José Mourinho nunca foi meigo com os jogadores. Quando os jogadores não correspondem às expectactivas que o treinador português tem para um determinado jogo ou para uma determinada situação, José Mourinho nunca é meigo. Não o era no FC Porto, não o foi no Chelsea, no Inter Milão ou no Manchester United. No Tottenham, porém, ainda não tinha demonstrado por inteiro essa faceta — pelo menos não de forma tão direta como acabou por fazer no passado fim de semana.

“Não gostei da minha equipa. Na segunda parte, depois do golo, fomos fracos. Na minha opinião, não fomos fortes fisicamente, não tivemos intensidade. A equipa está a sofrer com a condição física de muitos jogadores, nesta altura. Os problemas começaram na forma como pressionámos — ou na forma como não pressionámos porque a nossa pressão lá à frente foi muito, muito pobre. Diria que foi uma pressão preguiçosa e quando há essa pressão preguiçosa acabas por deixar que os adversários construam a partir de trás (…) Isto desilude-me e é aí que temos de trabalhar”, disse Mourinho, depois da derrota com o Everton na jornada inaugural da Premier League. Criticado pelos comentadores, que colocaram logo em cima da mesa a possibilidade de o treinador ter perdido o balneário logo no início de uma nova temporada, Mourinho recebeu resposta principalmente de Ben Davies, lateral esquerdo do Tottenham e capitão de equipa, que garantiu que não existiu “qualquer falta de empenho”.

20 anos depois, Mourinho diz que não mudou. Mas os resultados mudaram – e perdeu pela primeira vez numa estreia

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Menos de uma semana depois e antes da deslocação ao recinto do Southampton na próxima ronda da Premier League, José Mourinho jogava na Bulgária um dos pontos cruciais da temporada — e um jogo que podia cair para o lado da vitória e ser um boost motivacional importante ou cair para o lado da eliminação e ser desde já um revés para uma época que ainda mal arrancou. Numa segunda pré-eliminatória de acesso à Liga Europa disputada em apenas um jogo, Tottenham e Lokomotiv Plovdiv já sabiam que, em cenário de passagem, iriam enfrentar o Botoşani da Roménia ou o Shkëndija da Macedónia na próxima fase — mas antes, era necessário vencer a partida desta quinta-feira.

Numa semana em que o Tottenham poderá fechar definitivamente as contratações de Reguilón, lateral esquerdo do Sevilha, e Gareth Bale, que está perto de um regresso a Londres num negócio que pode levar Dele Alli para o Real Madrid (o inglês ficou de fora da convocatória), Mourinho lançava o reforço Matt Doherty na direita e Bergwijn, Son e Harry Kane na frente de ataque. A ideia, tal como o treinador português explicou na antevisão da viagem à Bulgária, era ganhar de forma indiscutível — até porque, a uma mão, não existe “cinzento”. “A duas mãos seria diferente, assim fica tudo decidido naquele momento. Vai ser preto ou branco, não há cinzento. Perdes e ficas fora da Liga Europa. Por isso, vai ser um jogo complicado e temos que dar ao nosso adversário todo o respeito que nos merece”, disse Mourinho.

O Tottenham criou a melhor oportunidade da primeira parte, com um remate de Bergwijn à entrada da grande área que bateu na trave da baliza búlgara, mas acabou por não conseguir assumir por completo o domínio do jogo, permitindo que o Plovdiv conquistasse alguns metros já perto do intervalo. A equipa búlgara, orientada pelo bósnio Bruno Akrapović, percebeu com o avançar dos minutos que era possível lutar pela vitória e pela passagem à fase seguinte, até porque o Tottenham não estava a justificar dentro de campo o natural favoritismo. A equipa de Mourinho, demasiado passiva, era previsível e displicente na pressão e raramente conseguia penetrar no último terço adversário.

Na segunda parte, pouco ou nada mudou. Num jogo em que a transmissão televisiva teve problemas no mundo inteiro, tendo sido interrompida diversas vezes e por largos períodos de tempo, Mourinho só mexeu na equipa ao quarto de hora do segundo tempo, para trocar Sissoko por Ndombele. Antes, Son já tinha desperdiçado uma oportunidade para abrir o marcador, ao atirar por cima depois de uma assistência de Ben Davies (53′). Bergwijn saiu e Lamela entrou para ter vista privilegiada para o momento mais surpreendente do jogo: Minchev, que estava em campo há quatro minutos, cabeceou para bater Lloris e colocou o Lokomotiv Plovdiv a ganhar a pouco mais de um quarto de hora do apito final (71′).

Lokomotiv Plovdiv v Tottenham Hotspur: UEFA Europa League Second Qualifying Round

A equipa búlgara ficou reduzida a nove elementos já nos minutos finais

Em dois minutos, porém, tudo voltou a mudar. O Tottenham beneficiou de uma grande penalidade, Karagaren foi expulso por protestos e deixou a equipa reduzida a 10 elementos e Harry Kane não falhou o penálti (80′). O português Dinis Almeida, central dos búlgaros, também viu o cartão vermelho e deixou o Plovdiv com apenas nove jogadores e Ndombele, na conclusão de um lance brilhante de jogo coletivo, colocou o Tottenham na terceira pré-eliminatória de acesso à Liga Europa — onde o adversário será o Shkëndija da Macedónia, que ganhou na Roménia (0-1).

Num jogo que se tornou estranhamente difícil, o Tottenham acabou por beneficiar do entusiasmo exacerbado do Lokomotiv Plovdiv depois de alcançada a vantagem e conseguiu dar a volta ao resultado muito graças às duas expulsões. José Mourinho evitou a hecatombe e segue em frente na Liga Europa — mas esta tarde na Bulgária esteve muito perto de cair para o lado negro da força de que o treinador português falou na antevisão.