Naquela que terá sido, provavelmente, a última entrevista como ministro das Finanças, Mário Centeno começou por passar um mau bocado para explicar as dúvidas sobre o “timing” da sua saída. Repetiu uma e outra vez que se deve ao “fim de um ciclo” – contextualizando que é agora que termina o seu mandato como presidente do Eurogrupo. E disse que o momento da sua saída foi “construído ao longo do tempo em conjunto com o primeiro-ministro”, “num contexto de grande responsabilidade em relação às sucessivas tarefas que o ministro das Finanças tem para desempenhar”.

Questionado sobre o porquê de sair no decorrer daquilo que se prevê ser uma enorme crise económica causada pela pandemia de Covid-19, Centeno refugiou-se novamente no “fim de ciclo” – argumento que já tinha sido usado pelo primeiro-ministro quando anunciou a sua substituição por João Leão, na terça-feira – e na questão do Eurogrupo, onde nesta mesma quinta-feira se despediu dos seus homólogos da Zona Euro.

“É o fim de um ciclo e de um mandato no Eurogrupo”, insistiu Mário Centeno na entrevista à RTP.

O ainda ministro Mário Centeno – o seu secretário de Estado João Leão só toma posse na segunda-feira – rejeitou ainda que a sua saída tenha a ver com uma eventual deterioração da relação com o primeiro-ministro, amplamente noticiada devido ao incidente da injeção de 850 milhões de euros no Novo Banco, em que Centeno chocou de frente com António Costa – praticamente entrando em contradição com o chefe do Executivo – e com o presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.

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Centeno reiterou que nunca teve uma má relação com António Costa e que “todas as leituras que têm sido feitas sobre a minha relação com o primeiro-ministro são, obviamente, descontextualizadas”. “Não houve nenhuma deterioração dessa relação. Nem podia haver. Nem seria sério que assim fosse”, disse.

Ainda assim, admitiu que houve uma “relação tensa, mas saudavelmente tensa” com o primeiro-ministro. ”É necessário combinar inúmeras, dezenas de prioridades e a forma de o fazer é: compete ao primeiro-ministro escolher essas prioridades e ao ministro das Finanças enquadrá-las orçamentalmente”, sublinhou.

Mas deixou de se identificar ou não com as políticas do Governo? “Não”, diz Centeno. “Obviamente que há escolhas e essas são feitas por quem lidera o governo”.

Num dos últimos episódios do incidente da injeção no Novo Banco – no qual o presidente Marcelo Rebelo de Sousa tomou o lado do primeiro-ministro – Centeno e Costa reuniram-se em São Bento ao final da noite, numa reunião em que terão acertado que o ministro sairia após a aprovação do Plano de Estabilização Económica e Social e do Orçamento Suplementar (algo que veio a acontecer exatamente assim, mas imediatamente após a reunião do Conselho de Ministros em que foi aprovado o documento).

Ainda assim, na entrevista ao jornalista da RTP João Adelino Faria, Centeno negou que tenha entrado nessa reunião “com a intenção [de se demitir do cargo]”. E rejeitou que tenha sido empurrado para fora do cargo por Marcelo Rebelo de Sousa, quando o presidente alinhou por António Costa na explicação de que a injeção de capital no Novo Banco necessitava de uma auditoria adicional. Uma posição que Centeno sempre disse que não fazia parte do contrato e que isto era do conhecimento do Governo.

E alguma vez sentiu “falta de apoio” do Presidente da República? Centeno repetiu várias vezes que tem “uma relação institucional” com Marcelo Rebelo de Sousa. “Eu não tenho de filtrar esse apoio institucional, isso é feito pelo primeiro-ministro, em todos os momentos dos dois mandatos eu não tive nenhuma dúvida de que tinha feito aquilo que me tinha comprometido fazer, aquilo que estava no programa do Governo”. Também não revelou se alguma vez o chefe de Estado lhe pediu para não sair do Governo.

Sobre o seu futuro, também envolto em polémica devido à possibilidade de ir para o Banco de Portugal substituir – já em julho – Carlos Costa no assento de governador, Mário Centeno disse que já falou com Costa sobre isso. E, tal como em outras ocasiões (aliás, quase não houve entrevista sua nos últimos tempos em que não lho tivessem perguntado), rejeitou qualquer incompatibilidade.

“Eu sou funcionário do Banco de Portugal. Essa decisão compete ao próximo ministro das Finanças e ao Governo tomar. Falámos sobre essa matéria, mas essa é uma matéria do Governo e não me compete a mim”, disse.

Mas sublinhou que seria um cargo que qualquer economista – exatamente a sua formação – gostaria de desempenhar. “É um cargo que é muito importante para o país, que não vai perder importância nos próximos anos e que qualquer economista poderia gostar de desempenhar”. Par logo ressalvar: “Só estou a qualificar o cargo, espero que isto possa ser entendido dessa maneira”.

Incompatibilidades? “Depois de ter sido presidente do Eurogrupo e ministro das Finanças, quais são os cargos que me reserva sem incompatibilidades nesse critério de decisão?”, perguntou Centeno. “Não há nenhum país que eu conheça que tenha esse género de incompatibilidade escrita em normas”. “Ser governante não é propriamente um cadastro”, rematou.

E recorreu à sua última linha de defesa: outros já o fizeram antes de mim, quer na Europa quer com outros partidos em Portugal, nomeadamente no PSD, que agora critica essa possibilidade. “Em Portugal aconteceu exatamente a mesma situação, três governantes do PSD assumiram cargos desta natureza [no Banco de Portugal ou reguladores] após terem sido governantes. Temos de tentar retirar um pouco dessa dimensão. E entender que o país não pode impor-se mais restrições a si próprio”.