Não foi no encontro em Udine, não foi na concentração para o encontro da 36.ª jornada da Serie A quando o Inter jogava fora com o Génova, teria de ser na receção à Sampdória. Teria de ser e foi, com a Juventus a garantir aquele que surge como nono título consecutivo em Itália e o 36.º de um clube que açambarcou para si a hegemonia no futebol transalpino a ponto de contar agora com tantos títulos do que os dois rivais de Milão juntos – ou o dobro daqueles que AC Milan e Inter têm (e quatro vezes mais do que o quarto com mais troféus, o Génova). Sobre o domínio da Vecchia Signora, estamos conversados; sobre o domínio de Ronaldo, ainda há coisas por conversar.

Fechou-se uma janela, continua aberta a oportunidade: Juventus perde, adia título e Ronaldo fica à espera de Immobile

Puxemos o filme atrás: se durante o primeiro terço do Campeonato o Inter de Antonio Conte surgiu como principal adversário da Juventus e se depois foi a Lazio que surgiu com outro fulgor até à quebra depois da pandemia, não se pode propriamente dizer que o título tenha estado ameaçado para aquela que, apesar de alguns jogos abaixo do normal, foi sempre a equipa mais consistente da Serie A. Ao invés, e em relação ao título de melhor marcador, a história que parecia escrita conheceu outros capítulos: Ciro Immobile chegou ao final da primeira volta com 20 golos em 18 jogos, Ronaldo acabou com 14 golos em 16 jogos, Romelu Lukaku fez 14 golos em 19 jogos mas hoje há uma disputa aberta entre os avançados da Lazio e da Juventus por esse prémio e até pela Bota de Ouro.

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“Cristiano é um campeão a nível mental e técnico e tem uma descomunal capacidade para gerir o seu esforço. Tem uma grandíssima capacidade de recuperação. Isso faz parte do seu ADN, assim como a capacidade de projetar-se até ao próximo objetivo, seja a nível coletivo como a nível individual. As suas capacidades de recuperação física e mental não são comuns, é um campeão da cabeça aos pés”, tinha elogiado Maurizio Sarri, no seguimento de mais uma série de recordes como o facto de ter sido o mais velho a chegar aos 30 golos na Serie A e apenas o terceiro nos últimos 60 anos, além de ter sido também o primeiro jogador de sempre a marcar 50 ou mais golos na Liga de Itália, de Espanha e de Inglaterra. Depois, Immobile marcou nesse mesmo jogo à Juventus, faturou com o Cagliari, conseguiu mais um hat-trick na goleada com o Hellas Verona e chegou aos 34. Ronaldo estava nos 30.

Desde 1948 que um jogador com 35 ou mais anos não chegava a esse número numa das principais ligas europeias, num recorde que pertencia a Ronnie Rooke, antigo avançado do Arsenal que chegou aos 30 golos nessa época com 35 anos e 144 dias, menos 22 dias do que o capitão da Seleção Nacional. Como sempre, Ronaldo nunca perde o foco quando há um registo por superar e são esses pequenos grandes feitos individuais que empurram o coletivo, como aconteceu ao longo da segunda volta onde, falhando apenas a 24.ª jornada, marcou quase metade dos golos da equipa nos encontros em que participou (16 em 33). Este domingo, esse registo foi superado com mais um remate certeiro do português, que chegou aos 31 golos que tinha marcado na Premier League há mais de uma década, quando tinha apenas 23 anos e estava no Manchester United. E só a Bota de Ouro parece estar hipotecada, sobretudo depois de ter falhado uma grande penalidade a dois minutos do final do tempo regulamentar.

“Queremos atingir o objetivo do título mas sem perdermos a cabeça, temos até dia 2 de agosto para chegar a essa meta e estar perto de alcançar não significa nada. Esta está a ser a temporada mais difícil do futebol italiano e, se olharmos para a classificação, muito mudou desde o confinamento. Olhando para isso, e tendo em conta todas as dificuldades, considero que a equipa tem estado bem”, comentou na antevisão do jogo Maurizio Sarri, num alerta à equipa depois da segunda parte em Udine onde a Juventus permitiu que a a formação da casa conseguisse mesmo a reviravolta e voltou a mostrar demasiadas debilidades defensivas, sobretudo nas transições rápidas. Foi também por isso que o técnico promoveu quatro alterações na equipa inicial, com as entradas de Bonucci, Pjanic, Matuidi e Cuadrado para dar outro critério de construção e capacidade de recuperação à Vecchia Signora.

No entanto, foi a Sampdória entrou melhor e foi Gastón Ramírez que deixou o primeiro sinal com um desvio de cabeça que saiu à figura de Szczesny após uma jogada iniciada numa recuperação de bola ainda no meio-campo da Juventus. Ronaldo, por duas ocasiões, teve duas oportunidades para rematar cortadas na hora certa pela defesa contrária, a Vecchia Signora parecia dar sinais de melhorar com um jogo melhor pelos corredores laterais mas foi de novo a equipa de Génova a criar perigo pelo veterano Quagliarella. Só através de lances individuais, como um em que Ronaldo fez a habitual diagonal da esquerda para o meio antes de rematar perto da trave e outro em que o recém entrado Bernardeschi (saiu Danilo, após uma colisão violenta na cabeça de Gastón Ramírez) fez o mesmo movimento mas a sair da direita para uma tentativa à figura de Audero, havia perigo perto da baliza dos visitantes. E o golo, esse, chegou no seguimento de bola parada: jogada de laboratório com Pjanic a bater um livre para a entrada da área e Ronaldo, de primeira, a rematar sem hipóteses em cima do intervalo (45+7′).

Higuaín também já tinha entrado para o lugar de Dybala mas os problemas da Juventus persistiam e, mais uma vez, foi a Sampdória a andar mais perto do empate com Mehdi Léris a arriscar com perigo a meia distância e Tonelli, na sequência de um canto, a desviar de cabeça a rasar o poste da baliza de Szczesny. Ronaldo, como sempre, obrigou Audero a uma defesa apertada para canto após assistência de Rabiot mas o futebol ofensivo da Juventus, em ataque organizado ou transições, continuava a viver mais da inspiração individual do que do brilho coletivo e foi assim que chegou o segundo golo, com Higuaín a lançar o português num contra-ataque, o remate a ser travado para a frente e Bernardeschi, na área, a fazer a recarga para o 2-0 que sentenciou o jogo (67′), antes de Thorsby ser expulso (77′) e Ronaldo falhar um penálti, acertando com estrondo na trave (88′).

A duas jornadas do final, com mais sete pontos do que o Inter e mais oito do que a Atalanta, a Juventus carimbou o nono título consecutivo quando faltam ainda disputar mais duas jornadas. No entanto, e até à segunda mão dos oitavos com o Lyon, há vários aspetos que devem preocupar Maurizio Sarri (que ganhou o segundo título da carreira, após a Liga Europa do ano passado pelo Chelsea), do anormal número de golos sofridos à dependência que a equipa tem da eficácia de Ronaldo, passando pelos hiatos com o meio-campo à deriva que a equipa atravessa em determinados momentos do jogo à falta de ligação entre setores. Chegados a julho, ninguém consegue dizer ao certo qual é a equipa tipo dos bianconeri nem sequer o esquema tático mais recorrente, algo que só costuma resultar nos conjuntos que têm uma ideia de jogo bem definida – e a Juve, esta Juve, não é ainda esse caso.