O embaixador do Brasil em Angola afirmou que o presidente angolano garantiu ao seu homólogo brasileiro que o diferendo na Igreja Universal do Reino de Deus terá o “tratamento adequado” e reiterou a “excelência” das relações entre os dois países

Em entrevista à Lusa a propósito do conflito que opõe a Igreja Universal do Reino de Deus em Angola a um grupo de dissidentes angolanos, o diplomata adiantou que João Lourenço já respondeu à carta que lhe foi enviada, no dia 11 de julho, pelo seu homólogo brasileiro Jair Bolsonaro em que este solicitava uma maior proteção de membros da IURD, “a fim de garantir sua integridade física e material e a restituição de propriedades e moradias”.

Escusando-se a entrar em detalhes, Paulino Franco de Carvalho, que manteve contactos diplomáticos de alto nível na semana passada afirmou que o chefe de estado angolano respondeu por escrito a Jair Bolsonaro, reiterando “a excelência das relações bilaterais entre os dois países “e assegurando que, no que diz respeito às autoridades angolanas, esta integridade será garantida

Na carta, “o Presidente João Lourenço afiança ao Presidente Bolsonaro que tudo o que diz respeito a esse diferendo entre a IURD aqui em Angola e ex-membros da IURD, o chamado grupo dissidente, terá o tratamento adequado, cabível na justiça angolana”, adiantou à Lusa.

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Paulino Franco de Carvalho assegurou que o objetivo do governo brasileiro e, por extensão, da embaixada “não é imiscuir-se nas decisões tomadas pelas autoridades angolanas”, mas solicitar que sejam protegidos os direitos dos cidadãos brasileiros que vivem em Angola, em particular os da Igreja Universal, sem entrar na disputa entre a direção da IURD e a ala dissidente.

Assim, a intervenção da diplomacia deveu-se, não só à tomada dos templos, mas também ao facto de ter havido atos de violência contra cidadãos brasileiros, e não só, cometidas pelo grupo de dissidentes, frisou o diplomata, indicando que a embaixada recebeu queixas diretamente e através das suas redes sociais, bem como por parte da direção da IURD.

Quanto às “invasões” que se concentraram entre os dias 22 e 23 de junho “foram feitas de modo muito organizado, em todo o país, e não só em Luanda”, pelo que “não houve possibilidade de a polícia intervir tempestivamente”.

Caberá agora à justiça angolana, “tomar as medidas correspondentes para que as queixas crime que foram interpostas pela direção da Universal possam ser acolhidas e esses invasores sejam retirados dos lugares que ocupam, ou seja, haja uma reintegração de posse dessas propriedades”, acrescentou.

Para o embaixador, o que está em causa é a preservação dos direitos dos cidadãos.

Nós não consideramos razoável, nem aceitável, que propriedades alheias, propriedades de terceiros sejam invadidas e não haja reação por parte das forças policiais”, realçou, reafirmando as garantias de que as autoridades darão a necessária segurança às propriedades, sejam os templos ou residências onde moram os membros da igreja.

O conflito na IURD em Angola, que se arrasta desde novembro do ano passado, agudizou-se no mês passado com a tomada de vários templos por parte de bispos e pastores angolanos da Comissão de Reforma da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) que acusam a ala brasileira de crimes e práticas contrárias à religião.

Segundo a Comissão de Reforma, entre os dias 22 e 23 de junho deste ano, os pastores “imbuídos de espírito de fé e bravura decidiram pôr fim às más práticas perpetradas pelo Senhor bispo Honorilton Gonçalves, nomeadamente racismo, arrogância, abuso de poder e de confiança, que culminou com o resgate efetivo dos templos e locais de culto nas 18 províncias de Angola”.

O conflito interno da IURD em Angola tem provocado tensões entre os dois países, com envolvimento direto de ambos os governos.

Os angolanos acusam os brasileiros de irregularidades e práticas contrárias à religião como a vasectomia, racismo e discriminação e romperam, em novembro do ano passado, com a representação brasileira em Angola encabeçada pelo bispo Honorilton Gonçalves.

Em dezembro de 2019, a Procuradoria-Geral da República angolana instaurou dois processos-crime contra a IURD, tendo como base as denúncias feitas por pelo menos 300 pastores angolanos, subscritores do documento.

A IURD, fundada por Edir Macedo em 1977, tem acumulado polémicas um pouco por todo o mundo, incluindo o envolvimento numa alegada rede ilegal de adoções em Portugal, e noutros países lusófonos, como São Tomé e Príncipe, onde os fiéis se revoltaram contra a detenção de um pastor são-tomense num protesto onde foi morto um jovem.

A organização religiosa já esteve na mira da justiça de vários países, além do Brasil, onde Edir Macedo, que construiu um verdadeiro império empresarial e chegou a ser considerado um dos pastores evangélicos mais ricos do país, foi preso, em 1992, sob acusações de charlatanismo e estelionato (burla), que foram mais tarde anuladas.

Em Angola, a IURD, em 2012, já enfrentou um processo na justiça, no qual seis líderes e responsáveis da igreja foram acusados de 10 crimes de homicídio voluntário, pela morte de 10 pessoas, na denominada vigília “Dia do Fim”, em Luanda.

O ato, que resultou ainda no ferimento de mais de 100 fiéis, levou dezenas de milhares de pessoas a concentrarem-se no interior e exterior do Estádio da Cidadela, em Luanda, ultrapassando largamente a lotação do recinto.

Face ao caso, a IURD viu a sua atividade suspensa por 60 dias, e em 2015, o Tribunal Provincial de Luanda absolveu os arguidos por não ter elementos suficientes para afirmar com juízo de certeza que os mesmos terão cometido os crimes dos quais foram acusados e pronunciados.