Em Itália, país severamente atingido pela pandemia do novo coronavírus, engalanar uma praça e meter uma pequena orquestra a tocar ao vivo num coreto, tem um significado especial. Mais do que regressar à normalidade, é retomar um hábito vital para a cultura de um povo, o da celebração. Não é por acaso que a plateia que, na noite da última quarta-feira, assistiu ao desfile da coleção resort 2021 da Christian Dior, na Piazza del Dumo, na cidade de Lecce, foi maioritariamente composta por locais.

Na primeira fila ou a partir das varandas das suas casas, foram dos poucos a assistir ao vivo ao espetáculo que parou a cidade, situada no salto da bota italiana. Além dos poucos clientes da marca, do batalhão de manequins e da equipa que tornou o desfile possível, o resto do mundo assistiu a tudo à distância.

Dior Cruise 2021 - Runway

© Stefania D’Alessandro/WireImage

Na base da coleção, tal como no espetáculo que agitou o serão dos cerca de 20 milhões que seguiram a transmissão, estiveram as tradições e o saber fazer locais. “É importante que os locais percebam o valor da sua tradição”, afirmou Maria Grazia Chiuri, diretora criativa da maison, durante uma conferência de imprensa via Zoom.

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Italiana de Roma, mas com as raízes paternas na região de Puglia, Chiuri tem feito das coleções resort verdadeiras odes às artes locais — no ano passado o destino foi Marraquexe. Há quatro anos ao leme de uma das mais emblemáticas casas parisienses, a designer nunca quis que o universo Dior se limitasse à sua própria herança. Tem preferido, em vez disso, explorar novas técnicas e artesãos, bem como incorporar valores à partida alheios ao pronto-a-vestir.

“Em Paris, eles orgulham-se imenso da sua tradição, a moda faz parte da herança cultural. Mas em Itália não temos a mesma atitude. Provavelmente, porque essas tradições são perpetuadas por mulheres, nas suas casas, e por isso existe a ideia de que é um trabalho doméstico. Não é visto como um trabalho criativo, logo não lhe é dado o mesmo valor. Não é celebrado”, explicou Chiuri. “Com este desfile, espero apresentar um ponto de vista diferente à população local. Não é só um diálogo com a nossa audiência lá fora, é um diálogo com o território”.

Coube à artista Marinella Senatore desenhar o cenário — arcos, colunas e frisos de luz e cor, cujos motivos foram adaptados a algumas peças do desfile. Numa fundação local — Le Costantine — foram produzidas todas as peças em tecelagem. Bordados locais, couros trabalhados e lenços na cabeça remeteram para códigos da cultura desta região italiana, voltada para o Adriático. Orquestra e companhia de dança não foram deixadas ao acaso, também elas são grupos locais.

O desfile da Christian Dior aconteceu um dia depois da Valentino ter apresentado a sua coleção de alta-costura através de uma performance em estúdio. A própria semana da alta-costura de Paris decorreu maioritariamente em formato digital. Gigantes como a Chanel e a Louis Vuitton optaram igualmente por apresentar as suas coleções resort (ou cruise) através de um vídeo e de uma produção fotográfica, respetivamente.

Foi neste contexto que a marca francesa montou um desfile, a centenas de quilómetros da grande capital da moda. Um lado da moda que a Dior não quer deixar morrer, mesmo que a atual pandemia leve a esforços redobrados. “As pessoas têm de fazer o que é melhor para as suas marcas, mas a Dior vive do brilho e da energia dos seus desfiles desde 1946. É o nosso ADN, é o nosso negócio”, afirmou Pietro Beccari, CEO da marca, em declarações à Vogue.

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FILIPPO MONTEFORTE/AFP via Getty Images

A próxima paragem é Xangai. Na próxima semana, inaugura “Christian Dior: Designer of Dreams”, no Long Museum West Bund, a maior exposição alguma vez feita pela maison. Ficará patente até ao dia 4 de outubro. Para já, espreite as imagens do desfile desta quarta-feira, na fotogaleria.