As inúmeras prateleiras distribuídas por dois andares e completas com discos de vinil, cuidadosamente colocados e organizados, saltam à vista na nova sala que integra o complexo da Arda, em Campanhã. A partir deste sábado é aqui que se encontra a casa de mais de 35 mil discos de vinil, com a abertura da Fonoteca Municipal do Porto (FMP), três anos depois de a ideia ter surgido. O objetivo do projeto passa não só por ser um arquivo sonoro da cidade e do país, mas também por ser um espaço de divulgação e produção de conteúdos relacionados com o espólio.

A coleção de discos, explica ao Observador Guilherme Blanc, diretor de cinema e arte contemporânea da empresa municipal Ágora Porto, “surgiu de duas doações muito significativas da Rádio Renascença e da Rádio Difusão Portuguesa”, feitas em 2008, mas também de outras instituições e particulares. O espólio será sempre dinâmico, atualizado (com doações ou novas aquisições) e, neste momento, compreende mais de quatro décadas de trabalho radiofónico com uso de vinil. “Estamos a falar de uma época em que todos os programas de divulgação musical eram feitos a partir destes discos”, acrescenta. A coleção e outras iniciativas que vão surgir podem também ser consultadas no site da FMP.

Dos mais de 35 mil discos de vinil aqui reunidos, 12 mil já foram identificados, catalogados e podem ser consultados e ouvidos a partir de sábado, com visitas que têm de ser agendadas e que duram no máximo uma hora. Nos bastidores, acrescenta Guilherme Blanc, há um trabalho complexo de inventariação e de tratamento dos discos, até porque vários fonogramas precisam de restauro. É também neste aspeto que se insere a colaboração com os estúdios da Arda, empresa criada a partir dos Estúdios Sá da Bandeira e onde a Fonoteca Municipal está inserida.

Neste complexo temos cinco estúdios de gravação e de pós-produção que são utilizados para atividades da Fonoteca: é lá que é feito o restauro dos fonogramas, a gravação das locuções para os podcasts, a pós-produção do conteúdo para a web. A operação áudio da Fonoteca passa pelas nossas infraestruturas dos estúdios”, explica João Brandão, coordenador dos estúdios da Arda.

O processo de catalogação que é aqui feito, acrescenta João Brandão, é demorado e complexo: “Exige uma audição do fonograma, uma limpeza do disco de vinil, uma digitalização das capas e da arte toda associada ao fonograma, uma inserção numa base de dados formal, com regras internacionais, e uma inserção numa base de dados mais informal mas de mais fácil acesso para o público no dia a dia”. Um processo minucioso que começou há cerca de um ano e meio e que ainda não terminou.

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A Fonoteca Municipal do Porto localiza-se no Complexo de Campanhã, na Rua Pinto Bessa (Ana Catarina Peixoto/Observador)

A Fonoteca Muncipal no Porto começou a ser pensada há três anos, quando surgiu a ideia de dinamizar o espólio de fonogramas de vinil que foi doado à cidade do Porto. “Tínhamos a ideia, e teve também o presidente da Câmara Municipal do Porto, Rui Moreira, de realizar um projeto de dinamização pública no espaço deste património: um espaço de fruição e de conhecimento da cultura musical a partir de fonogramas em vinil”, sublinha Guilherme Blanc. Três anos depois, nasce um lugar que quer ser para todo o tipo de público: “Todos podem aceder a esta fonoteca para investigar, conhecer, compreender que património é este do vinil”.

Em breve, e quando as regras impostas pela Direção-Geral da Saúde devido à pandemia de Covid-19 o permitirem, a FMP vai também ter uma programação pública com várias iniciativas para dinamizar a coleção, incluindo concertos baseados no arquivo existente e ainda programas de escuta ativa semanal, visitas escolares e residências artísticas. O espólio, acrescenta João Brandão, é diversificado e alcança vários anos: “O mais antigo é do início dos anos 50 e o mais recente será de 1995”.

O espólio da FMP conta com mais de 35 mil discos, 12 mil dos quais já catalogados e prontos para serem ouvidos (Ana Catarina Peixoto/Observador)

Apesar de ter um espólio de 35 mil discos que já fazem parte da história, a Fonoteca Municipal, referem os dois responsáveis, quer ser mais do que “apenas um arquivo morto e um espaço de consulta”. “É um espaço de acesso livre, público e gratuito para a consulta dos fonogramas, mas é também uma rampa de lançamento para muitos projetos que vão ser desenvolvidos e que irão dinamizar muito este espólio e talvez mostrar este mundo do vinil a gerações mais novas ou a pessoas que não têm tanto contacto com esta forma de consumir música”, explica João Brandão.

Para Guilherme Blanc, este é “um exemplo de um património que a cidade tem, que estava fechado, que era um património inerte e que, a partir de agora, passa a ser um património dinâmico, vivo, de relação com a cidade e com os seus públicos”.

A abertura da Fonoteca Municipal do Porto — agendada para este sábado, entre as 14h e as 19h — vai ter uma lotação de dez pessoas em simultâneo e vai contar com a presença de Renato Cruz Santos, membro da Suave Geração, e o DJ Xico Ferrão, que vão apresentar uma seleção de discos resultantes de um trabalho de pesquisa desenvolvido a partir do espólio da FMP.