É uma notícia que está a empolgar a comunidade científica. Foi detetada a presença de fosfina na atmosfera de Vénus, o planeta mais próximo da Terra, anunciou esta segunda-feira uma equipa de investigadores num artigo publicado na revista Nature. Na Terra, a maior parte da fosfina é produzida por organismos anaeróbicos, isto é, seres vivos que não necessitam de oxigénio para crescerem.

Um dos autores do estudo é Clara Sousa-Silva, comunicadora de ciência portuguesa e astroquímica do Massachussets Institute of Technology (MIT) que tem dedicado a carreira a encontrar planetas habitáveis através da espectroscopia. Utilizando essa técnica, Clara Sousa-Silva e os colegas procuram por bioassinaturas, sinais da possível existência de vida, entre os registos químicos dos planetas. A fosfina é “a molécula favorita” da investigadora portuguesa, que se dedica a ela há mais de uma década e sobre a qual desenvolveu a tese de doutoramento.

Haverá vida extraterrestre no venenoso e escaldante Vénus? A pergunta não é completamente inusitada. A vida como a conhecemos não pode sobreviver na superfície daquele planeta: é demasiadamente quente e com uma atmosfera extremamente pesada — um astronauta na superfície de Vénus sentir-se-ia como se estivesse a uma profundidade de 1,6 quilómetros debaixo de água. Mas, a entre 53 e 62 quilómetros do solo, a temperatura é mais amena (ronda os 30ºC), há água e luz. Por isso, teoriza-se que determinadas formas de vida microbiana, adaptadas a ambientes muito ácidos, poderiam sobreviver nestas condições.

Deteções feitas no Hawai e Chile

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As deteções de fosfina ocorreram através de observações feitas pelo Telescópio James Clerk Maxwell (Hawai, Estados Unidos) e do rádio-observatório Atacama Large Millimeter Array (Deserto do Atacama, Chile) entre 2017 e 2019.

Foi precisamente a essa altitude que a fosfina foi detetada pela primeira vez em Vénus. E a hipótese de que tenha origem em vida anaeróbica ganha ainda mais corpo porque, de acordo com o comunicado de imprensa, a fosfina foi detetada numa abundância de 20 partes em mil milhões. Ora, “para criar a quantidade observada de fosfina em Vénus, os organismos terrestres precisariam de trabalhar a cerca de 10% da sua máxima produtividade“, prossegue o documento.

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Ainda assim, há outras explicações em cima da mesa. A fosfina pode vir de uma fonte geoquímica na superfície de Vénus, pode ocorrer através de algum processo químico na atmosfera do planeta ou ter viajado até ali a bordo dos corpos celestes que o atingem. No relatório, os investigadores insistem que, embora ainda não tenham conseguido desvendar a origem da fosfina, estas hipóteses foram colocadas de lado. Mas sublinham também que ainda não há dados suficientes para se concluir que a vida borbulha nas nuvens de Vénus.

A cautela dos cientistas vem do facto de nem mesmo em Terra terem sido descobertos microorganismos capazes de sobreviver em condições tão desafiantes. Por cá, os organismos anaeróbicos costumam suportar níveis de acidez de cerca de 5%. Mas, em Vénus, as nuvens são quase totalmente compostas por ácido: a haver seres vivos por lá, teriam de aguentar um ambiente composto em 90% por ácido sulfúrico. O próximo passo dos investigadores é descobrir se isto é mesmo possível e, se sim, como.

No entanto, como as moléculas de fosfina quebram-se facilmente num ambiente altamente ácido, algo deve estar a produzir constantemente este gás — tal como os microorganismos anaeoróbicos fazem na Terra. Para Alan Duffy, cientista-chefe do Instituto Real da Austrália, este é “um dos mais entusiasmantes sinais da possível existência de vida além da Terra”, embora também note que, “antes que possamos tornar-nos mais confiantes [de que há vida em Vénus], temos que descartar todos os outros meios não biológicos capazes de produzi-lo”.

Fred Watson, astrónomo no Departamento de Indústria, Ciência, Energia e Recursos da Austrália, também acredita que “a busca por assinaturas de vida em atmosferas planetárias deu uma nova reviravolta dramática”: “Os astrónomos que descobriram esta substância química rara dizem que descartaram outras fontes, como reações que envolvam luz solar, minerais de superfície, vulcões, relâmpagos ou meteoritos, deixando apenas processos geológicos ou químicos desconhecidos. Ou vida”. Apesar de “a resposta provavelmente não ser essa, esta nova descoberta para intrigar os investigadores em todo o lado”.

Brendan Burns, sub-diretor do Centro Australiano para a Astrobiologia, mantém-se cético: “A equipa fez cálculos exaustivos e modelos; e não conseguiu encontrar explicações naturais plausíveis para estes níveis de fosfina ocorrerem (…). Como os próprios autores admitem, a fosfina poderia simplesmente ter origem em algumas reações geoquímicas ou fotoquímicas desconhecidas“.

A notícia pode trazer um novo interesse em explorar novamente o planeta Vénus, acredita Alice Gorman, especialista em arqueologia espacial: “Há muita atenção em Marte atualmente, mas estes resultados constroem um caso ainda mais forte para o retorno a Vénus“. Brad Tucker, astrónomo no Observatório de Monte Stromlo, concorda: “Esta descoberta é muito emocionante para a exploração e estudo de Vénus”.

“Os estudos de Marte encontraram processos inexplicáveis, como a variação do metano na atmosfera, o que sugeriu processos geoquímicos desconhecidos ou da vida. Esta descoberta em Vénus é semelhante: ou há uma nova parte de Vénus que não entendemos ou é de um processo biológico”, compara Brad Tucker. “Isto dá-nos um grande motivo para explorar Vénus. O facto de os nossos dois planetas vizinhos terem sinais fortes de que podem ser de vida é muito emocionante”, termina.