Uma viagem pela região Centro de Portugal não se faz apenas de visitas a monumentos que marcaram eras, de passeios por paisagens de tirar o fôlego, de sessões gastronómicas inesquecíveis ou de oportunidades para subir o nível de adrenalina no corpo. Passa também por passeios sem pressa por algumas das ruas mais bonitas do país. Ruas que nos surpreendem pela sua fotogenia, pela forma como todos os seus elementos se alinham para formarem a recordação perfeita, e pela forma como foram usadas como tela em branco por artistas que ali expuseram toda a sua criatividade e talento.
Águeda, onde a arte é vista por baixo
Águeda começou a cobrir-se de guarda-chuvas coloridos em 2012. Desde então, todos os anos, durante o mês de julho, a Rua Luís de Camões veste-se de cor sob o nome de Umbrella Sky Project, inserido no festival de arte AgitÁgueda. As imagens das ruas coloridas percorreram o mundo, tornando a iniciativa tão popular que acabou por ser replicada noutros países. O que começou por ser visto como uma forma de atrair mais consumidores ao comércio tradicional do centro da cidade, acabou por colocar Águeda na rota do turismo mundial, com a Rua Luís de Camões a ser incluída numa lista da CNN das ruas mais bonitas do mundo. Este programa coloriu escadas, como as que podemos ver na fotogaleria abaixo, percorreu paredes de edifícios antigos, bancos e o céu com guarda-chuvas de todas as cores. Águeda tem, hoje, mais de 30 pontos com pinturas e instalações artísticas com obras de artistas como Milo, Bordalo II, Tiago Gomes, The Caver, na Praça Conde de Águeda, entre outros. Aproveite a viagem para visitar Pateira de Fermentelos, a maior lagoa natural da Península Ibérica.
Aveiro e as suas paredes contadoras de histórias
Uma visita a Aveiro não deixará nenhum amante de arte urbana indiferente. A irreverência e originalidade do artista VHILS estão aqui também presentes numa obra criada em frente à Estação Ferroviária da cidade. Usando a técnica de assinatura inserida no seu projeto artístico “Scratching the Surface”, que consiste na remoção da camada superficial de paredes, o artista utilizou o interior e o exterior de uma fachada de Aveiro para a criação de um retrato irrepreensível.
Aveiro afirma-se como tela de arte urbana, adicionando à obra icónica de VHILS várias outras de artistas também reconhecidos, como o premiado cabo-verdiano António Conceição – cuja obra que se encontra junto à de VHILS, em frente à estação ferroviária, se tornou viral nas redes sociais -, Kest, que demonstrou o seu talento no Arco do Comércio, e o italiano Millo – cuja obra deixada na Rua Vale do Senhor se destaca pelo seu elevado pormenor. Aproveite ainda para conhecer o trabalho dos espanhóis Jorge Peligro e Icha Bolita, no Parque Infante D. Pedro, são pontos de passagem obrigatórios numa rota de arte urbana pela cidade de Aveiro.
Coimbra, uma homenagem a quem faz parte
Pela mão e talento do artista João Samina, várias fachadas de Coimbra, desde a Praça 8 de Maio à Avenida Emídio Navarro, cobriram-se de retratos dos antigos proprietários e funcionários da Fábrica de Lanifícios de Santa Clara. A iniciativa intitulada “FIO | Memórias como Matéria-Prima” foi lançada pela Câmara Municipal de Coimbra por ocasião da reabertura do Convento de São Francisco em 2016. Coimbra é uma cidade que, além da arte urbana, está repleta de história, de cultura, de literatura, de vida. É o local perfeito para se deixar perder num fim de semana prolongado e conhecer um pouco do nosso país.
Leiria, caminhos tortos por ruas direitas
“A rua direita é torta, os sinos estão fora da Sé, o rio corre ao contrário – em Leiria tudo assim é,” diz o ditado popular. Ao percorrer o centro histórico de Leiria, ver-se-á a percorrer, obrigatoriamente, a Rua Direita, uma das antigas principais artérias do centro da cidade, que ainda mantém traços da sua origem medieval. Poderá perguntar por “rua direita”, mas na verdade, o que ali encontrará é a Rua Barão de Viamonte.
De direita tem muito pouco, já que, com os seus traços medievais, vêm linhas tortas e sinuosas. Em tempos percorrida por Eça de Queirós, no seu caminho de casa para a Casa da Administração do Concelho, no Largo da Sé, a rua mereceu também lugar na sua obra “O Crime do Padre Amaro”, fazendo parte do percurso feito pelo Padre até à Sé. Não será de espantar que aqui se encontre, entre várias lojas de roupa alternativa e vintage, restaurantes fantásticos, antigas chapelarias, cestarias e vários murais de arte urbana, um café gourmet dedicado ao famoso romancista português. É ainda na Rua Direita que encontrará o “Festival a Porta”, onde as portas desta rua se abrem para mostrar uma cidade que se reinventa ao longo do tempo e que dá espaço às novas correntes artísticas.
É em Leiria também que acontece o evento “Leiria, paredes com história: ARTE PÚBLICA”. Numa tarde, pode percorrer a história da cidade através de arte pública e perder-se na cultura existente em Leiria. Este evento é uma espécie de “galeria a céu aberto”, que conta com nomes incontornáveis de street art mundial. Além desta componente, há ainda um espaço físico, a “M ● Gallery & Studio”, situada na Rua Comandante João Belo, nº 31A, em Leiria, onde muitos destes artistas podem ser vistos num registo indoor.
Caldas da Rainha na rota Bordalliana
Ainda nas Caldas da Rainha, pode encontrar o festival o Festival Artístico de Linguagens Urbanas (FALU), o primeiro a ser feito na cidade e que tem como objetivo difundir a arte pública num contexto que sensibilize a região para estéticas diferentes. O nome FALU surge pela semelhança fonética entre o elemento figurativo característico da cidade, o falo. Numa parceria entre a Câmara Municipal das Caldas da Rainha e a Associação Riscas Vadias, o Festival decorrerá entre 9 de junho e 15 de outubro de 2020, nas Caldas da Rainha. O festival decorrerá entre 9 de Junho e 15 de Outubro de 2020 nas Caldas da Rainha.
Aproveite a visita à cidade para fazer a rota Bordalliana, a rota cultural dedicada a Bordallo Pinheiro, num projeto da autoria da Câmara Municipal das Caldas da Rainha. É aqui que vai encontrar peças espalhadas pelas ruas da cidade de personagens como o famoso Zé Povinho, o Padre Cura, rãs, gatos, sardões, caracóis, folhas de couve, entre outros.
Ovar, o maior museu de azulejo ao ar livre
Quantas vezes não terão as fachadas cobertas de azulejo em Ovar sido fotografadas por turistas nacionais e internacionais ao longo dos anos? Aqui, cada rua é vista como uma sala de museu, onde os inúmeros painéis de azulejo que cobrem as fachadas dos seus edifícios podem ser admiradas ao ar livre. As suas origens vão desde meados de 1800, altura em que os azulejos, normalmente azuis ou amarelos, eram pintados à mão-livre, até ao século XX, altura em que os azulejos passaram a assumir cores fortes e elementos florais.
A cidade, consciente da importância e interesse histórico e artístico dos seus azulejos, criou um Atelier de Conservação e Restauro de Azulejo que se dedica exclusivamente à conservação dos painéis espalhados pela cidade, em particular os localizados entre a Praça da República, o Largo Mouzinho de Albuquerque e o Largo Família Soares Pinto. Esta é a garantia de que Ovar continuará a ser a cidade-museu vivo do azulejo, deslumbrando por muitos anos futuros os seus visitantes com os seus mais de 800 painéis de azulejos incrivelmente bem preservados.
Aldeia do Piódão e as suas ruas perdidas no tempo e na serra
Numa viagem pelas ruas mais encantadoras da região centro de Portugal, não poderíamos deixar de sugerir uma visita à Aldeia Histórica de Piódão. A pitoresca Aldeia, localizada em plena Serra do Açor, no distrito de Coimbra, é composta por várias ruas sinuosas e estreitas onde o xisto é elemento essencial.
A única interrupção cromática no castanho que banha a aldeia é o azul que pinta muitas das portas das suas casas. Se se pergunta sobre o porquê desta cor em particular, a resposta é surpreendentemente simples e prática: diz-se que a única loja que fornecia a população local só tinha tinta azul. Dada a dificuldade de acesso e deslocação, esta acabou por ser a cor que viria a fazer parte dos elementos únicos de Piódão.
Estarreja e a “invasão” dos artistas urbanos
Estarreja é uma cidade que, desde 2016, é um dos focos de arte urbana no país. Através do ESTAU, o festival Estarreja Arte Urbana, a cidade transpira arte urbana. É aqui que encontra o trabalho de Artur Silva aka Bordalo II, que criou, a partir de desperdícios e lixo industrial, um guarda-rios, o pássaro da região. Pode vê-lo no Parque Municipal de Antuã. É também em Estarreja que encontra a obra de Add Fuel, o português Diogo Machado, de Millo, do lisboeta The Caver, entre outros, como a representação de D. Florinda, de Vhils. Nesta espécie de explosão de arte urbana na cidade, dá-se voz a quem vive e visita Estarreja.
Covilhã, o centro da Arte Urbana
Se decidir passear na Covilhã, saiba que é uma cidade onde dificilmente não encontrará o talento de vários artistas de street art espelhados em murais, em ilustrações, em fotografia, em grafittis, etc. O intuito destas obras é claro: dinamizar zonas mais antigas e degradadas e promover espaços esquecidos. É por isso que a Covilhã é considerada um verdadeiro “museu” ao ar livre. Graças ao festival WOOL – festival de Arte Urbana da Covilhã, iniciado em 2001, a cidade tornou-se no verdadeiro centro da Arte Urbana, e conta com obras de artistas vários como Add Fuel, Bordalo II, Bosoletti, BTOY e Draw. Para quem aprecia arte urbana, Covilhã é uma paragem obrigatória e que merece várias fotografias às obras expostas nas ruas.
E, já que estamos na Covilhã, é o momento perfeito para se deslocar até ao Fundão e conhecer a arte urbana por lá presente e as obras nascidas através do projeto “Fund’Arte – Aldeias Criativas”. É nesta cidade e, mais concretamente, nas aldeias desta cidade, que vai perceber o papel da arte.
Continuando por estes lados, a arte urbana leva-o até à cidade mais alta de Portugal, Guarda, que também tem espalhada pela cidade projetos que valem a pena serem analisados e apreciados.
Tomar, terra de Templários
Seguimos viagem em direção a Tomar, a cidade desenhada em 1160 por Gualdim Pais, mestre da Ordem do Templo. Percorrer as ruas desta cidade é viajar atrás no tempo, atravessando séculos até épocas medievais. Tomar, e em especial o seu centro histórico, construído à volta da Praça da República, constitui hoje um dos locais mais importantes do mundo relacionados com a história templária. O Castelo dos Templários, o Convento de Cristo e a Igreja de Santa Maria do Olival permanecem até aos dias de hoje como testemunhos da presença e influência templária na cidade. O plano da cidade medieval organiza-se em cruz com o 4 braços apontando para os 4 pontos cardeais, marcados pelos 4 conventos da cidade.
A história presente nas ruas de Tomar atravessa vários séculos. Na rua Joaquim Jacinto, antes conhecida como Rua Nova, encontra ainda a mais antiga judiaria de Portugal, datada de meados do século XV. A Sinagoga, o único templo hebraico proto-renascença do país, encontra-se hoje convertida no Museu Luso-Hebraico de Abraão Zacuto.
Ainda nesta cidade nabantina, é de destacar o “Com-Templ.-Arte”, evento de arte pública urbana, que contribui não só mas também, para a afirmação e reconhecimento da identidade de Tomar através da representação e homenagem ao património histórico edificado e natural, ao património imaterial e a figuras históricas tomarenses.
Depois de Tomar, aproveite para visitar Abrantes e conhecer o projeto 180 Creative Camp, pertencente ao Canal 180. É aqui que os estudantes de artes visuais dão largas à imaginação e abrem os seus horizontes, num espaço também ideal para fazer novos amigos e passar dias de verão mais criativos.
Viseu, um olhar criativo sobre a sua história e tradições
Na rota da arte urbana no centro de Portugal, Viseu, a cidade-Jardim, ocupa lugar de destaque. São vários os artistas que, tomando como base de inspiração o património histórico e vinícola da região, espalharam obras magníficas de arte urbana nas fachadas e paredes da cidade.
Uma das obras mais conhecidas da cidade é a do lisboeta AKA Corleone (Pedro Campiche) localizada no Bairro da Balsa. No desenho de cores vivas, que ocupa uma parede inteira da fração B do bairro, o artista incluiu o nome “Balsa City”, a pedido dos seus habitantes. A esta juntou-se, entretanto, uma obra de Kruella d’Enfer (Ângela Ferreira), pintada no bloco A do bairro, que se apresenta como um jardim imaginário de cores fortes e vibrantes.
Seguindo caminho pelas ruas de Viseu, encontrará uma pintura de Mariana, a Miserável, que libertou a sua criatividade numa obra alusiva à cultura vinícola da região no Largo Pintor Gata e ainda de Draw, que deixou a sua marca na cidade através do rosto de uma mulher a segurar um cacho de uvas na icónica Rua Augusto Hilário, rua para percorrer e descobrir casas sobradas, janelas manuelinas e, claro, a casa onde nasceu Augusto Hilário, fadista do séc. XIX e uma grande referência no meio.
Conhecer um destino passa por perder-se nas suas ruas, descobrindo cantos, detalhes e curiosidades que lhe darão uma visão única sobre as suas tradições e história. Aproveite para conhecer uma das ruas mais emblemáticas da cidade, a Rua Direita, a principal artéria comercial da cidade. Tem cerca de 500m de extensão e era, há 2000 anos (no período romano), o principal eixo viário da cidade romana, o Cardus Maximus. Viseu passa também por abrir os olhos e horizontes através de linguagens visuais únicas que, ao decorarem paredes e fachadas, nos despertam os sentidos para tudo o que a cidade tem para nos dizer. E acredite, se há algo que não falta nas ruas das cidades e aldeias da região Centro de Portugal, são histórias para contar.
Saiba mais sobre este projeto
em https://observador.pt/seccao/centro-de-portugal/