A Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) identificou indícios de 21 trabalhadores a falsos recibos verdes no Serviço Educativo Artes da Fundação de Serralves, no Porto. Ouvida esta terça-feira no Parlamento, a inspetora-geral da ACT, Luísa Guimarães, informou que, do contacto com 32 prestadores de serviços, houve 21 casos em que a ACT entendeu “existirem indícios de uma relação de trabalho subordinado”. A administração da Fundação de Serralves, no entanto, afirma que nunca foi ouvida pela ACT durante todo o processo e diz não perceber o que fez esta entidade mudar de decisão em relação a uma primeira inspeção.
Do lado da ACT, Luísa Guimarães explicou que o processo de inspeção à situação em Serralves decorreu em dois momentos diferentes. A primeira inspeção foi feita a 15 de abril, “com o foco específico de trabalho dissimulado”. No entanto, o facto de se estar “em pleno estado de emergência”, refere a inspetora-geral, “inviabilizou uma visita à Fundação de Serralves”, e, por isso, não foram ouvidos nem trabalhadores nem a administração.
Nesse momento, “a ACT recolheu uma série de documentação que analisou e, com base nessa análise documental, concluiu que não existiam indícios suficientemente fortes”, acrescentou Luísa Guimarães. No entanto, e depois desta primeira inspeção, “a própria ACT, por sua iniciativa, entendeu desencadear uma nova intervenção inspetiva quando se verificou a retoma de atividades”. Foi depois dessa nova inspeção, e depois de ouvidos os prestadores de serviços que quiseram prestar declarações, que a ACT identificou 21 casos de trabalhadores com falsos recibos verdes.
Questionada pelos deputados presentes sobre o motivo que levou à mudança de decisão de um processo para o outro, a ACT refere que na primeira intervenção não foi possível “fazer um conjunto de diligências, como visitar fundação e ouvir trabalhadores e outras pessoas”, não só porque a própria Fundação fechou portas nessa altura, como pelo facto de “não ser seguro convocar trabalhadores” em plena altura de confinamento.
A Fundação de Serralves tem agora um prazo para regularizar a situação destes 21 trabalhadores, tendo estes sido divididos em dois grupos: o primeiro com dez trabalhadores que iniciaram a relação laboral entre 1999 e 2016 e o segundo grupo com 11 educadores que entraram a partir de 2017. No caso do primeiro grupo, o prazo para Serralves regularizar a situação termina a 1 de outubro e no segundo termina dia 5 de outubro. “Nesse momento vai-se saber se Serralves regularizou as situações. Não regularizando, o passo seguinte é comunicar ao Ministério Público para efeitos de instauração de ação de reconhecimento do contrato de trabalho”, acrescentou a inspetora da ACT.
Fundação de Serralves nega ter sido ouvida pela ACT e vai seguir para tribunal
Depois da ACT, foi a vez de o conselho de administração da Fundação de Serralves ser ouvido no Parlamento. Ana Pinho, presidente deste conselho, começou por explicar todo o processo de inspeção que terá ocorrido com a ACT e garantiu que a Fundação vai deixar a decisão sobre este assunto seguir para tribunal.
A ACT, depois de uma primeira fase ter solicitado extensa documentação a Serralves, comunicou, a 6 de maio de 2020, que o processo de encontrava concluído e que não foram adotados outros procedimentos inspetivos. Na sequência da análise efetuada, a ACT informou o Governo e a AR de que não havia indícios de contratos de trabalho na relação dos monitores do serviço educativos artes com Serralves. E isto foi em julho”, começou por explicar Ana Pinho aos deputados.
Segundo a presidente do conselho de administração, na nova visita inspetiva que a ACT fez no final de julho, a entidade “não entendeu ser necessário ouvir qualquer elemento da direção”. “Estranhamente, e ao arrepio do princípio básico do contraditório, a ACT não se preocupou em apurar todos os factos ou uma versão distinta da que lhes foi eventualmente transmitida pelos prestadores de serviços com quem falou”, atirou Ana Pinho.
Dentro do nosso período de resposta, é absolutamente lamentável que a ACT tenha qualquer opinião antes de ouvir Serralves de qualquer maneira, porque não reuniu connosco nem sequer esperou pela nossa resposta”, acrescenta.
Por considerar que o processo não está a ser seguido de forma correta, a Fundação de Serralves diz seguir para tribunal com o processo. “Entendemos que isto se trata de uma verdadeira prestação de serviços, não abdicaremos, como gestores de uma fundação que é financiada por dinheiros públicos e privados, da nossa responsabilidade de ir até às ultimas consequências e deixar que o tribunal decida sobre estes processos”, informou Ana Pinho.
Segundo os responsáveis de Serralves, os trabalhadores em causa “são verdadeiros prestadores de serviços”, uma vez que “não têm qualquer prestação que se possa comparar a um contrato de trabalho”. A administração afirma ainda que “nenhum destes prestadores de serviço solicitou alguma vez [antes da pandemia] a alteração do seu vínculo, passando a ter um contrato de trabalho”.
Bloco de Esquerda pediu audiências para avaliar situação
As audições desta terça-feira — da ACT e da Fundação de Serralves — foram pedidas pelo Bloco de Esquerda, que quer avaliar a situação dos trabalhadores “precários” da Fundação de Serralves — que não integram o quadro de funcionários — que se têm vindo a manifestar contra as decisões da administração. No requerimento, os bloquistas afirmam que “no início das medidas de distanciamento social, em março, a Fundação de Serralves descartou trabalhadores a recibos-verdes do serviço educativo da instituição, bem como todos os técnicos externos responsáveis pela montagem das exposições, sem qualquer aviso prévio no próprio dia em que a instituição suspendeu atividade”.
O Bloco de Esquerda questionou o Governo sobre se iria interceder junto de administração de Serralves. A Fundação, por sua vez, garantiu que estava a “cumprir todas as suas obrigações” e “todas as regras decretadas no âmbito do estado de emergência”.
Educadores da Fundação de Serralves exigem ser tratados de “forma digna”
Mais tarde, os bloquistas referiram que os trabalhadores que têm vindo a denunciar a situação “estão agora a sofrer retaliações, com o Conselho de Administração da Fundação a afastar estes trabalhadores das atividades e exposições na reabertura de Serralves no processo de desconfinamento”. “Mais grave, sabemos agora também que a administração estará a entrevistar novos educadores para as mesmas funções destes trabalhadores”, refere o partido.
A Fundação de Serralves, no entanto, assegurou que, à “medida que a atividade da fundação vai sendo retomada, vários prestadores de serviços externos, que prestam serviços em várias áreas, têm vindo a ser contactados pela instituição para a prestação de serviços concretos, de acordo com o que habitualmente acontece, quando há necessidade desses mesmos serviços”.
(Artigo atualizado às 19h13 com mais informações)