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Quem são os chineses que querem a Mota-Engil? EUA impôs restrições à "Huawei das infraestruturas"

Este artigo tem mais de 4 anos

A CCCC entrou na lista que trava a venda de tecnologia dos Estados Unidos a empresas públicas chinesas, por causa da ofensiva de Pequim no mar do sul da China. Gigante chinês quer 30% da Mota-Engil.

A lista foi conhecida no dia anterior ao do anúncio do acordo de parceria entre a CCCC e a empresa portuguesa
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A lista foi conhecida no dia anterior ao do anúncio do acordo de parceria entre a CCCC e a empresa portuguesa

FENG LI / POOL/EPA

A lista foi conhecida no dia anterior ao do anúncio do acordo de parceria entre a CCCC e a empresa portuguesa

FENG LI / POOL/EPA

São quatro Cs, um para comunicações, outro para construção, outro para companhia e outro para China. A China Communications Construction Company (CCCC) está em vias de entrar no capital do maior grupo de construção português, a Mota-Engil. Mas quem é a CCCC? Descrita como uma empresa estatal, mas também com capital cotado nas bolsas de Xangai e Hong-Kong, a CCCC é um conglomerado do setor das infraestruturas, que está envolvido em vários projetos internacionais, alguns dos quais apontados como fazendo parte da estratégia de recriação da Rota da China lançada pelo presidente Xi Jinping.

E foram essas operações no Mar do Sul da China que terão levado várias empresas do grupo chinês a uma lista do departamento de Estado do comércio norte-americano, que impôs sanções comerciais, nomeadamente ao nível da exportação de tecnologia, a sociedades detidas pelo Estado chinês, que são vistas como pontas de lança da ofensiva territorial e económica de Pequim no mar do Sul da China.

De acordo com vários jornais americanos, 24 empresas chinesas, incluindo cinco subsidiárias da CCCC, foram incluídas numa lista de empresas a quem as companhias americanas não podem fornecer tecnologia originária do país sem uma autorização especial. O departamento de Estado também admite vir a restringir a atribuição de vistos para entrada no país a alguns executivos chineses, que são apontados como estando envolvidos em atividades descritas como ”malignas” no Mar do Sul da China, de acordo com o Wall Street Journal.

A lista foi conhecida no dia anterior ao do anúncio do acordo de parceria entre a CCCC. Num primeiro comunicado, a Mota-Engil não identificou o futuro parceiro, mas com a notícia de que seria a CCCC  a sair em vários jornais, acabou por o confirmar horas mais tarde à Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (CMVM).

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Questionada pelo Observador sobre eventuais implicações das limitações impostas pelos Estados Unidos, a Mota-Engil optou por não comentar. A empresa portuguesa não tem projetos no mercado norte-americano. Estando apenas prevista uma tomada de participação minoritária por parte do investidor chinês, com a família Mota a manter-se o principal acionista, a empresa não seria afetada por estas sanções, a não ser eventualmente a nível reputacional. Para além de Portugal e alguns países na Europa, os mercados alvo da Mota-Engil estão em África e na América Latina e é nestes dois continentes que a construtora portuguesa já tem associações ao grupo chinês.

O Wall Street Journal cita um responsável sénior do Governo americano, segundo o qual esta decisão americana está enquadrada num esforço para classificar a CCCC como “a Huawei das infraestruturas”, numa referência ao cerco levantado pelos Estados Unidos ao gigante chinês da tecnologia e telecomunicações, dentro e fora do país. Mais recentemente, foi a rede social chinesa, o TikTok, a ser alvo de represálias por parte da administração Trump.

Os responsáveis do Governo dos Estados Unidos, referidos pelo jornal americano, acusam ainda a CCCC e as suas subsidiárias de estarem envolvidas em práticas de corrupção, financiamento predatório e destruição ambiental em países como o Sri Lanka, Malásia, Quénia, Tanzânia e Filipinas. Num briefing, cuja transcrição foi entretanto disponibilizada, os quadros do Departamento de Estado americano deram vários exemplos para sustentar estas acusações, dando especial ênfase às empresas do grupo CCCC.

Obras no porto de Colombo, capital do Sri Lanka, cuja exploração foi entregue à CCCC

The Washington Post via Getty Im

Pequim tem vindo a reclamar a soberania sobre a maioria do mar do sul da China, reivindicações que entram em choque com o território reclamado por vários países da região. A estratégia chinesa tem passado por construir ilhas artificiais na envolvência de recursos controladas pelos chineses, onde são instalados dispositivos militares. Empresas do grupo CCCC tem estado envolvidas no desenvolvimento destas ilhas, a nível de construção e dragagens.

A aplicação destas sanções surge na sequência da declaração formal feita por Washington em julho, na qual se opôs às reivindicações chinesas nesta área geográfica. O secretário de Estado, Mike Pompeu, justificou a mudança de política como parte de um esforço para dar mais força à lei internacional contra aquilo que classificou como uma campanha chinesa de o poder faz o direito ou a razão (might makes right) para intimidar os vizinhos de forma a eles cederem aos seus interesses.

A CCCC tem mais de 120 mil empregados e receitas da ordem dos 70 mil milhões de dólares (dados de 2019). As suas atividades vão dos portos, às estradas, pontes, caminhos-de-ferro, túneis, para além de maquinaria industrial e dragagens. Grande parte dos seus negócios são feitos na China, mas também tem vários projetos internacionais no sudoeste asiático, América do Sul, África e Médio Oriente.

Os caminhos da CCCC e da Mota-Engil já se cruzaram em projetos conjuntos na Colômbia, onde a construtora portuguesa vai trabalhar numa barragem para um consórcio da CCCC e no México onde o grupo liderado por Gonçalo Moura Martins garantiu a participação no maior projeto ferroviário do continente, o Tren Maya. O consórcio que integra as duas empresas foi pré-seleccionado para um projeto de grande dimensão na Nigéria, um ponte na capital Lagos. O objetivo da parceria é também reforçar a capacidade financeira do grupo português para entrar em mais projetos.

Nos últimos anos, a Mota-Engil vendeu operações de infraestruturas em Portugal, como a atividade portuária onde era o maior operador e a concessionária de autoestradas Ascendi, tendo mantido a Empresa Geral de Fomento que comprou ao Estado em 2014 e a participação na Lusoponte, que explora as pontes sobre o Tejo. O grupo reforçou a aposta na construção no mercado internacional, em particular em economias emergentes e da América Latina.

CCCC disposta a pagar quase o dobro do valor de mercado

Apesar de ser um gigante das infraestruturas a nível mundial, a CCCC ficará, de acordo com um comunicado emitido esta quinta-feira, com uma participação minoritária no grupo Mota-Engil que será “ligeiramente superior” a 30%. Já a holding da família Mota, a Mota Gestão e Participações, cede o controlo (fica abaixo dos 50%), mas assegurará uma participação de 40% do grupo.

O negócio foi feito muito acima do preço do mercado, praticamente o dobro, face ao fecho das ações na véspera do anúncio da parceira quando a capitalização bolsista da Mota-Engil andava na casa dos 340 milhões de euros. O anúncio diz que os termos da transação valorizam a empresa em 750 milhões de euros, mas não se sabe porque foi esta operação revelada antes de estar fechada e do que depende ainda a sua execução, para além dos reguladores. Já esta quinta-feira e após ser conhecido o acordo, as ações do grupo dispararam mais de 30% em bolsa, elevando o valor de mercado da Mota-Engil para os 451 milhões de euros.

Mota-Engil anuncia venda mais de 30% do capital a empresa pública chinesa CCCC

A operação será concretizada através de um aumento de capital, cujo valor não é conhecido, e que permitirá reforçar os recursos financeiros da Mota-Engil. A família Mota perde a posição de controlo, mas mantém-se como  o principal acionista com 40%, e investirá o que for necessário para manter essa participação, pelo que os protagonistas desta transação não estão a antecipar a necessidade de lançar uma oferta pública de aquisição.

A concretizar-se a entrada na Mota-Engil, este será o regresso do investimento chinês a uma empresa portuguesa depois de algumas operações made in China que falharam, por várias razões. Em 2018, a Fundação Gulbenkian travou o processo negocial com outra empresa chinesa para a venda da Partex, a CEFC. Esta empresa, cujo presidente terá sido afastado após investigações das autoridades chinesas também estava na calha para comprar a seguradora do grupo Montepio, mas o regulador dos seguros pôs termo ao negócio por falta de informação.

Já em 2019 caiu a oferta pública de aquisição (OPA) lançada pela China Three Gorges sobre a totalidade do grupo EDP por chumbo dos acionistas. Este negócio era incómodo para a elétrica portuguesa que tem uma forte presença nos Estados Unidos na área das renováveis, sobretudo num contexto da crescente pressão da administração Trump sobre as empresas portuguesas. E foram vários os avisos feitos publicamente por responsáveis políticos americanos para as eventuais repercussões da presença chinesa no capital da EDP.

Administração dos EUA está “muito consciente” da influência chinesa na EDP e vai continuar a monitorizar

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