Mais de 80% das luvas alegadamente pagas pela Odebrecht a propósito da construção da barragem do Baixo Sabor terão ocorrido durante o Governo de José Sócrates. De acordo com documentos da contabilidade paralela da construtora brasileira, terão sido realizados pagamentos num valor superior a 3,8 milhões de euros para alguém que é classificado como um nome de código de “Príncipe”. O Correio da Manhã noticia alguns desses pagamentos esta manhã, sendo que o Observador consultou a respetiva documentação nos autos do caso EDP.

O projeto para a construção da barragem foi oficialmente apresentado em agosto de 2007 por António Mexia e José Sócrates e foi adjudicado no ano seguinte ao consórcio Odebrecht-Bento Pedroso Construções e Lena Construções. As obras, contudo, só tiveram início em 2011.

O caso Odebrecht foi alvo de fusão com o caso EDP e é neste processo que os procuradores Carlos Casimiro e Hugo Neto estão a investigar estes pagamentos, tendo feito uma relação entre as datas que constam na contabilidade paralela da construtora brasileira e as agendas do Ministério da Economia sobre as reunião do então ministro Manuel Pinho e do seu então consultor João Conceição — ambos arguidos pelo crime de corrupção passiva no caso EDP. No momento em que foram realizadas as alegadas transferências de 3,8 milhões de euros, António Mexia já era presidente da EDP.

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Pagamentos feitos através de Zé das Medalhas e do banco do GES no Dubai

De acordo com a documentação da contabilidade da Odebrecht enviada pelas autoridades brasileiras, os pagamentos terão ocorrido de duas formas: através de Francisco Canas, conhecido por “Zé das Medalhas” e principal arguido do caso Monte Branco — morreu em 2017 e através de contas bancárias no Espírito Santo Bank Dubai.

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‘Zé das Medalhas’ terá recebido sete transferências, entre 30 de setembro e 30 de outubro de 2009, num total de um milhão e 350 mil euros, da Odebrecht nas suas contas e terá feito chegar o dinheiro a “Príncipe”, cuja identidade se desconhece, através de uma conta na Suíça. Era esse o seu modus operandi normal, como também ficou claro nos autos do caso BPN, recebendo em troca uma comissão de 1% por cada transferência realizada. Armando Vara, Duarte Lima, entre outros suspeitos de crimes económico-financieros, são algumas das figuras públicas que recorreram a Francisco Canas. Canas chegava a receber malas com ‘dinheiro vivo’ na sua loja localizada na baixa de Lisboa, fazendo depois operações de branqueamento de capitais para fazer chegar o dinheiro a contas bancárias na Suíça e noutros países.

Segundo a documentação, terão ainda sido feitas outras sete transferências, entre 1 de dezembro de 2008 e 25 de março de 2009, no valor de 2 milhões e 322 mil euros, por parte da Odebrecht para o Espírito Santo Bankers Dubai. Estava ainda previsto, na contabilidade paralela da construtora, um pagamento adicional de 188 mil euros, perfazendo assim um total de 3,8 milhões de euros.

Recorde-se que, tal como o Observador já noticiou, o Espírito Santo Bankers Dubai é um banco suspeito de branqueamento de capitais, nomeadamente em alegados pagamentos feitos a titulares de cargos políticos venezuelanos e que continuam em investigação no caso Universo Espírito Santo.

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Além destes pagamentos, André Gustavo, que foi responsável pelas campanhas do PSD em 2011 — e que levou à eleição de Pedro Passos Coelho — e da coligação PSD/CDS em 2015, também terá recebido da construtora brasileira 880 mil euros, entre março e maio de 2015.

Ou seja, dos 4.7 milhões de euros que terão sido pagos pela Odebrecht, 81,5% destas luvas terão ocorrido durante o Governo Sócrates.

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