam entrar neste mercado e há até várias experiências que se podem ter facilmente com um smartphone, como o Google Cardboard. Contudo, para uma verdadeira e completa experiência de realidade virtual, atualmente, estes são os nomes a conhecer.

Quando escrevo “verdadeira e completa experiência” de realidade virtual, mostro logo o principal problema que tive para conseguir escrever este artigo. O objetivo foi tentar imergir o mais possível num ambiente digital, como contei acima. Ou seja, poder gesticular e quase que andar num ambiente digital.

Desde que, em julho 2012, Palmer Luckey, Brendan Iribe, Michael Antonov e Nate Mitchell, criaram a Oculus, há muita expetativa neste mercado, mas a tecnologia tem dado passos lentos. Exemplo disso é, em 2014, esta empresa ter sido comprada pelo Facebook por cerca de 1,6 mil milhões de euros.

[Em 2017, Mark Zuckerberg fez um vídeo em direto para apresentar o Facebook Spaces, uma plaforma onde se pode falar com outras pessoas através da realidade virtual. Os avatares digitais são customizados pelos utilizadores]

https://www.facebook.com/4/videos/10104094186863501/

Há várias histórias pelo meio. Luckey, que foi capa da Time, saiu do Facebook e agora trabalha indiretamente para o exército dos EUA, por exemplo. Mas essa não é a história aqui. Os óculos da Oculus, que recriaram este novo mercado — à semelhança dos HTC Vive e PSVR — têm a vantagem de ter comandos próprios aliados ao capacete de realidade virtual. Assim, é possível simular movimentos e permitir a interação com o mundo digital. Acreditem, faz muito a diferença. Agora, isso implica outros periféricos e ainda mais tecnologia: giroscópio, reconhecimento de movimentos, entre outros. Infelizmente, isso faz destes equipamento mais completos bastante caros (com todos os acessórios, o preço de entrada para se imergir na realidade virtual ainda está a rondar os 400 euros).

E não é só o preço que cria problemas. Para se ter uma noção sobre como o mercado de realidade virtual é promissor mas parece não arrancar, só após vários equipamentos lançados é que Mark Zuckerberg, o atual líder do rumo dos Oculus, fez uma aposta clara nesta tecnologia para uso empresarial. E isso foi na semana passada.

Contudo, mesmo assim, é bastante difícil encontrar a melhor experiência de realidade virtual que seja acessível a todos em Portugal. Oficialmente, nem os HTC Vive nem os Oculus vendem para o país. Assim, e depois desta curta explicação deste mercado, restou fazer esta experiência com um PSVR, um dispositivo que é assumidamente virado para videojogos.

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A vantagem do PSVR é, ao contrário dos Oculus e dos HTC Vive (que têm modelos mais avançados), a de que precisam apenas de uma consola PS4 para funcionarem e não de computadores bastante potentes. No entanto, por causa disso, não são tecnicamente tão bons na experiência que proporcionam — a tecnologia é de 2016. Mesmo assim, cumpriam os requisitos para a “verdadeira experiência”, por permitirem também utilizar os tais comandos e continuarem a ser um dos claros modelos de topo no mercado de realidade virtual, com todos os defeitos que possam daí advir.

Um pormenor a ressalvar: à semelhança do que aconteceu a outros equipamentos durante a pandemia, os PSVR têm estado esgotados em vários países devido à procura que surgiu. Tudo isto deve-se muito ao fenómeno “escapismo”. Sobre isto, o The New York Times contou no final de abril: “Escapismo é o ponto forte da realidade virtual e é por isso que os principais estúdios de jogos estão a desenvolver mais jogos de grande orçamento para plataformas como Oculus e PlayStation VR”. Em suma, o que fiz não foi só entrar num mundo virtual, foi também fugir do mundo real.