O antigo carcereiro Kaing Guek Eav, primeiro homem condenado pelos crimes dos Khmer Vermelhos por um tribunal internacional, em 2010, morreu esta quarta-feira, aos 77 anos, na capital do Camboja.

Conhecido por “camarada Duch”, o chefe da prisão de segurança S-21 do regime de Pol Pot, responsável pela morte e tortura de mais de 15 mil prisioneiros, morreu no Hospital da Amizade Khmer-Soviética de Nom Pen às 00h52 (18:52 de terça-feira em Lisboa), enquanto cumpria uma pena de prisão perpétua por crimes contra a humanidade, disse um porta-voz do tribunal na rede social Twitter, Neth Pheaktra.

O homem condenado por crimes contra a humanidade tinha dado entrada no hospital na segunda-feira, depois de desenvolver dificuldades respiratórias, na prisão de Kandal, disse o responsável do estabelecimento prisional para onde Duch tinha sido transferido, em 2013. A mesma fonte acrescentou que será feita uma autópsia para determinar a causa da morte, antes de o corpo ser entregue à família.

Antigo professor de matemática, Duch documentou meticulosamente os prisioneiros que entravam na prisão, convertido mais tarde num museu da memória, com fotografias das vítimas e das celas onde foram torturadas. O antigo comandante da prisão ultra-secreta Tuol Sleng, com o nome de código S-21, foi um dos poucos Khmer Vermelhos que reconheceu a responsabilidade, ainda que parcial, pelos seus atos, durante o julgamento.

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Homens, mulheres e crianças vistos como inimigos do regime foram encarcerados e torturados às suas ordens, e apenas uma mão cheia sobreviveu. “Todos os que eram presos e enviados para [a prisão] S-21 já se presumiam mortos”, testemunhou Duch, durante o julgamento. Os descendentes dos detidos foram assassinados para garantir que a geração seguinte não se pudesse vingar. As torturas e execuções em Tuol Sleng foram registadas e fotografadas de forma meticulosa, e quando os Khmer Vermelhos foram forçados a abandonar o poder, em 1979, os milhares de documentos deixados na prisão tornaram-se prova das atrocidades do regime. Duch fugiu, desaparecendo durante quase duas décadas no noroeste do Camboja, convertendo-se ao cristianismo, até ser descoberto por um fotógrafo irlandês, Nic Dunlop, em 1999, levando à sua prisão. Foi condenado a 35 anos de prisão em julho de 2010, uma pena prolongada em prisão perpétua em 2012.

Os Khmer Vermelhos, um grupo maoísta que queria abolir a propriedade privada e converter o Camboja num país rural, tomaram o poder em 1975 e impuseram um regime repressivo, até serem expulsos em 1979 pelas tropas vietnamitas, também comunistas. Cerca de 1,7 milhões de pessoas morreram devido a purgas, fome e abusos às mãos dos Khmer Vermelhos, liderados por Pol Pot, que morreu em 1998.

Além de Duch, o tribunal internacional condenou a prisão perpétua dois líderes dos Khmer Vermelhos, Nuon Chea e Khieu Samphan, em 2014 e 2018. Na segunda condenação contra Nuon Chea, o braço direito de Pol Pot, e Khieu Samphan, antigo chefe de Estado, o tribunal reconheceu pela primeira vez o genocídio cometido pelos Khmer Vermelhos contra as minorias vietnamitas e os muçulmanos cham.

Nuon Chea morreu no ano passado, enquanto outros líderes do regime, Ieng Sary e Ieng Thirith, morreram em 2013 e 2015, antes de serem condenados.

Pol Pot morreu em abril de 1998 na base guerrilheira de Amlong Veng, no noroeste do Camboja, assassinado pelas suas próprias forças.