A história da Ernest W. Baker é a prova de que o improvável encontro de longitudes e referências pode terminar num frutífero exercício de design. Que o digam Inês Amorim e Reid Baker, ela portuguesa de Viana do Castelo, ele norte-americano de Park City, no Utah. Para baralhar ainda mais as geografias, conheceram-se em Milão, quando ambos concluíam mestrado em Design de Moda.
Daí, partiram para os estúdios de outros designers. Inês esteve em Londres, onde trabalhou no atelier do chinês Yang Li. Reid, por sua vez, seguiu para Paris e acabou dentro da Wooyoungmi, marca sul-coreana de moda masculina. Mais tarde, rumou a Antuérpia, onde o esperava o criador Haider Ackermann. “Foi aí que fizemos a nossa primeira coleção. Já tínhamos pensado em lançar uma marca própria quando estávamos em Milão, mas quisemos esperar e ir aos pouquinhos”, conta Inês, designer de moda de 28 anos, ao Observador.
Os ares belgas acabaram por abonar a favor do casal e, ainda a apalpar terreno, desenharam a primeira coleção em nome próprio. “Nessa altura, não pensávamos sequer em vender as peças, apenas perceber o que é que queríamos mostrar enquanto marca, que história íamos transmitir e definir um mood“, continua. A primeira coleção, o inverno de 2018, foi um tiro em cheio. Chegaram à lista de finalistas do prémio LVMH, destinado a catapultar a carreira de jovens designers de todo o mundo.
Nesse ano, o prémio acabou por ir para o japonês Masayuki Ino, designer da marca de streetwear Doublet. Contudo, a recém-criada Ernest W. Baker acabava de entrar no mapa, bem como no radar de buyers e lojas multimarca. “Éramos das marcas mais novas a serem nomeadas para o prémio, sem lojas e ainda só com uma coleção. Éramos mesmo pequenos. Não ganhámos, mas foi um grande impulso”, recorda Inês.
O passo seguinte contrariou todas as expectativas. Com uma nova e promissora marca de menswear nos braços, Inês e Reid mudaram-se para Portugal, mais precisamente para Viana do Castelo. “Decidimos que seria o melhor sítio para criar uma marca. Aqui, estamos perto da indústria e das pessoas que fazem as nossas peças. Desde o início que estamos muito focados na qualidade e na atenção que damos aos pormenores. Há peças feitas à mão e estar perto de quem as faz abre muito mais o leque de opções criativas”, prossegue Inês.
Há dois anos que a dupla labora em Portugal. A equipa já foi maior. Com a pandemia, voltou a estar reduzida aos dois criadores, embora, passo a passo e com cautela, a marca volte agora a pensar em crescer. O mais provável é mudar-se para o Porto e voltar a recrutar ajudantes. Neste momento, Inês e Reid asseguram tudo, do design das peças à logística das encomendas.
Nesse campeonato, não se podem queixar. Os interessados chegaram-se à frente logo na primeira coleção. Desde então que a expansão tem sido gradual, mas eficaz. Na lista de pontos de venda disponibilizada online, contam-se mais de duas dezenas de pontos de venda e só o Japão, a Coreia do Sul e Taiwan totalizam mais de metade. Estados Unidos e Canadá são agora mercados a explorar. Na Europa, Itália, Espanha e Reino Unido também já têm pontos de venda.
A moda masculina sempre lhes saiu naturalmente, embora revelem que, entre os clientes, existem lojas vocacionadas para vestuário feminino. O estilo andrógino e minimal, mas ao mesmo tempo clássico e ligeiramente datado (no melhor dos sentidos), tem sido a chave do regresso para a Ernest W. Baker. Como se previa, o segredo está na combinação de heranças. “O Reid trouxe este toque western para as coleções”, admite Inês. Ele, por sua vez, reconhece no trato português uma mistura de simplicidade e autenticidade. O resultado é uma silhuetas masculina depurada. A base é o vestuário clássico, o aroma reaviva a memória dos fabulosos anos 70.
“Há alguns detalhes que repetimos e que, de certa forma, já representam a marca, como as calças à boca de sino e os blazers de trespasse”, explica a designer. A ironia espreita a cada coleção. Na deste inverno, a present bag confunde-se com um presente discreto, uma nota de humor que se funde nas restantes propostas. A atenção aos acessórios é, aliás, outro dos ponto forte da marca — calçado, óculos, joalharia e marroquinaria são desenvolvidos a par com o vestuário, sob uma única inspiração.
“A marca é muito pessoal”, refere Inês, na véspera da estreia no Portugal Fashion. Nesta quinta-feira, pelas sete da tarde, a dupla pisa pela primeira vez a Alfândega do Porto. O aparato não lhes é estranho — têm por hábito levar a coleção a showrooms parisienses e, no último verão, conquistaram mesmo lugar no calendário da fashion week dedicado à moda masculina. Agora, embora posicionados no segmento do luxo, querem medir a temperatura ao mercado português.
Em vez de um desfile, vão mostrar também peças de coleções anteriores, numa espécie de bilhete de identidade da jovem marca. A Ernest W. Baker é um projeto demasiado pessoal para ser encarado de uma forma estritamente comercial, a começar pelo próprio nome. Herdou-o do avô de Reid, figura irrepreensível e um dos primeiros publicitários de Detroit.
“Quando vivíamos em Milão, gostávamos de andar na rua e de ver aqueles senhores mais velhos muito bem vestidos e arranjados. De certa forma, isso fez-nos, logo aí, criar a identidade da marca. Também não queríamos ter os nossos nomes, mas algo abstrato, uma personagem”, remata. Sem nunca ter aspirado a musa do mundo da moda, o senhor Baker encaixou na perfeição.