Marcelo Rebelo de Sousa não se ficou pelos sinais e puxou dos vetos. Foram três em menos de 24 horas e dois deles com um sinal muito claro: um puxão de orelhas ao acordo entre Rio e Costa que reduziu os debates em plenário na Assembleia da República. O Presidente da República vetou a redução dos debates sobre Europa na segunda-feira e, esta quarta, foi a vez de travar o diploma que estabelecia que as petições com quatro mil assinaturas já não tinham de ser discutidos em plenário. O chefe de Estado não pode vetar o fim dos debates quinzenais — já que o chefe de Estado não se pronuncia sobre questões regimentais do Parlamento — mas deu sinais claros de que também era contra essa alteração. E nos vetos utilizou palavras como “solução que não se afigura feliz”, no caso da Europa, e “sinal negativo para a democracia portuguesa” no caso das petições. Com dois vetos e um aviso, Marcelo quis deixar claro que não concorda com a redução do escrutínio parlamentar.
Marcelo Rebelo de Sousa está preocupado com a redução dos momentos de escrutínio ao mais alto nível parlamentar (o plenário). Começando pelo fim deste périplo de puxões de orelhas ao Parlamento, esta quarta-feira Marcelo vetou o diploma que fazia com que uma petição, para ir a plenário, tivesse de ter obrigatoriamente mais de 10 mil assinaturas. Até aqui bastavam 4 mil assinaturas, mas se este diploma fosse aprovado, entre as 4 mil e as 10 mil assinaturas o debate seria feito em comissão parlamentar, que não tem a mesma visibilidade pública e mediática.
Sobre este caso das petições, Marcelo não colhe o argumento de que a nova exigência era uma questão de “racionalizar o trabalho parlamentar” e diz mesmo que “o passo dado representa um sinal negativo para a democracia portuguesa.” O Presidente deu ainda argumentos como o facto de o número de petições ter descido em 2018 e 2019 relativamente a 2017 e alerta que este diploma podia “ser visto como um sinal de fechamento na Assembleia da República, na participação dos cidadãos e na vitalidade da própria democracia”.
Marcelo adverte ainda que este tempo já é “complexo para a reforma e a atualização dos partidos políticos e de aparecimento de fenómenos inorgânicos sociais e políticos de tropismo anti sistémico” e que, por isso, “tudo o que seja revelar desconforto perante a participação dos cidadãos não ajuda, ou melhor, desajuda a fortalecer a democracia”.
Já relativamente à redução dos debates de preparação do Conselho Europeu em plenário, Marcelo também foi particularmente duro, dizendo que “não se afigura feliz no tempo, porque fazê-lo quatro meses antes do começo da presidência portuguesa do Conselho da União Europeia é escolher o pior momento, aquele em que se esperaria maior e não menor importância da perceção pública do caráter nuclear do envolvimento nacional na União Europeia”. O Observador sabe que Marcelo aprecia a forma como, por exemplo, a chanceler Merkel trata, de forma detalhada e com números os debates sobre União Europeia e tem o entendimento que esse modelo devia ser seguido em Portugal por António Costa.
Mesmo que não tenha sido sobre a forma de veto, Marcelo também não gostou de ver aprovada a redução dos debates quinzenais. O Presidente da República disse a 26 de julho, numa posição que o Observador sabe que se mantém inalterada: “Quando fui candidato à Presidência, discuti com todos os candidatos. Se vier a ser candidato, assunto sobre o qual não pensarei antes de novembro, obviamente discutirei com todos os candidatos presidenciais“. Marcelo quer mostra que ele próprio, não tem medo de debates, e quer ser o Presidente que, numa recandidatura, levantará menos problemas a fazer debates com os outros candidatos.
PSD não antecipa se fará alterações ao projeto, BE e CDS aplaudem veto
Na reação ao veto do Presidente da República, Mónica Quintela, coordenadora do PSD na comissão de Assuntos Constitucionais, disse à Rádio Observador que a “opinião do Presidente da República é uma opinião e que “em democracia qualquer cidadão tem o direito de opinar”. Reconhece que “a opinião do Presidente tem determinadas implicações políticas e por isso é que uma lei aprovada pela maioria na AR pode voltar a ser debatida”. A deputada admite que agora “se irá avaliar e ponderar as razões do Presidente”, mas alerta que isso não significa necessariamente que o partido acompanhe a recomendação feita por Belém.
Já o deputado do Bloco de Esquerda e vice-presidente da mesma comissão, José Manuel Pureza, disse à Rádio Obervador que esta crítica do Presidente “bate em cheio naquilo que foi a ginástica do Bloco Central no final da sessão legislativa, traduzida em várias medidas reprováveis”. Para o bloquista, esta crítica é “tanto mais de salientar”quando “vem de alguém que em muitos momentos tem apelado para um consenso entre PS e PSD em diversas outras matérias”. O veto, defende, é a prova que “PS e PSD foram além de todos os limites que seriam imagináveis”. O CDS aplaudiu o veto, mas soube a pouco: o líder parlamentar dos democratas-cristãos queria que o Presidente se tivesse pronunciado sobre um “elemento essencial”, que são os debates quinzenais.