O português acusado de ligações ao Estado Islâmico (EI) negou esta terça-feira em julgamento qualquer adesão à causa terrorista, mas foi confrontado com uma escuta telefónica em que utiliza as expressões “zona de matança” e “acabar com aqueles porcos”.

Rómulo Costa, em prisão preventiva em Portugal desde 2019 por crimes relacionados com adesão, apoio e financiamento do grupo extremista, foi confrontado pelo juiz presidente, Francisco Coimbra, com uma escuta realizada em setembro de 2013 em que o arguido, ao falar com o seu irmão Edgar Costa (que foi combater e supostamente morreu na luta do EI), lhe diz: “Foste para a zona da matança e estás agora a pensar em bebés (…) tens é que pensar em acabar com aqueles porcos”.

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A referência aos bebés prendia-se com o facto de Edgar Costa, islâmico mais ortodoxo, ter perguntado ao irmão Rómulo Costa se através da mulher deste não lhe arranjavam mais uma ou duas mulheres, já que o Islão permite a poligamia.

Em tribunal, Rómulo Costa assegurou que “zona da matança” nada tinha a ver com o facto de o seu irmão Edgar ter ido para a Tanzânia (país africano onde o EI esta implantado), mas que isso era apenas uma expressão utilizada em Massamá, Queluz, onde passou a juventude e que significava “um problema por resolver”.

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Quanto à alusão de acabar com “os porcos”, o arguido reiterou que tal expressão aludia a quem não respeitava os direitos humanos, tendo, mais tarde, na mesma sessão de julgamento, a testemunha da acusação Nuno Rogeiro, ouvido como especialista em assuntos de terrorismo no mundo islâmico, mencionado que “porcos” significa para os combatentes do EI os “impuros”, numa comparação com a carne de porco que não é admitida pela religião muçulmana.

Lopes Guerreiro, advogado de defesa de Rómulo Costa, que tem vindo a insistir que a acusação é “frágil”, lembrou que em 2014 os serviços secretos britânicos apreenderam no Reino Unido um telemóvel e uma “pen” ao seu constituinte e que, após exame pericial, nada encontraram que o comprometesse com o EI, não tendo a investigação portuguesa razões para agora duvidar da inocência do arguido, que só muito esporadicamente falava com os irmão Edgar e Celso que abraçaram a chamada “guerra santa”.

O juiz confrontou ainda Rómulo Costa com uma busca efetuada pela PJ à casa em Portugal onde vivia o pai e o resto da família de Rómulo Costa, onde num dos quartos foram apreendidos documentos de várias outras pessoas, o que o arguido disse desconhecer, depois de na sessão anterior ter declarado que nunca recrutou ninguém para combater pelo EI na Síria.

Em sua defesa, disse ainda que os irmãos Edgar e Celso (alegadamente mortos em combates na Síria) o criticavam por ele não seguir os princípios mais ortodoxos do Islão, ao frequentar discotecas e locais onde havia música e grupos mistos de mulheres e homens. Além disso, não rezava cinco vezes por dia como é prática dos islâmicos mais radicais.

Rómulo Costa reiterou que o Islão não ensina a violência armada e que ele segue esse preceito à semelhança da esmagadora maioria dos cerca de três mil milhões de muçulmanos que existem no mundo, os quais em nada se identificam com os desígnios do EI.

O tribunal ouviu durante mais de uma hora Nuno Rogeiro, investigador e docente universitário, que, através de exemplos e da história, ajudou os presentes a entenderem expressões e o “modus operandi” dos radicais islâmicos dos diferentes grupos terroristas.

Nuno Rogeiro considerou plausível que uma pessoa com estudos académicos, uma vida de trabalho no Reino Unido ou em outro país europeu, sem sinais exteriores de ser islâmico radical (barba crescida) e perfeitamente integrado na sociedade, pudesse ser, afinal, um recrutador do EI, observando que existe um manual do EI apreendido no Iraque que prevê essa “dissimulação” ou “camuflagem”.

Embora vincasse não estar a aludir a nenhuma pessoa em particular, o caso encaixava no perfil do arguido, que estudou e trabalhou vários anos em Londres e nunca adotou uma fisionomia típica dos radicais, usando barbas longas sem bigode.

Entretanto, na passada semana, o Tribunal Criminal de Lisboa decidiu separar os processos de Rómulo Costa e Massimo Turé da acusação dos restantes arguidos, uma vez que estes se encontram desaparecidos e presumivelmente foram mortos, embora o juiz presidente Francisco Coimbra note que não há ainda nenhuma certidão de óbito nos autos.

No final da sessão de hoje, o advogado de Rómulo Costa desvalorizou as implicações que o depoimento de Nuno Rogeiro possa ter tido para o seu constituinte, considerando mesmo que não se tratou de uma testemunha totalmente imparcial tendo em conta a sua conhecida intimidade com os serviços secretos europeus.

Em causa neste processo estão os crimes de recrutamento, adesão e apoio à organização terrorista EI e financiamento ao terrorismo.

O caso resultou de uma investigação de cooperação judiciária entre as autoridades portuguesas e britânicas, sendo que o arguido Rómulo Costa nega as acusações de terrorismo, admitindo apenas que falou com os irmãos/guerrilheiros por telefone para apurar se estavam bem e saber informações sobre outros familiares a viver em campos de refugiados.

A acusação entende que todos os arguidos uniram esforços, recrutaram e financiaram de modo próprio o EI, apoiando a ida de cidadãos portugueses e britânicos para a Síria para combaterem ao lado dos jihadistas.