É um mistério ainda por esclarecer e para o qual nem os peritos adiantam mais do que hipóteses. No início desta semana, os principais responsáveis políticos juntaram-se com parceiros sociais e especialistas de saúde e saíram da reunião sem certezas quanto a uma dúvida: porque é que na região de Lisboa e Vale do Tejo continuam a ser detetados tantos casos diariamente? Será apenas por estarem a ser feitos muitos testes?
Esta sexta-feira, em mais uma das conferências de imprensa diárias de monitorização da evolução da pandemia do novo coronavírus, a Diretora Geral da Saúde não deu uma resposta concreta, mas levantou uma hipótese. Questionada por um jornalista sobre o porquê de tantos casos positivos de infeção detetados diariamente em Portugal, face a outros países onde a redução no aumento de novos casos tem sido mais consistente — segundo o JN, Portugal é o segundo país da UE com mais casos nos últimos 14 dias —, Graça Freitas respondeu:
Tem a ver com a política de deteção dos casos, não só nos últimos rastreios, mas pela procura muito ativa dos casos.”
A Diretora Geral da Saúde notou ainda um pormenor que pode contribuir para alimentar a tese de que em Portugal o número elevado de testes contribui decisivamente para o número elevado de casos detetados, por estes dias quase todos concentrados na região de Lisboa e Vale do Tejo. “A taxa de letalidade não foi tão elevada como a de outros países extremamente desenvolvidos“, referiu Graça Freitas.
Ora, a taxa de mortalidade tende a ser menor quanto mais intensiva for a política de rastreio (isto é, quanto mais testes foram feitos), dado que em países onde são feitos menos testes o número de infetados que morrem ou desenvolvem sintomas graves de doença é mais representativo. Ao contrário do que acontece em países onde há a tal “procura muito ativa dos casos”, que permite detetar muitos casos de infeções leves e que não resultam em doença ou morte (diminuindo assim a taxa de letalidade).
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Portugal é, neste momento, um dos dez países do mundo com mais de dois milhões de habitantes que mais testes fazem por cada milhão de residentes, seguindo-se a Emirados Árabes Unidos, Dinamarca, Lituânia, Catar, Rússia, Espanha e Reino Unido — e sendo seguido de perto por Bélgica, Singapura, Israel ou Kuwait, de acordo com dados do portal Worldometer. Proporcionalmente, há mais testes de deteção feitos por milhão de habitantes em Portugal do que em países como Itália, Irlanda, EUA, Áustria ou Alemanha e muito mais testes feitos do que no Brasil (que faz perto de 15 vezes menos testes por cada milhão de pessoas).
Ainda assim, o número elevado de infeções detetadas pelas autoridades de saúde na região de Lisboa e Vale do Tejo — que tem concentrado globalmente, e em média, nove em cada dez novas infeções — faz com que vá ser criado um gabinete “dedicado” exclusivamente à região, que “pretende trabalhar de forma mais eficiente e mais rápida, de forma ainda mais organizada e eficiente”, anunciou ainda Graça Freitas na conferência de imprensa.
Há mais de 3.500 profissionais de saúde infetados, 1.154 dos quais enfermeiros
Na conferência de imprensa desta sexta-feira, a secretária de Estado da Saúde, Jamila Madeira, que esteve presente em representação do Governo, avançou ainda com números novos relativos aos profissionais de saúde infetados desde o início do surto.
Ao todo, há 3.556 profissionais de saúde que tiveram testes positivos à deteção de infeção com o SARS-CoV-2, dos quais mais de mil (1.154) são enfermeiros. Há ainda registo de infeções em 1.059 assistentes operacionais de saúde, 505 médicos, 176 assistentes técnicos de saúde e 108 técnicos superiores de diagnóstico e terapêutica.
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Sequelas são para sempre? É muito cedo para dizer. “Estão a ser estudadas”
Outro dos temas abordados na conferência de imprensa desta sexta-feira foi o das sequelas em infetados que desenvolveram a doença e que tiveram de ser assistidos em unidades de cuidados intensivos. Graça Freitas lembrou que a maior parte das pessoas tem um grau de doença ligeiro e que é numa minoria, que passa pelas UCI e que tem de recorrer a ventilação, que “a convalescença é mais demorada”.
As sequelas têm de ser muito bem monitorizadas para saber se persistem para além do período de convalescença, principalmente para os doentes que estiveram ventilados”, referiu a Diretora Geral da Saúde.
Ainda assim é cedo para perceber a duração das sequelas físicas deixadas pela Covid-19 em pacientes que estiveram gravemente doentes, referiu Graça Freitas. “Há alguns estudos dispersos pelo mundo, mas ainda é cedo para tirar conclusões definitivas já que os primeiros casos apareceram a 2 de março. Passou pouco tempo para perceber se são sequelas definitivas, se vão deixar algum grau de incapacidade. Mas estão a ser estudadas”, vincou.
Casamentos? “Não podemos celebrar como fazíamos antes”
Relativamente às regras que devem ser seguidas em casamentos durante esta época de pandemia ativa, a Diretora Geral da Saúde lembrou esta sexta-feira que “está em vigor legislação que diz que não se devem juntar mais de 20 pessoas. Abriram-se exceções nos funerais, quando todos pertencem à mesma família. Nos casamentos e batizados observam-se as mesmas regras. Se pertencem a agregados familiares diferentes, não se devem juntar“.
No caso concreto de casamentos e batizados, há regras que se aplicam à restauração e que se aplicam a estes acontecimentos”. Por exemplo?
Podem dançar? Se estiverem distantes, o salão for grande e forem poucas pessoas, não podemos ser fundamentalistas.” Porém, “não podemos celebrar estas festas como fazíamos antes”.
Peregrinações a Fátima. DGS recomenda “muito cuidado”
Também a peregrinação de 12 e 13 de junho — portanto, desta sexta-feira e deste sábado — em Fátima mereceu palavras de Graça Freitas. A Diretora Geral da Saúde apelou a que se imponham “novas regras e novas formas de viver e de estar” também neste contexto.
“Podemos rezar e peregrinar, mas sempre com uma nova forma de estar”, apontou ainda, deixando um “apelo” quer a quem organiza, quer a quem participa: “Tenham muito cuidado”.
Já relativamente a empresas (como a DHL) onde há pessoas que são casos suspeitos de infeção que continuam a trabalhar, Graça Freitas preferiu falar globalmente, dizendo que nos rastreios feitos até à data houve “rapidez”. E acrescentou que a indicação que tem é que as autoridades de saúde têm determinado o confinamento a todos os que tenham estado em contacto próximo com alguém contagiado. “Pode ter acontecido que pessoas da mesma empresa não tenham tido contacto próximo com a pessoa infetada”, referiu, notando que “confinar e isolar pessoas não depende do teste” positivo ou negativo mas da suspeição sobre uma eventual infeção.