Vinte e nove de maio de 2019. De um lado o Chelsea de Maurizio Sarri, que nunca tinha ganho um troféu apesar de anos a fio no futebol depois de ter largado de vez a profissão de bancário. Do outro o Arsenal de Unai Emery, que se tornou um especialista em finais europeias com três vitórias consecutivas pelo Sevilha. Estávamos na final da Liga Europa, penúltimo encontro oficial da temporada 2018/19. 0-0 ao intervalo, 4-1 para os blues numa segunda parte arrasadora que não deu hipóteses aos gunners. 14 meses depois, as duas equipas voltavam a encontrar-se numa grande decisão a um jogo, neste caso na final da Taça de Inglaterra. O último jogo oficial no país, pasme-se, numa fase onde a Serie A de Itália ainda vai fazer a última jornada de 2019/20 e na Sérvia e na Escócia já se começou a jogar a primeira ronda de 2020/21. Estranho mundo este que o futebol atravessa devido à pandemia. Desabafos à parte, um mundo que deixará de ser estranho com o tempo. E este resultado era fulcral para isso.
“Há um famoso troféu em disputa mas existe muito mais em jogo na final da FA Cup”, explicava este sábado o The Telegraph, acrescentando que “sobretudo para o Arsenal, ganhar terá um impacto significativo na capacidade de melhorar o plantel para a próxima temporada”. E porquê? Porque esta era a única hipótese de conseguir ainda um apuramento para as provas europeias em 2020/21, o que fazia também com que o Wolverhampton, que terminou a Premier League no sétimo lugar, estivesse à espera do resultado para perceber se ficava já apurado para a próxima Liga Europa (sendo que a outra hipótese seria ganhar a Liga Europa… e estrear-se na Champions).
O oitavo lugar no Campeonato, a três pontos da Liga Europa e a dez da Liga dos Campeões, acaba ainda assim por não mostrar por completo a época falhada do histórico clube londrino, quinto classificado em 2018/19 no ano 1 da nova era sem Arsène Wenger, o francês que orientou a equipa por mais de duas décadas. Unai Emery começou a temporada, Ljundberg fez a passagem durante um mês até ao sucessor, Mikel Arteta foi resgatado de adjunto de Pep Guardiola no Manchester City para começar um ciclo que rompesse de vez com o passado. E não se pode dizer que a culpa tenha sido do mercado porque Alex Iwobi foi a única venda que rendeu mais dinheiro entre jogadores que eram habitualmente opções, tendo chegado Nicolas Pépé, David Luiz,William Saliba ou Kieran Tierney num total a rondar os 150 milhões de euros. Resultado? Quase nenhum. E basta pensar que em 38 jogos na Premier League o Arsenal, que queria ficar entre os quatro primeiros classificados, ganhou apenas… 14.
O foco, esse, esteve sempre muito virado para a próxima temporada. E era por isso que a vitória na Taça assumia tanto relevância: além dos problemas numa defesa demasiado frágil e da falta de alternativas no meio-campo para ligar setores, as grandes figuras da equipa perderam fé no projeto e não foi por acaso que, por mais do que vez, a continuidade de Aubameyang foi colocada em equação pela imprensa britânica. Quando foi questionado sobre o Chelsea pode ser um bom exemplo para o Arsenal, por ter ganho 16 títulos com Roman Abramovich apesar das constantes de trocas de treinadores, Mikel Arteta não teve dúvidas: “Absolutamente”. “Tiveram sempre jogadores chave nessas conquistas e isso funcionou como plataforma para serem consistentes. Houve uma mudança total de mentalidade do clube nesse período, que ganhou uma real mentalidade vencedora”, disse.
Esse foi o grande segredo de Frank Lampard esta temporada, que começou com muitas dúvidas sobre o que era capaz de fazer o antigo capitão dos londrinos e técnico do Derby County. A entrada foi uma aposta de risco, perante um mal que veio por bem quando a Juventus levou Maurizio Sarri de Stamford Bridge e permitiu o arranque de um novo ciclo com regras de jogo definidas – sem contratações por castigo, a aproveitar os emprestados como os únicos “reforços” e a rentabilizar os principais valores da formação. Apesar da frustrante derrota na final da Supertaça Europeia após grandes penalidades frente ao Liverpool, os blues carimbaram presença na próxima Champions, chegaram aos oitavos da presente edição da Liga dos Campeões e foram à final da Taça de Inglaterra revelando nomes como Mount ou Abraham e potenciando figuras como Pulisic ou Kanté.
Na próxima temporada, aí tudo será diferente. Timo Werner (RB Leipzig) e Ziyech (Ajax) estão confirmados como reforços por quase 100 milhões de euros que ficam quase preenchidos com a opção de compra de Álvaro Morata exercida pelo Atl. Madrid e pela saída de Pasalic em definitivo para a Atalanta, Havertz (Bayer Leverkusen) é o próximo alvo. Percebendo que estava a ser criado um fosso entre Liverpool e Manchester City e os restantes, o Chelsea vai contra a corrente e investe para minimizar essa diferença ao mesmo tempo que cria uma base forte para o futuro já contando com opções “criadas” por Lampard. “Vai ser complicado escolher a equipa, incluindo quem vai à baliza. Sei que os jogadores todos querem muito estar nestes jogos mas só podem jogar onze. Devemos estar sempre fortes porque quem sai do banco tem feito muitas vezes a diferença”, destacou.
Essa mentalidade que Arteta falava e fez a diferença para Lampard voltou a surgir mas não foi suficiente. Por três razões: 1) há poucos avançados como Aubameyang no futebol atual que consigam mudar um jogo quando o mesmo não está a correr de feição; 2) a equipa perdeu duas unidades nucleares com problemas musculares e foi muito inferior nesse aspeto ao adversário, além de ver Kovacic expulso na segunda parte; 3) depois de uma entrada em falso entre erros coletivos e individuais, Arteta conseguiu estabilizar o jogo dos gunners, ganhar o domínio no meio-campo e tirar depois dividendos com a exploração da profundidade. Em resumo, o Arsenal ganhou a final da Taça de Inglaterra (2-1), garantiu uma vaga na próxima Liga Europa que era fundamental em termos de projeto desportivo mas é o Chelsea que mostra alicerces mais sólidos para dar o salto na próxima temporada.
Com Maitland-Niles a fazer toda a ala esquerda e Bellerín a regressar à mesma posição mas do lado direito, foi o Arsenal que deixou o primeiro sinal de perigo junto a uma das balizas com Aubameyang a surgir na área para um desvio de cabeça ao lado mas a imagem dificilmente poderia ter saído mais distorcida em relação ao que se passaria até aos 25 minutos: já depois de Martínez ter feito uma grande defesa a remate de Mount, Pulisic tornou-se o primeiro americano a marcar numa final da Taça de Inglaterra numa jogada que iniciou entre linhas, passou por Mount e teve assistência “à pivô de futsal” de Giroud (5′). O Chelsea estava melhor, muito mais organizado, coeso nas transições e com um ataque móvel que evidenciava os problemas do Arsenal na fase defensiva. No entanto, o que tem a menos atrás tem e muito à frente. E bastou o ataque aparecer mais para tudo começar a virar.
Fórmula A: colocar a bola nos pés de Dani Ceballos. E bastou haver mais protagonismo do espanhol para haver mais Arsenal, a ligar setores e a explorar a zona entre Jorginho, Kovacic e os defesas. Fórmula B: explorar cada vez mais a profundidade, sobretudo Aubameyang. Foi assim que Nicolas Pépé fez o empate anulado por uma posição irregular de Maitland-Niles no início da (grande) jogada, foi assim que Aubameyang marcou mesmo o 1-1 (28′) numa grande penalidade que o próprio sofreu por Azpilicueta. E como um mal nunca vem só, o defesa espanhol e capitão teria de sair pouco depois, com uma lesão muscular que deve colocar em causa o jogo da Champions com o Bayern. Intervalo, descanso, mais um problema físico: numa arrancada desde o meio-campo, Pulisic foi galgando metros e superando adversários antes de sentir uma picada na coxa e chutar já em dificuldades.
Christensen até entrou bem mas o Chelsea perdeu o elo mais forte que equilibrava a defesa a três. Pedro Rodríguez não entrou lá muito bem e o Chelsea perdeu o elo mais forte nas transições ofensivas. Por mais que Lampard fosse olhando para o lado, não eram muitas as alternativas que pudessem reparar os males provocados pelas saídas de ambos e o Arsenal foi tomando conta do jogo antes de chegar ao 2-1 que decidiria a final, ainda antes do vermelho a Kovacic que “matou” em definitivo o encontro: Bellerín teve uma grande saída pela direita a fazer a diagonal para o meio, Pépé assistiu Aubameyang e o gabonês, após sentar Zouma, picou por cima de Caballero para decidir a final (67′), marcar o 29.º golo da temporada em 44 jogos e provar de novo que é a grande mais valia dos gunners. E o jogo terminou mesmo com Pedro Rodríguez, que está de saída de Stamford Bridge, a sair também de maca, neste caso com uma possível luxação no ombro num dos últimos lances de ataque do Chelsea.