Vão ser necessários “investimentos a uma escala sem precedentes. E vamos fazê-los”, garantiu a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, esta quarta-feira no Parlamento Europeu. A responsável garantiu que “país terá de fazer escolhas entre gastar para combater a pandemia e investir no seu povo” e, por isso, apresentou o programa a que se chamou “O Momento da Europa. Reparar e Preparar para a Próxima Geração”, que em números redondos introduz um pacote total de 750 mil milhões de euros, divididos entre 500 mil milhões em subvenções (tal como Merkel e Macron tinham proposto) e 250 mil milhões em empréstimos em condições favoráveis.
A presidente da Comissão Europeia defendeu no Parlamento Europeu que se cada país fosse deixado, à sua conta, a gerir a recuperação, esta retoma seria necessariamente “incompleta, desequilibrada e injusta”. Por isso, o programa batizado “Next Generation EU” vai avançar com apoios aos países – em fundos reembolsáveis e não-reembolsáveis (fundo perdido) – tendo por base o “poderoso e moderno orçamento de longo prazo da União Europeia”.
Saiba com que linhas se cose este plano, ponto por ponto.
Quanto dinheiro vale o programa? E quem paga (e como)?
Estão em causa 750 mil milhões de euros, que acrescem ao orçamento comunitário de 1,1 biliões de euros para os próximos sete anos. Ou seja, no total, estão em causa 1,85 biliões de euros – graças a esse reforço anunciado esta quarta-feira.
Como é que isto vai ser pago? Tratando-se do orçamento comunitário, os países com as contribuições mais elevadas vão acabar por pagar uma parte maior da fatura, o que significa que em termos proporcionais irão contribuir com mais do que aquilo que receberão. É dessa forma que se tentará nivelar o esforço solidário para resistir à crise – vai ser levantado o limite máximo das contribuições nacionais de 2%, o que ajudará a União Europeia a endividar-se, na medida do necessário, nos mercados financeiros gozando do rating comum (incluindo, claro, o rating de países como a Alemanha).
Mas as receitas da UE também vão ser reforçadas, no âmbito deste esforço. Está previsto, também, que possam ser introduzidos impostos ao nível europeu, que ajudem a pagar este esforço adicional do orçamento comunitário. Entre esses impostos (isto é, receitas, do ponto de vista da UE) estão impostos sobre os plásticos, um impostos sobre os serviços digitais e impostos recolhidos a nível nacional sobre as empresas. Além disso, a tributação carbónica poderá desempenhar um papel e haverá uma taxa sobre a importação de bens produzidos em países com exigências carbónicas (ao nível da emissão de CO2) menos robustas do que a União Europeia.
Está, também, em cima da mesa a hipótese de os países entregarem mais das receitas de IVA para o orçamento europeu.
A ideia é que os fundos sejam reembolsados através dos futuros orçamentos europeus, começando “nunca antes de 2028” e acabando “nunca depois de 2058”, diz o comunicado de imprensa divulgado pela Comissão Europeia.
Quanto é que Portugal pode receber?
Nos termos propostos, Portugal poderá receber 26,3 mil milhões de euros em subvenções e empréstimos no âmbito do Fundo de Recuperação, que ascende a um total de 750 mil milhões de euros. Segundo documentos a que a agência Lusa teve acesso, Portugal poderá ter acesso a um total de 15,5 mil milhões de euros em subvenções (distribuídas a fundo perdido) e a 10,8 mil milhões de euros sob a forma de empréstimos concedidos em condições favoráveis.
É muito ou pouco, que Portugal vai receber? De acordo com a mesma fonte, os países mais afetados pela pandemia de covid-19, Itália e Espanha, poderão receber, respetivamente, 172,7 mil milhões de euros (81,8 mil milhões de euros em subsídios e 90,9 mil milhões em empréstimos) e 140,4 mil milhões de euros (77,3 mil milhões de euros em subsídios e 63,1 mil milhões em empréstimos).
Para a chave de alocação dos empréstimos – numa base voluntária, ou seja, os Estados-membros é que decidem se os solicitam -, foi tido em conta o Produto Interno Bruto ‘per capita’ e o nível de dívida, tendo neste caso Portugal sido colocado no grupo de países com um PIB ‘per capita’ abaixo da média da UE e “dívida elevada”.
Quais são os principais eixos da proposta?
Os subsídios a fundo perdido serão canalizados através de quatro canais, três dos quais novos: o REACT EU (nova iniciativa de apoio à coesão), a Ferramenta de Recuperação e Resiliência, o novo Fundo para uma Transição Justa e através do Desenvolvimento Rural.
A Ferramenta de Recuperação e Resiliência, um mecanismo novo, terá um orçamento de 560 mil milhões – que diz respeito tanto a subvenções como empréstimos. É daqui que vão sair os investimentos que os países considerarem “essenciais para uma recuperação sustentável”. Caberá a cada país conceber um plano nacional, com base naquilo que são as prioridades de investimento e reformas identificadas para cada país no chamado “Semestre Europeu” e das iniciativas de modernização digital e ambiental.
Outro mecanismo novo é o chamado REACT EU, uma nova iniciativa de apoio à coesão que terá um orçamento de 55 mil milhões, disponível já a partir de 2020. Esse orçamento será distribuído de acordo com uma regra de repartição criada especificamente para esta pandemia e que vai levar em consideração quais foram os países que sofreram maior impacto da pandemia – um critério relativamente subjetivo sobre o qual ainda não existe informação adicional.
O terceiro mecanismo novo é o Fundo para uma Transição Justa, que vai receber “financiamento adicional” – até 40 mil milhões de euros – para ajudar os países a acelerarem as medidas de benefício climático e neutralidade climática. Este financiamento será feito a par do Fundo Agrícola Europeu para o Desenvolvimento Rural, que recebe até 15 mil milhões adicionais para “ajudar as zonas rurais a fazer as mudanças estruturais necessárias, em linha com o ‘European Green Deal'”.
O plano inclui, também, um conjunto alargado de incentivos ao investimento empresarial.
Esta é a proposta. E o acordo para que a proposta siga em frente?
A proposta técnica da União Europeia cose-se com estas linhas – tendo já o acordo entre Merkel e Macron avançado qual seria o principal número de todo o programa: os 500 mil milhões em reforço do orçamento comunitário que será distribuído a “fundo perdido”. Mas vários países europeus, os chamados “quatro frugais” (Países Baixos, Áustria, Suécia e Dinamarca) já manifestaram a sua discordância perante a possibilidade de emissão de dívida conjunta ou, neste caso, um reforço significativo das contribuições para o orçamento comunitário.
A Comissão Europeia defende que “um acordo político rápido em torno do NextGenerationEU e o quadro comunitário para 2021-2027, ao nível do Conselho Europeu, até julho, é necessário para dar novo dinamismo à recuperação e equipar a UE com uma ferramenta poderosa para ajudar a economia a restabelecer-se e a preparar-se para o futuro”. Ou seja, a bola volta para Angela Merkel, Emmanuel Macron e os demais líderes políticos do Conselho Europeu, incluindo António Costa.
António Costa diz que a proposta é “ambiciosa” e está à altura das circunstâncias
Ora António Costa classificou, desde logo, como “ambiciosa” a proposta da Comissão Europeia, que diz estar “à altura do desafio que a Europa enfrenta” com a crise económica e social. “Esta proposta”, salientou Costa, “abre a porta ao reencontro do Projeto europeu com os Europeus. Cabe agora ao Conselho não frustrar esta esperança”. Num aviso claro ao já conhecido por “quarteto frugal” constituído por Áustria, Holanda, Suécia e Dinamarca.
Para o governante português o reforço do Quadro Financeiro e Plurianual em 7150 mil milhões de euros “é uma resposta robusta à crise sanitária, económica e social”, segundo afirmou numa série de tweets que publicou esta tarde. A proposta apresentada por Ursula von der Leyen prevê que este reforço seja assegurado pela emissão de dívida pela União Europeia e uma grande fatia (500 mil milhões) a fundo perdido. Este valor vai somar-se aos 540 mil milhões de financiamento já aprovados.
E deixou um apelo: “Cabe agora ao Conselho não frustrar esta esperança”. Leia-se: a bola está do lado dos “frugais”, porque os outros já aceitam, com mais ou menos reservas, este modelo.