O economista Ricardo Cabral defende que, entre 2013 e 2019, a gestão da dívida pública portuguesa pelos vários governos foi “incorreta e dispendiosa”, evitando que Portugal beneficiasse de juros baixos.
Na publicação “O Estado da Nação e as Políticas Públicas 2020”, organizada pelo ISCTE, o economista defende que sendo sabido que Banco Central Europeu (BCE) iria iniciar o seu plano de compra de ativos em 2015, “e que tal contribuiria para estabilizar as taxas de juro e para reduzir o risco de refinanciamento da dívida”, o Governo errou.
“A estratégia de gestão da dívida do Governo foi incorreta e dispendiosa. Com efeito, quando as taxas de juro já caíram para níveis historicamente baixos em 2019, o Governo não pôde beneficiar plenamente das taxas de juro mais baixas, porque tinha emitido demasiada dívida de médio e longo prazo entre 2014 e 2018”, argumenta Ricardo Cabral.
Segundo os cálculos do economista, os sucessivos governos e o IGCP [Agência para a Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública], ao optarem por emissões com maturidades mais elevadas entre 2014 e 2018, fizeram custar ao país “cerca de 5% do PIB [Produto Interno Bruto] (10 mil milhões de euros) mais do que o necessário, senão mais”.
“Ou seja, 1% do PIB por ano, penalizando as contas públicas e a dinâmica da dívida pública, além do crescimento da economia. Os défices e a dívida teriam sido inferiores se a estratégia de gestão da dívida pública tivesse sido outra”, considera o também professor da Universidade da Madeira (UMa).
O académico refere também que esta política também contribuiu para o aumento da austeridade, levando a “graves consequências sociais e económicas”, por também ter ocorrido “na fase orçamentalmente mais exigente do ‘programa de ajustamento'”.
“Isto é, os governos acomodaram no Orçamento do Estado despesa para financiar aumentos de maturidade média da dívida, enquanto, simultaneamente, estavam obrigados a implementar cortes noutras rubricas de despesa, como investimento público, pensões de reforma, emprego público e salários dos funcionários públicos”, defende Ricardo Cabral.
Segundo o economista, a estratégia de constante aumento das maturidades “tem custos elevados”, pois maturidades mais longas apresentam “taxas de juro mais elevadas do que a dívida emitida com maturidades mais curtas”.
“Essa estratégia de redução de risco de refinanciamento através do aumento da maturidade da dívida traduz-se numa ‘aposta’ de que as taxas de juro irão subir muito no futuro”, algo que caso não aconteça, como tem acontecido fruto da política do BCE, “resulta em significativas perdas financeiras”.
O professor universitário classifica a política de gestão da dívida pública portuguesa “incipiente e insatisfatória, baseando-se, nos seus elementos determinantes, em conceitos subjetivos (‘prudência’) e perceções incorretas (‘o aumento da duração de um instrumento de dívida é sempre positivo porque equivalente à aquisição de um seguro que protege contra a entrada em incumprimento’) e não em indicadores quantitativos”.
Ricardo Cabral considera que apesar do controlo parlamentar através da Comissão de Orçamento e Finanças (COF), as opções da política de gestão da dívida pública “escapam ao escrutínio democrático e ao controlo do processo orçamental, não enfrentando restrições orçamentais efetivas, nomeadamente porque a despesa com juros não é discriminada nas suas componentes”.
“A política de gestão da dívida pública é uma das mais importantes políticas públicas porque, em momentos chave, condiciona e subordina todas as restantes”, sublinha o economista.
O parlamento tem agendado para sexta-feira o debate do Estado da Nação.