O ministro das Finanças esteve esta terça-feira no Parlamento para dar a conhecer aos partidos as linhas gerais do Orçamento do Estado para o próximo ano e aponta para um défice acima de 7% este ano (dentro das previsões do Governo em julho) e pouco acima de 4% em 2021, confirmou o Observador. Esta baixa prevista deixa a esquerda incomodada com o regresso a essa preocupação e ao ritmo de redução que regressa já para o ano, segundo os valores apresentados pelo Executivo.
Apresentados os grandes números, as negociações entre PS e parceiros mais à esquerda vão prolongar-se durante a noite. O Observador sabe que a comitiva do PCP, que incluía o líder parlamentar João Oliveira, seguiu para a reunião sensivelmente às 18 horas. Depois, será a vez dos bloquistas ouvirem o que tem para dizer o Governo em relação às pretensões do partido para o Orçamento.
Os sinais que foram chegando ao longo do dia continuam a ser ambíguos, embora o cenário de crise política pareça estar afastado. “Mais do que do que o défice e a intenção de reduzir o défice das contas públicas lá para 2022, o importante é a resposta aos problemas do país”, referiu João Oliveira do PCP no final do curto encontro com João Leão. A União Europeia está ponderar uma moratória para os objetivos de redução do défice para 2022 e ao PCP “não lhe parece que esse seja o critério”, avisa o líder parlamentar.
Em linha com o que antes dele já tinha também dito o líder parlamentar do Bloco de Esquerda, o outro parceiro de negociação do Governo neste OE, ao referir que se deve “perceber que estamos a viver uma situação extraordinária e as pressões que existiam sobre o défice não existem neste momento. Queremos dar prioridade ao investimento que ajuda nessa recuperação”, defendeu Pedro Filipe Soares. E recordou mesmo a “resposta política” do tempo da troika, de contenção, e em como isso, na perspetiva do BE, “acrescentou crise à crise”. Neste momento “a prioridade é parar a crise no imediato, para que ela não se aprofunde”.
Aos partidos o Governo apresentou ainda uma previsão de queda do crescimento da economia em 8% para este ano e volta a crescer, na ordem dos 5,5% já no próximo ano. O desemprego para este ano que está a ser estimado pelo Executivo na elaboração deste Orçamento do Estado é de 8,7% este ano e um pouco abaixo no próximo, indicaram ao Observador fontes que estiveram presentes nas reuniões desta manhã. Em termos de pandemia, o Governo estará a trabalhar sempre com um cenário em que não existe qualquer confinamento nos próximos meses e em que a situação normaliza no segundo semestre do ano que vem, segundo informaram fontes partidárias.
O BE, parceiro de negociação do Governo neste Orçamento (como nos últimos seis, contando com o suplementar) detalhou que esta não foi uma reunião para “prosseguir o diálogo” das últimas semanas e que essas vão continuar e o partido “espera ter algumas conclusões” agora. Sobre o Orçamento, o líder parlamentar Pedro Filipe Soares defende que responda “a uma situação difícil do país e ataque os problemas estruturais”.
O partido liderado por Catarina Martins considera que a pandemia veio demonstrar que “os apoios sociais não chegavam para todos e deixavam muita gente para trás” e que o “sistema financeiro nunca está cansado de sugar os recursos do país”. E que nesta altura existe “necessidade de mudar estruturalmente a resposta a cada um dos problemas”.
Ainda falou na questão do Novo Banco, com o BE a dizer que “não vai em truques contabilísticos” e que até agora “não há mudança no Governo”, nem no BE que espera que “possa haver algumas alterações nos próximos dias”. Esperar para ver e decidir.
No PCP também não se abre o jogo sobre o sentido de voto no Orçamento. “Prognósticos só no final do jogo”, atirou João Oliveira perante a pergunta e afirmando que o voto comunista “é em função daquilo que for inscrito” na proposta do Governo, em que o PCP “já identificou todas as condições” para acautelar os interesses comunistas. Resta agora saber a resposta do Governo a esta expetativa.
Também o partido Pessoas-Animais- Natureza (PAN) tem estado em “diálogo permanente” com o Governo, com a líder parlamentar a referir que o Governo “tem resistido” a acolher medidas do partido. Inês Sousa Real disse que o PAN “compreende que este é um momento extraordinário, mas que as propostas que faz são responsáveis”, dando exemplo da defesa do investimento nos centros de recolha animal.
Quanto à tara (de 10 a 20 cêntimos) que o partido propõe para as máscaras descartáveis — “que constituem um problema ambiental” –, a deputada disse que o Governo tem demonstrado abertura até agora. A “preocupação dar respostas em áreas fundamentais como o SNS mas não significa que não haja outras preocupações, com a crise climática”, sustentou.
Nos Verdes, é também feita referência à inexistência, este ano, de “imposições europeias”, pelo que o partido espera que o Orçamento para o próximo ano “possa dar resposta aos portugueses”, segundo o deputado José Luís Ferreira.
Governo diz-se “tranquilo” com o processo de preparação do Orçamento
Depois de conversar com todos os partidos, deputados únicos representantes de partidos e deputadas não inscritas (que não falaram à saída das reuniões), o Governo saiu “tranquilo”, mas acautelando “percentagens” que “podem alterar facilmente” com as alterações que o documento ainda sofrerá até à entrega a 12 de outubro.
O Governo mantém como foco “a proteção do rendimento das famílias e apoio às empresas” para que a economia possa “recuperar” e, aparentemente, a falta de acordo, para já, para o Orçamento do Estado não preocupa o Executivo. “Estamos muito tranquilos porque estamos a participar com toda a naturalidade no processo de execução do orçamento que corresponda ao que o país precisa”, apontou o secretário de Estado Mendonça Mendes, sem preocupação pela falta de acordo: “estamos muito tranquilos pela forma como decorre o processo orçamental”.
Direita quer mais foco nas empresas e menos no investimento público
Já o PSD, saiu da primeira reunião do dia “preocupado”. E a pedir “responsabilidade ao Governo” numa altura em que os números da economia “são sempre negativos”.
Os sociais-democratas disseram manter “a preocupação com a economia e a necessidade de recuperação económica, que passa pelas empresas, o emprego e os trabalhadores”, depois de conhecido o quadro macroeconómico que o ministro lhes apresentou esta manhã. O deputado disse que o “cenário é difícil para todos e não é expetável números da economia que sejam agradáveis. São sempre negativos”, avança. Agora, o PSD espera que “o Orçamento responda às necessidade. Que o Governo responda às empresas”, argumentou.
“Dos dados que ouvimos ficamos que a convicção que há preocupação muito mais forte com o investimento público e menos com o privado”, explicou o deputado Afonso Oliveira à saída do rápido encontro, ao mesmo tempo que reconheceu “a dificuldade do Orçamento para 2021”. Mas perante isso, a receita do PSD é “ter um Governo à altura das responsabilidades”. Da reunião, a comitiva do PSD saiu sem essa certeza e ainda “acresce à preocupação” o facto de não haver sinal de um acordo à esquerda para a viabilização da proposta do Governo.
Cecília Meireles, do CDS, não prevê “boas surpresas” com o Orçamento, tendo em conta o que ouviu do ministro João Leão. A proposta que o Governo está a preparar “dá menos importância à iniciativa privada do que a função pública”, com o Executivo a “achar que o motor da economia é o Estado”. “Para salvaguardar postos de trabalho é importante que as empresas sobrevivam“, defendeu a deputada que disse só ver no Orçamento “medidas fiscais cirúrgicas e a continuação de linhas de crédito que não resolvem a situação a longo prazo”
A deputada também considerou que em anos de pandemia “o mais importante não é o défice mas perceber se em relação aos fundos europeus recebidos, o Governo vai aproveitar para fazer reformas a sério ou para distribuir dinheiro e ao fim de quatro anos termos perdido a oportunidade de dar a volta”.
No Chega, André Ventura não percebe por que motivo PCP e BE vão viabilizar o Orçamento do Estado para 2021. O deputado que está em funções há um ano e que assistiu a este processo orçamental por dentro pela primeira vez nessa altura considera que “esta foi a pior apresentação de sempre de um Orçamento”. Garantiu aos jornalistas ter saído da reunião com secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (o ministro das Finanças deixou de estar presente da parte da tarde) com “uma mão cheia de nada”.
O Governo “vai manter as medidas do Orçamento Suplementar e não traz nada de novo para o auxilio a quem esta a passar por momentos difíceis nesta crise”, pelo que o Chega “suspeita que o Governo não sabe quanto dinheiro vai receber da União Europeia, nem sabe como o aplicar”. Faltam medidas para o setor privado e para as forças de segurança, defendeu o deputado André Ventura que não vê “nenhuma matriz social” no que já conhece da proposta do Governo, por isso não sabe porque PCP e BE votam a favor: “A única razão é terem medo de eleições e do que aí vem”. O Chega não adianta ainda o seu sentido de voto mas apelida este como “o Orçamento mais vergonhoso da história”.
Também João Cotrim Figueiredo não revela como votará o Iniciativa Liberal, embora assuma que, tendo em conta o que viu, “dificilmente contribuirá para a viabilização deste Orçamento”. Todos os temas que estão em cima da mesa, argumentou o deputado no final da reunião, “aumentam a despesa e nada fazem para aumentar a competitividade”. O deputado considera que a proposta “devia manter uma resposta cabal e rápida à recuperação do atraso do SNS” e que “não é razoável que se continue a olhar para os 8 mil mortos em excesso em relação ao que havia e não fazer nada para reparar estas consultas, estes diagnóstico e cirurgias”.
O Orçamento do Estado será entregue na Assembleia da República a 12 de outubro e a primeira votação (na generalidade) da proposta do Governo acontecerá a 28 de outubro. Nesta altura ainda não há garantias de viabilização por parte dos parceiros parlamentares do PS, o BE e o PCP, mas as negociações entre as partes têm-se mantido nos últimos dias e vão continuar.