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Rómulo Costa tem atualmente 40 anos e está preso na prisão de alta segurança de Monsanto
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Rómulo Costa tem atualmente 40 anos e está preso na prisão de alta segurança de Monsanto

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Rómulo Costa tem atualmente 40 anos e está preso na prisão de alta segurança de Monsanto

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Rómulo Costa. O único dos oito alegados terroristas portugueses do Daesh que pode ser julgado

Apesar de nunca ter ido à Síria, Rómulo Costa é o único dos portugueses suspeitos de integrarem o Daesh que pode ser julgado. Um está em Inglaterra, outro na Síria. Os outros? Não se sabe.

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— Achas normal rirem-se da matança?

— Eles não estão a gozar com a morte de ninguém.

— Ai não? Tomem as vossas decisões, a vossa vida, vocês acham que estão cheios de razão, não é? Porque pelos vistos tu concordas com isso, é porque também estás envolvido.

21 de novembro de 2015. Aneia recebe um e-mail do irmão Rómulo Costa, a viver no Reino Unido, com o mesmo vídeo que passara nos telejornais. Mostra os dois outros irmãos, Edgar e Celso, a exibirem metralhadoras num posto de controlo do grupo terrorista Daesh, na Síria, enquanto enaltecem como sacrificam os infiéis através de degolações. Eram os primeiros portugueses identificados a combater nas fileiras do Estado Islâmico. Aneia telefona a Rómulo indignada e “horrorizada”. Acaba por pedir-lhe que respeitem a família que permanece em Portugal e que os esqueçam.

Nesta altura, já as autoridades portuguesas andavam a investigar os irmãos há mais de dois anos. O ponto de partida tinha sido um alerta da própria polícia britânica, que depois de um rapto de dois jornalistas na Síria percebeu estar entre alegados terroristas portugueses. Aliás, alguns dos raptores, entre eles os irmãos Celso e Edgar e o amigo Ahsan Ali Iqbal tinham mesmo viajado para Lisboa, em 2012, dias após libertarem as vítimas.

A investigação só terminou em 2019 com a acusação dos três irmãos e de cinco outros suspeitos pelos crimes de adesão e apoio a organizações terroristas, recrutamento para organizações terroristas e financiamento do terrorismo. No entanto, só um dos acusados foi efetivamente preso e vai sentar-se esta sexta-feira no banco dos réus do Tribunal do Monsanto para se defender e tentar impedir que o caso siga para julgamento: Rómulo Costa, produtor musical, que vive há 20 anos no Reino Unido e que nunca pôs um pé na Síria.

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Rómulo Costa é produtor musical de profissão e foi para Londres em 2000, já depois de os dois irmãos se terem mudado para lá (FACEBOOK)

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Cassimo Turé, outro dos acusados que é português e que também nunca chegou a ir à Síria, terá prestado declarações às autoridades portuguesas e estará em Inglaterra. Já Nero Saraiva foi preso em 2019 pela coligação de milícias curdas e árabes durante a tomada de Baghouz, último reduto da organização terrorista Estado Islâmico, no norte da Síria. Em setembro, Nero (cujo nome muçulmano é Abu Yacub Al-Andaluz) deu uma entrevista à agência noticiosa curda ANF News onde relatou todo o seu trajeto.

Os irmãos de Rómulo, Celso Costa e Edgar Costa, o irmão de Cassimo, Sadjo Turé, e Sandro Marques e Fábio Poças estão em parte incerta. Ou mortos.

Rómulo tinha vindo a Portugal pela última vez em 2009 para tratar do seu passaporte. Regressou ao Reino Unido, para onde emigrara cerca de dez anos antes e só voltou a Lisboa em junho de 2019 — quando foi detido pela PJ na sequência de uma investigação que durava há já seis anos. Segundo as suas declarações, a viagem a Portugal tinha um objetivo: comunicar ao pai, com mais de 80 anos e doente, que os dois irmãos tinham morrido nas fileiras do Estado Islâmico e que era agora preciso trazer de um campo de refugiados na Síria, o Al-Hol, as cunhadas e os sobrinhos: Celso tinha três mulheres e quatro filhos, Edgar tinha uma mulher e, pelo menos, três filhos.

Nero também deixou dez filhos que permanecem no campo de refugiados.

PJ detém português ligado ao Estado Islâmico. Estava radicado no Reino Unido

O elo de ligação a partir de Londres

Em sua defesa, Rómulo até apresentou um conjunto de testemunhas a quem as autoridades podiam perguntar se o que estava a dizer era verdade. Mas alguns dos funcionários que indicou, entre eles da Cruz Vermelha e da Presidência do Conselho de Ministros, não foram localizados pelo Ministério Público (MP). E Rómulo continua desde então em prisão preventiva.

Segundo o despacho de acusação do Ministério Público, Rómulo, agora com 40 anos, aderiu em Londres a movimentos fundamentalistas islâmicos, proclamando-se e assumindo-se como seu representante, tal como os restantes arguidos. Os irmãos de Rómulo, Celso e Edgar, tal como os irmãos Cassimo e Sadjo Ture e os amigos Nero Saraiva, Fábio Poças e Sandro Marques terão também decidido recrutar combatentes para a Síria — para onde foram Sadjo, Celso, Edgar e Nero em 2012. À exceção de Nero, todos eles chegaram a regressar a Lisboa em agosto desse ano, mas para virem buscar as suas mulheres e filhos, com quem terão voltado para o Médio Oriente.

"Tomem as vossas decisões, a vossa vida, vocês acham que estão cheios de razão, não é? Porque pelos vistos tu concordas com isso, é porque também estás envolvido"
Aneia, irmã de Rómulo Costa

Para a acusação, apesar de ter permanecido sempre em Londres, Rómulo — também conhecido por Binas, Romy, Rominho ou Romny Fansony — tinha um papel ativo nesta organização, contactava frequentemente os irmãos, dando apoio logístico, e era também o elo de ligação entre eles e a restante família que permanecia em Massamá, arredores de Lisboa. E, tal como todos os outros, era um membro da organização terrorista Estado Islâmico.

No telefonema que as autoridades reproduzem no despacho de acusação com a irmã Anea, Rómulo chega a dizer-lhe que a sua opinião sobre os irmãos estarem a combater na Síria era “neutra”. E que “Deus lhe tinha dado uma cabeça para pensar”. E que analisava “as coisas antes de emitir uma opinião”. Mas a irmã respondeu-lhe que, antes de se envolverem “nestas coisas”, “tinham que pensar que tinham pais idosos, sobrinhas menores, crianças, mulheres e que todos eles poderiam estar em risco“.

— Desde quando é que se faz justiça pelas próprias mãos?, pergunta-lhe mesmo a irmã.

O Ministério Público refere que “Rómulo Costa foi mantendo, ao longo do tempo, contacto com os seus dois irmãos, Edgar e Celso Costa, desde que se deslocaram para a Síria”. E que ele era o “elemento de ligação destes com a restante família, sobretudo com os seus pais”.

E dá mesmo um exemplo de uma conversa com o pai, ocorrida já em abril de 2019, meses antes de ser detido em Portugal. Nessa chamada, Rómulo disse que o seu objetivo naquele momento era que “o pessoal do outro lado” chegasse ao destino “são e salvo“, referindo-se à família dos irmãos que tentava abandonar a Síria. Ambos falaram também dos negócios do pai em Luanda. Ginecologista de profissão e já reformado, Manuel Costa tem em Luanda vários terrenos valiosos, segundo apurou o Observador junto de fonte próxima do processo. Foi aliás, também devido a estes terrenos que Rómulo, pelo que disse às autoridades, tinha vindo a Portugal tratar do seu passaporte: para poder depois viajar até Angola e lá resolver questões relacionadas com o património da família.

Rómulo Costa foi detido em junho de 2019 pela PJ na sequência de uma investigação que durava há já seis anos (JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR)

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Nessa mesma conversa levantou-se desde logo a dúvida sobre se os irmãos Celso e Edgar estariam vivos. “Uns dizem que eles já faleceram”, arriscou o pai. Rómulo respondeu-lhe com precaução. Para o poupar, como se veio a perceber depois. Disse-lhe que não havia “evidências de nada” e que o importante era “salvar a sua família”. Já depois de preso, explicou que nessa altura já tinha sido informado por uma advogada britânica de que os irmãos estavam mortos, mas que preferia dar a notícia ao pai pessoalmente. “O que eu posso dizer é que está uma balbúrdia e pronto. E as pessoas perderam-se no meio da confusão, uns foram para um lado e as famílias foram para o outro. O nosso papel agora é trazer as famílias e depois o resto resolve-se”, respondeu ao pai ao telefone.

Numa outra conversa com o pai, dias depois, ele voltou a insistir. Está claramente preocupado. Quer saber se os filhos estão vivos ou não. Rómulo volta a não lhe dizer. Conta apenas que a última vez que falou com eles foi em dezembro, mas que chegou a estar seis meses sem ter qualquer informação ou contacto. Era normal. Por isso dar-lhe uma resposta era difícil. Parecia estar já a prepará-lo para o que teria de lhe contar cara a cara.

De facto, segundo o despacho de acusação, uma das poucas conversas que Rómulo teve com o irmão Edgar tinha acontecido em setembro de 2013. Ambos cumprimentaram-se em árabe:

— As-Salamu Alaikum

— Wa-Alaikum-Salaam

Nessa conversa os dois irmãos falam da mãe e de uma mulher, cuja resposta de Rómulo desagrada Edgar. “Foste para zona da matança e estás a pensar em bebés [mulheres] meu amigo, é pensar mas é em acabar com aqueles porcos [infiéis] meu irmão”. A conversa prosseguiu com Edgar a contar que o irmão de ambos, Celso, tinha participado numa batalha em que 40 combatentes tinham enfrentado 500 inimigos. Rómulo pergunta pormenores sobre as condições de combate e sobre as armas usadas e depois diz-lhe para ter cuidado.

"Foste para zona da matança e estás a pensar em bebés [mulheres] meu amigo, é pensar mas é em acabar com aqueles porcos [infiéis] meu irmão"
Rómulo Costa em resposta num telefonema ao irmão, Edgar

Outro dos assuntos da conversa, que continuou num segundo telefonema no mesmo dia, foi Ahsan Ali Iqbal, o amigo de ambos preso na Tanzânia quando tentava fazer o percurso pela Turquia para chegar à Síria. Também Rómulo mostrou que o queria ajudar a sair dali, chegando a colocar a hipótese de se deslocar àquele país disfarçado de turista. Depois lembrou-se que não seria seguro usar o seu passaporte, uma vez que o irmão Celso o tinha utilizado na última viagem e o seu nome poderia o estar já referenciado.

Rómulo disse então a Edgar para continuarem depois a conversa via Facebook. “Rómulo Costa estava total e exclusivamente alinhado com a causa que moveu a sua integração e a integração dos acima identificados nos grupos terroristas jihadistas na Síria”, lê-se na acusação.

“O Binas então vem ou não vem?”. Rómulo não foi à Síria, mas o seu passaporte terá ido

O plano para Celso Costa usar o passaporte do irmão, Rómulo, terá sido pensado em conjunto pelo grupo dos alegados terroristas portugueses, depois de ter falhado um outro plano para os irmãos Celso e Edgar e o amigo Sadjo Turé se mudarem, com as famílias, para a Síria. Falhou porque, na fronteira da Turquia, Celso foi impedido de entrar pelas autoridades fronteiriças, vendo-se obrigado a regressar a Portugal, lê-se na acusação. Um mês depois Nero Saraiva quis saber por que razão Celso nunca mais chegava à Síria, numa conversa que o MP reproduz:

— Então, mas o que é que se passa aí?

— Aqui só estou à espera então do… do outro dread [fulano] que me dê os… os vermelhôncio [passaporte]

Os arguidos utilizavam, para falar entre si, linguagem codificada. O que Celso queria explicar era que estaria à espera de Fábio Poças. Este iria trazer-lhe o passaporte de Rómulo, que estava em Londres. O objetivo final seria, beneficiando da parecença física entre os dois irmãos, tentar entrar de novo para a Síria. Mas Nero Saraiva queria saber mais:

— O Binas então vem ou não vem? O Binas vem?

— Ainda não pá, o homem ainda não.

O “homem” era o próprio Rómulo. Binas não chegou contudo a pisar o território sírio, só o seu passaporte é que acabou mesmo a andar por lá. Segundo o Ministério Público, em Londres, Rómulo entregou-o a Fábio Poças — a investigação não conseguiu apurar em que data, mas sabe que em agosto de 2013 Fábio viajou de Londres para Lisboa para entregar a Celso o “vermelhôncio” do irmão. Encontraram-se ainda no próprio dia em que Fábio chegou a Portugal, pelas 20h30, perto do Centro Comercial de Massamá, onde Celso se encontrava a jogar futebol.

Os jihadistas portugueses podem estar de volta a casa. PJ tem “alguns” na mira

Com o passaporte na mão, Celso — que até tinha cortado o cabelo para ficar mais parecido com a fotografia que Rómulo tinha no passaporte — conseguiu finalmente entrar em território turco no dia 17 de agosto de 2013, para depois seguir caminho até à Síria, onde chegou no mesmo dia.

— Dentro do Tiagão [Turquia]?, perguntou-lhe o irmão, Edgar Costa.

Ya meu cota.

— Muita bomm! Não pares mais.

O Ministério Público entende que Rómulo Costa atuou “com a intenção concretizada de apoiar os seus irmãos”. E que “sabia que, sem este seu apoio, o seu irmão, Celso Costa, não conseguiria regressar à Síria“.

Apesar de alguns já se conhecerem de Massamá, todos os arguidos conviveram no bairro londrino de Leyton (FÁBIO PINTO/OBSERVADOR)

FÁBIO PINTO/OBSERVADOR

Às autoridades portuguesas, já depois de detido, Rómulo alegou que, quando em 2009 veio a Portugal fazer o passaporte, o deixou em casa dos seus pais, em Massamá, e que os irmãos o terão usado.

Quase todos os arguidos têm uma ligação àquela zona. Só Nero Saraiva — o primeiro português a ir para Londres, quando tinha ainda 12 anos — não era dali: nasceu em Angola, veio para Portugal com a mãe e irmã aos três anos e aos nove foi viver para uma instituição católica, em Aveiro. Massamá foi, aliás, usado como ponto de comparação por Edgar para explicar a Rómulo a “matança” que o terceiro irmão, Celso, teria feito: “Uma matança numa cena do tamanho de Massamá”.

Sandro Marques vivia também em Massamá, tendo até sido colega de escola dos irmãos Rómulo, Edgar e Celso. Foi também para ali, na linha de Sintra, que os irmãos Sadjo e Cassimo Turé se mudaram com a família, emigrada da Guiné-Bissau. Já Fábio Poças é oriundo de Mem Martins, poucos quilómetros mais à frente seguindo a linha do famoso IC19, conhecendo, por isso, a maioria dos arguidos.

Certo é que fosse para estudar, para trabalhar ou arrastados pela família, a pouco e pouco, todos os oito arguidos acabaram por emigrar para Londres, onde se instalaram em Leyton, um bairro londrino onde reside uma das maiores comunidades muçulmanas de Inglaterra. Ali, à medida que iam chegando, foram-se conhecendo e “passaram todos a conviver” uns com os outros. E acabaram convertendo-se ao Islão, escreve o Ministério Público. Porque só os irmãos Sadjo e Cassimo Turé “têm origem numa família muçulmana”, lê-se na acusação.

"Aqui só estou à espera então do... do outro dread [fulano] que me dê os... os vermelhôncio [passaporte]"
Celso Costa em resposta a Nero Saraiva

O Ministério Público situa entre 2011 e 2012 o momento em que, “por profunda convicção política-religiosa”, os oito arguidos aderiram “a movimentos fundamentalistas islâmicos” — juntos, formavam um grupo a que chamavam Umbrella Corporation. Mas Rómulo explicou às autoridades que se converteu ao Islão quando tinha entre 18 e 20 anos e que se vê como “um muçulmano normal” que segue “os preceitos básicos dessa religião”, negando ser “seguidor de qualquer corrente ideológica radical, conservadora ou ortodoxa do Islão”, lê-se no recurso de indeferimento de substituição da medida de coação.

Jihad-Atentado III ou Atentado III 1979. As produções cinematográficas de Rommy Fansony

A 16 de junho de 2019, depois de deter Rómulo Costa, a Polícia Judiciária (PJ) fez uma busca à sua casa em Massamá, onde também chegaram a viver os irmãos Edgar e Celso. As autoridades apreenderam diverso material informático, telemóveis e uma folha manuscrita com uma lista de vários artigos, nomeadamente calças de combate, gorros e referências a contactos. Entre esses nomes estavam os dados pessoais de Sandro Marques, outro dos portugueses suspeitos de terem integrado o Daesh.

Foram também encontrados vários documentos relacionados com voos entre Lisboa e o Reino Unido e comprovativos de despesas médicas na Tanzânia, por onde os irmãos de Rómulo terão passado antes de irem para a Turquia e, depois, para a Síria. Foram igualmente apreendidos DVD com gravações áudio de discursos religiosos.

As autoridades encontraram ainda algumas imagens que eram cartazes publicitários de produções cinematográficas fictícias assinadas por Rommy Fansony, o nome artístico de Rómulo Costa. Na sinopse de Jihad-Atentado III, por exemplo, lia-se mesmo que o filme seria baseado na história fictícia de homens e mulheres corajosos que usaram a sua ideologia para mudar o mundo. Num outro cartaz semelhante, desta vez para o filme Atentado III 1979, lia-se que o filme (fictício) tinha sido feito em em associação com AfroTugaz TV, UK TV e BBC, aparecendo Rómulo na imagem de fundo. 1979 foi o seu ano de nascimento.

A polícia apreendeu mesmo letras de músicas que terão sido escritas por Rómulo e cujo tema era a Síria. “Pux beat fuck popo”, “Mopeople” ou “Genocide” são apenas alguns exemplos de título de letras de músicas que escreveu.

Um dos anúncios que Rómulo Costa publicou na sua página do Facebook

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A par destas produções, que levaram as autoridades a acreditar que Rómulo queria produzir um filme baseado na história dos próprios irmãos no Daesh, foram encontrados documentos forjados da polícia britânica da decisão de não prosseguimento do processo-crime movido contra Rómulo no Reino Unido, bem como do cancelamento da fiança que teve que pagar pela liberdade.

Quanto aos documentos relativos à tentativa de trazer as cunhadas e os sobrinhos dos campos de refugiados, a polícia apreendeu uma declaração assinada pelo pai dos alegados terroristas a responsabilizar-se pela permanência daquelas famílias em Portugal, assim como uma lista de nomes de refugiados num campo da Síria, entre os quais os das mulheres e filhos de Celso e Edgar.

O MP acredita que “por profunda convicção político-religiosa, marcadamente salafista jihadista, de natureza violenta“, os arguidos organizaram-se em grupo e juntaram-se a organizações, como o Estado Islâmico e a Brigada dos Emigrantes — organizações reconhecidas internacionalmente pela ONU e pela UE como terroristas. Rómulo nega que assim seja e começa a ser ouvido esta sexta-feira no Tribunal do Monsanto pelo juiz Carlos Alexandre, na tentativa de não ser levado a julgamento.

Conversas podem ser “moralmente censuráveis”, mas defesa não considera que reflitam a “prática de qualquer crime”

O Ministério Público acredita que Rómulo Costa, mesmo em Londres, estava ciente do que os irmãos e amigos estavam a fazer na Síria. E aponta, para o sustentar, várias conversas telefónicas entre eles. Numa delas, lê-se, Edgar falava com o irmão sobre um “tipo de arma” que “servia para fazer um primeiro varrimento”. Noutra, dizia-lhe que o amigo Ahson Ali Iqbal tinha utilizado “o passaporte forjado porque receavam que o nome dele estivesse inserido no sistema de controlo de fronteira, à semelhança do que tinha acontecido com Celso Costa”.

Mas para a defesa, nem estas conversas, nem ficheiros encontrados na casa de Rómulo, nem mesmo o facto de Celso Costa ter usado o seu passaporte, “nada de ilícito resulta de cada uma destas factualidades”. No Requerimento de Abertura de Instrução (RAI), a defesa admite que as conversas entre Rómulo e os irmãos e amigos “poderão, porventura, em determinados segmentos ser moralmente censuráveis”, mas não considera que daí resulte a “prática de qualquer crime”.

"[As conversas] poderão, porventura, em determinados segmentos ser moralmente censuráveis (e são-nos aos olhos do aqui subscritor), mas daí não resulta a prática de qualquer crime”
Requerimento de Abertura de Instrução de Rómulo Costa

As letras de músicas? “São isso mesmo: letras de músicas cujo teor se encontra devidamente salvaguardado pelo direito à liberdade de expressão”, alega no RAI.

Quando à alegada utilização do passaporte de Rómulo pelo seu irmão, a defesa argumenta que não existe prova que “permita afirmar ou tão pouco inferir de forma segura” que tenha acontecido. Mas supõe que, mesmo que existisse essa prova, a Síria não era um destino “ainda proibido a viajantes”.”Nem essa organização terrorista”, entende ainda, tinha “sido assim considerada pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas ou menos ainda pelo Legislador Português”. “Na verdade, isso só ocorreu bem mais tarde (um ano depois da alegada viagem do arguido Celso Costa)”, defende. Em declarações às autoridades, Rómulo Costa assegurou que desconhecia que o seu passaporte tivesse sido utilizado pelo irmão ou por quem quer que fosse até a polícia britânica o ter informado disso em 2016.

Governo sabe quantos terroristas portugueses existem, mas não o revela (para já). E prepara regresso dos seus familiares

É nesta lógica que o advogado de Rómulo Costa pede a “nulidade da acusação” — que, a seu ver, se afasta “galopantemente” da verdade. “Não se retira o mais leve sinal de que o requerente tenha de alguma forma aderido a uma organização terrorista internacional, tenha recrutado quem quer que fosse para o terrorismo ou, sequer, que tivesse financiado o terrorismo”, lê-se ainda no requerimento que argumenta que as acusações contra o alegado terrorista são-lhe imputadas “de forma manifestamente genérica e abstrata”.

Às autoridades, Rómulo Costa garantiu que nem sequer conhece alguns dos arguidos: Cassimo Turé, Fábio Poças e Nero Saraiva. No recurso de indeferimento de substituição da medida de coação, é indicado que Sadjo Turé, Sandro Marques, Fábio Poças e os irmãos Celso e Edgar Costa morreram — mas não é feita referência a Camisso Turé. “Nero Saraiva foi capturado, paraplégico, pelas forças de coligação internacional e está preso a aguardar julgamento na Síria — processo findo o qual, certamente, partirá para junto de Alá sem pagar custas judiciais ou tão pouco interpor recurso”, lê-se ainda.

A fase de instrução que arrancou esta sexta-feira, 21 de fevereiro, servirá para avaliar se existem indícios suficientes para levar os oito arguidos a julgamento. As letras das músicas que Rómulo compunha, a suposta utilização do seu passaporte pelo irmão Celso e as centenas de conversas que os alegados terroristas mantiveram entre si. Uma delas, de maio de 2013, é uma chamada telefónica feita entre os três irmãos, na qual comentam “o homicídio de um militar britânico ocorrido, dois dias antes, em Woolwtch, Londres, e que foi reivindicado por uma organização terrorista”, descreve o Ministério Público.

Ta limpo, olha, um já caiu aí desse lado, comenta Celso Costa, entre risos.

Também a rir, Edgar Costa diz apenas:

Ya, tá-se bem.

Depois, Rómulo reage:

— Caiu e hão-de cair mais.

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