Ó mar salgado, quanto do teu sal são praias do Centro de Portugal? A pergunta é de retórica: basta olhar para o mapa para quase lhes perder a conta. De Esmoriz a Santa Cruz, o Centro de Portugal tem quase 300 quilómetros de costa atlântica e 81 praias com bandeira azul muitas delas senhoras de areais de tal forma desafogados, que é possível usufruir de um dia inteiro de praia sem avistar outros banhistas.
Isto, claro, se for essa a preferência de quem visita. Se, por outro lado, o visitante procurar estâncias menos selvagens e mais organizadas, com toldos, bares de praia e vendedores de bolas de berlim e língua da sogra a passar a cada meia hora também as há. E boas. Finalmente, calcorreando o interior da região encontram-se ainda outro tipo de cenários que convidam, e de que maneira, a mergulhos: lagoas, cascatas e praias fluviais de águas cristalinas, nalguns casos, agradavelmente temperadas pelo mais natural dos esquentadores balneares, o sol.
Comecemos pelo mar. De Norte para Sul, a viagem costeira inicia-se em Esmoriz, a primeira praia do Centro de Portugal, cuja envolvente merece destaque: os passadiços sobre a Reserva Natural da Barrinha oferecem uma vista privilegiada sobre um cenário idílico, por entre dunas e canaviais.
A meros 4 quilómetros do centro de Ovar — que se podem percorrer em ciclovia —, a Praia de Furadouro oferece boas ondas a surfistas e boa pescaria a quem dela faz vida. É uma das praias urbanas mais extensas e charmosas da região.
Segue-se a Praia da Torreira, na Murtosa, junto à povoação homónima: no seu areal gigante, rodeado por dunas, ainda é possível, de quando em vez, observar os pescadores que praticam arte xávega. Cinco quilómetros a sul, a Praia do Muranzel oferece bem mais tranquilidade em qualquer altura do ano, já que o acesso é feito por um desvio de terra batida da N327 e exige que, a partir de certa altura, dispensar a viatura e caminhar pela areia por entre as dunas. Mas o cenário vale a recompensa, até porque a Reserva Natural das Dunas de São Jacinto está logo ali, em todo o seu esplendor.
E é a Praia de São Jacinto a que se segue. Belíssima, sem dúvida, e, nos seus arrabaldes, muito rica em fauna e flora, que se podem descobrir e observar ao longo do seu extenso passadiço sobre as dunas.
Seguindo viagem, já depois da Costa Nova e do respetivo cordão de casas listadas, os típicos palheiros da zona, chegamos à Praia da Vagueira, que os locais, numa apreciação despudoradamente parcial, apelidam de “A melhor praia do mundo”. Para eles será, para outros nem por isso. O que ninguém lhe tira são as excelentes ondas e os longos passadiços de madeira, que convidam a caminhadas ao fim da tarde.
Passadiços esses que também não faltam na vizinha Praia do Areão, onde não é, de todo, invulgar encontrar praticantes de naturismo, tal a extensão e a habitual tranquilidade que a caracteriza.
Seguem-se a Praia do Poço da Cruz, dona de um extenso areal rodeado por dunas, e a Praia de Mira, que recebeu este ano, pela 34ª vez em 34 anos, a apetecível bandeira azul — é a única zona balnear no mundo com bandeira azul ininterruptamente desde 1987. Os toldos e as pequenas construções de madeira dão-lhe um colorido único. Um dos braços principais da ria de Aveiro fica também nesta zona: o Canal de Mira é uma zona ótima para passeios de barco ou para experimentar, por exemplo, o tão em voga Stand Up Paddle.
A próxima paragem obrigatória é noutra praia muito apreciada por quem procura sossego absoluto: a Praia da Costinha, entre a Tocha e Quiaios, já no distrito de Coimbra. Mais uma vez, o difícil acesso — na estrada florestal entre a Tocha e Quiaios é preciso procurar o desvio de terra batida em direção à praia — tornam-na menos conhecida e frequentada que as vizinhas e, também por isso, mais selvagem, protegida por dunas fartas em vegetação. Cuidado, porém, em dias de mar revolto, já que esta é uma praia não vigiada.
Chegamos, por esta altura, à Figueira da Foz, outrora reservada às elites como tão bem descreveu Ramalho Ortigão na obra “As Praias de Portugal – Guia do Banhista e do Viajante”, de 1876. Dizia o escritor sobre a Praia da Claridade, a mais extensa praia urbana europeia: “(…) o banho torna-se um rendez-vous geral de toda a povoação balnear e traz consigo umas certas exigências de aparato e de toilette”. Hoje, o cenário é diferente e, em pleno verão, para evitar multidões nada como atravessar o Mondego e seguir caminho.
20 minutos separam o centro da Figueira da Foz da Praia do Osso da Baleia, conhecida por este nome curioso devido — reza a lenda — a uma carcaça de baleia que ali deu à costa no início do século XX. É uma praia cuja envolvente merece ser explorada. Para tal, existem alguns trilhos assinalados, que permitem um contacto mais direto com o ecossistema da Mata Nacional do Urso, um prolongamento do Pinhal de Leiria.
O areal corre ininterrupto até à Praia do Pedrógão, aldeia piscatória onde, mais do que apenas veranear, vale a pena visitar o mercado local e os restaurantes da vizinhança, pródigos em bom peixe e marisco fresco. As mesmas indicações são válidas para São Pedro de Moel, onde a praia é apenas a cereja (uma grande cereja, diga-se) no topo do bolo: é uma estância bonita e pitoresca. Aqui, aproveite para visitar a imagem de marca desta aldeia – o farol centenário do Penedo da Saudade. Já que está nesta zona, aproveite para ir visitar o Pinhal de Leiria, onde não faltam opções para sair à descoberta dos arredores, tanto a pé, em percursos assinalados de trekking, como de bicicleta, já que junto à chamada estrada atlântica corre a maior ciclovia do país. Para retemperar forças, nada como visitar O Tonico, na Praia de Paredes da Vitória: é muito aconselhável combinar um dia na praia local — muito bonita, sobretudo na maré baixa — com uma refeição nessa que é uma das melhores marisqueiras do país. É prudente reservar com antecedência.
O longo areal a Norte da Nazaré inclui algumas praias tranquilas, como a da Falca ou da Areeira. Esse areal desemboca na famosíssima Praia do Norte, sobejamente conhecida (e concorrida) pelas ondas cuspidas pelo famoso canhão subaquático local. Na Nazaré não faltam boas propostas gastronómicas para matar a fraqueza après-soleil. É o caso da Taberna da Adélia, da Casa Pires ou, para amêijoa, berbigão e cerveja fresca, do Cantinho do Elevador.
Até chegar a Peniche, não faltam pontos de interesse: a começar na belíssima baía de São Martinho do Porto, que funciona como calmante para o mar do Oeste em dias de grande ondulação, passando pela Foz do Arelho, onde as águas da Lagoa de Óbidos confluem com as do Atlântico, até chegar às praias a norte do Baleal, onde sobra espaço e quietude e de onde se avistam as Berlengas.
Essa quietude perde-se um pouco nas praias que se seguem. Ganham-se outras coisas: condições invejáveis para a prática de surf e bodyboard, por exemplo, na Praia de Supertubos, surf e windsurf na da Consolação e Areia Branca ou qualquer um deles (com o kitesurf à mistura) na de Santa Cruz. Pelo meio, atenção à deliciosa baía da Praia do Paimogo, protegida pelo forte com o mesmo nome.
E mergulhos sem sal, arranjam-se?
Como se comprova pelo roteiro acima, a costa do Centro de Portugal é rica em opções de praia. Mas o interior também convida a banhos. Mais a Norte, por exemplo, nas lindíssimas cascatas da Cabreia, em Sever do Vouga ou do Poço Azul, em São Pedro do Sul, onde as quedas de água formam piscinas naturais idílicas, pode mergulhar-se ou sentir a força das águas a bater no corpo, um tratamento natural contra dores musculares.
No Parque Natural da Serra da Estrela são famosas pela sua beleza as praias fluviais de Loriga, a chamada Suiça portuguesa, do Poço da Broca — neste caso com direito a um belíssimo restaurante nas imediações, o Guarda-Rios — ou do Vale do Rossim, a cerca de 1400 metros de altitude, mas onde não é raro encontrar a temperatura da água a mais de 22 graus.
Na zona de Penela, uma boa sugestão será fazer o percurso recheado de quedas de água que vai da Ribeira da Azenha até à Praia Fluvial da Louçainha. Não faltarão opções para mergulhos, como por exemplo na mítica Cascata da Pedra da Ferida.
Mais a Sul, perto de Arganil, a Praia Fluvial da Ronqueira une as águas límpidas do Rio Alva ao desejo de inclusão: foi recentemente requalificada e tornou-se uma das mais acessíveis do país para pessoas com mobilidade reduzida ou que sofram de insuficiências visuais ou auditivas.
Em Penacova, a Praia do Reconquinho oferece a possibilidade de fazer passeios de canoa pelo Rio Mondego até Coimbra, numa extensão de cerca de 20 quilómetros enquanto se admira a belíssima paisagem. Os adeptos de trail têm aqui uma rede de percursos ao dispor, incluídos no Centro de Trail Carlos Sá, o mais conceituado ultramaratonista português.
Ainda na serra, mas na do Açor, a Praia Fluvial de Foz d’Égua combina águas límpidas com um cenário que parece desenhado à mão, onde sobressaem as pontes, uma de pedra, que resiste desde tempos idos, e outra suspensa, mais moderna. Não menos impressionante é a paisagem da Praia Fluvial da Senhora da Piedade, na serra da Lousã, rodeada de xisto e vegetação, guardada pelo castelo da Lousã, bem lá em cima, mas não muito longe. Por isso, visite o castelo que, segundo a lenda, foi mandado construir pelo emir (chefe árabe) Arunce, para a proteção da sua filha Peralta e dos seus tesouros, após derrotado e expulso de Conimbriga.
Em Vila de Rei, centro geodésico de Portugal, destaque para a Praia Fluvial do Penedo Furado e respetiva cascata, ligadas desde 2019 por um passadiço que facilita a (curta) viagem pedonal entre ambas. Uma visita que vale bem a pena. As águas do Zêzere banham também outras praias que valem a visita, casos da de Dornes, que deve ser complementada por um passeio nesta aldeia encantadora, a do Lago Azul, e respetiva piscina flutuante com águas que, nos dias mais quentes do verão, chegam quase aos 30 graus, e a de Aldeia do Mato, já na albufeira da Barragem de Castelo de Bode, onde também há a possibilidade de fazer percursos de barco.
Já sabe – aproveite o calor e explore o Centro de Portugal, que o vai refrescar com toda a certeza.
Saiba mais sobre este projeto em https://observador.pt/seccao/centro-de-portugal/